Em 2000, a ONU lançou um programa global de oito pontos e dezoito metas, os Objetivos do Milênio, para erradicar a pobreza nas regiões menos desenvolvidas do mundo num prazo de 15 anos. O organismo listou uma série de indicadores para orientar e medir sua implementação e logo depois o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) desenvolveu outros parâmetros, mais adequados à realidade nacional, para auxiliar nessa avaliação. Adalberto Veríssimo e Danielle Celentano, pesquisadores do Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon) estudaram a evolução de 17 desses indicadores a partir estatísticas coletadas entre 1990 e 2005 na região Norte do país, para verificar em que pé está o cumprimento da maioria das metas listadas nos Objetivos do Milênio. Encontraram uma boa notícia e três bem ruins.
No geral, a situação sócio-econômica para os 22, 5 milhões de habitantes da Amazônia melhorou. Por exemplo, a parcela da população que vivia abaixo da linha de pobreza, isto é, com menos de um dólar por dia e que em 1990 era de 23%, estava em 17% em 2005. A taxa de analfabetismo da população com mais de 15 anos de idade também caiu no mesmo período, de 20% para 13% e a frequência escolar de crianças entre 7 e 14 anos atingiu 96%. Agora, as más notícias. Apesar da melhoria, as condições de vida da maior parte da população amazônica ainda é crítica e permanece abaixo da média do país. E o futuro não parece ser brilhante. A análise da evolução das metas indica que salvo duas delas – redução da mortalidade infantil e acesso à educação – dificilmente a Amazônia conseguirá atingir os Objetivos do Milênio na data marcada, daqui há oito anos.
E dois indicadores tiveram sensível piora nos últimos 15 anos: a incidência de Aids deu um salto, indo de 1, 2 casos por cem mil habitantes em 1990 para 12, 4 em 2004; e o desmatamento também subiu sensivelmente ao longo desses anos. Em 1990, ele já tinha atingido 10% do território da floresta. Em 15 anos, ele tomou mais 7% do espaço da mata e aumentou a sua média anual. Na década passada, as derrubadas roubavam das árvores cerca de 16 mil quilômetros quadrados de solo por ano. De 2000 até 2006, essa média foi para 20 mil quilômetros quadrados e, como aponta o trabalho, a pressão sobre a floresta continua e não há sinal, apesar da queda da taxa no ano passado, de que está de fato sob controle. Veríssimo e Celentano recorrem ao trabalho de outro pesquisador do Imazon, Paulo Barreto, para lembrar que 47% da área da floresta tem sinais de presença humana e que um quinto dela já está consolidada.
Exceto talvez pelo Mato Grosso, estado onde a ponta rica do agronegócio fincou raízes e que tem o melhor desempenho entre seus pares da região na maioria dos indicadores, é difícil achar na Amazônia uma justificativa econômica para a degradação ambiental. Além dos 2, 2 milhões de habitantes que permanecem abaixo da linha de pobreza na região como um todo, outros 10 milhões, cerca de 45% da população, sobrevivem com um gasto diário inferior a dois dólares. E o estudo de Celentano e Veríssimo lembra que a devastação traz graves problemas de saúde pública, como a malária. De um modo geral, o número de casos teve uma redução de 9% entre 1990 e 2004. Mas a incidência, 459 mil infectados pelo último levantamento, ainda é alta e a região continua respondendo por praticamente todos os casos do país.
Áreas protegidas
O curioso é que a presença da malária na região tende a ser maior justamente nas regiões que sofreram mais com o desmatamento nos últimos anos, como o Centro-Oeste do Pará, Sul do Amazonas e Noroeste do Mato Grosso. O achado corrobora dois estudos, um deles na Amazônia peruana, que mostra que o corte indiscriminado de árvores e o represamento de rios e igarapés, que tendem a produzir de imediato um ambiente de água parada e limpa, favorecem a proliferação do Anopheles darlingi, o mosquito transmissor da doença. O estudo feito no Peru aponta que em áreas de fronteira com desmatamento recente, a taxa de picadas é 278 vezes maior que nas áreas de floresta.
No caso específico do meio ambiente, em meio a números tãos ruins, Celentano e Veríssimo encontraram um dado alvissareiro. O percentual da região de floresta que virou área protegida, unidades de conservação mais terras indígenas, multiplicou-se por cinco entre 1990 e 2006. Hoje ele está em 42, 1%, com pouco menos da metade, 20, 5%, debaixo do contrôle de tribos de índios e da Funai. Isso significa que apesar dos avanços, o Brasil ainda continua abaixo de objetivos estabelecidos por outros organismos multilateriais ou ligados ao governo federal para criação de unidades de conservação na região. O Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), por exemplo, quer que daqui a cinco anos, 285 mil quilômetros quadrados da região estejam sob o regime de área de proteção integral. Para tanto, falta dar este status jurídicos a outros 145 mil quilômetros quadrados da Amazônia.
Do mesmo modo, o objetivo do Plano Nacional de Florestas de 2000 de consolidar 500 mil quilômetros quadrados de Florestas Nacionais e Estaduais na região ainda está a 223 mil quilômetros quadrados distante do seu ponto final. Perto mesmo está apenas o objetivo do ARPA de criar Reservas Extrartivistas na floresta amazônica. A meta de 90 mil quilômetros quadrados postos de lado para o extrativismo já foi alcançada em 92%. Pode ser bom para quem vive nas reservas mas, pelo menos até agora, elas não têm ajudado na proteção da biodiversidade. A investigação do Imazon sobre os Objetivos do Milênio na região Norte é o primeiro capítulo de um livro que a instituição está preparando com o título O Estado da Amazônia. Seu conteúdo será revisado e reeditado a cada dois anos. Os capítulos da primeira edição serão lançados em meio eletrônico, um por mês, até agosto, quando o livro deverá estar concluído.
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