O carvão mineral é um personagem central no drama do aquecimento global. Dele saiu a energia que moveu a revolução industrial há dois séculos, momento em que a concentração de gases estufa na atmosfera começou a se elevar . Ainda hoje, grande parte dos países desenvolvidos tem sua matriz energética alimentada pelo insumo. Nos Estados Unidos, um terço da eletricidade é provida pelo carvão. Além disso, nações emergentes também dependem do insumo. A China, que assumiu o posto de nação que mais emite em todo planeta, tem 70% de seu suprimento baseado no mineral.
Por isso, o combustível não sairá de cena com facilidade. Pelo contrário, durante um encontro no ínicio de junho na Alemanha entre os países do G8 (grupo das sete nações ricas mais Rússia) e as cinco maiores economias emergentes (entre elas Brasil e China), os executivos de algumas das empresas de energia mais lucrativas do mundo mostraram que apostam alto na entrada de tecnologias que permitam o uso do carvão por longos anos sem que isso represente aumento das emissões de gases estufa.
A principal ferramenta que está sendo pesquisada é a captura e armazenamento de carbono (conhecida como CCS – Carbon Capture & Storage). A tecnologia consiste em injetar o carbono emitido por fábricas e usinas em poços de petróleo, gás e também nas minas de carvão. Ao armazenar o carbono embaixo da terra, a pressão pode ajudar a extrair petróleo e carvão, economizando assim energia. As pesquisas ainda não são viáveis para serem adotadas comercialmente. Estima-se que apenas em 2015 poderão existir usinas de carvão operando com o CCS.
O armazenamento de carbono dá um fôlego novo à indústria de combustíveis fósseis. Em especial para àquela baseada no carvão mineral, que hoje está por trás do crescimento econômico de alguns países emergentes, como China, Índia e África do Sul. A China tem 13% das reservas mundiais e produz 10 millhoes de toneladas de coque todos os anos. “Os chineses têm carvão e vão usar, é o que eles têm, vamos ser realistas”, disse Mark Moody-Stuart o presidente da Anglo American, uma das maiores mineradoras de carvão do mundo. Para Stuart, o CCS vai ser “parte indispensável” na atuação do setor de energia no aquecimento global.
A Anglo American está investindo pesado em pesquisas com CCS em suas minas da África do Sul. Além disso tem uma parceria com a Shell na Austrália para desenvolver tecnologia de gaseificação do carvão, que permite uma combustão mais eficiente. Na mesma linha caminha a British Petroleum (BP), uma das principais empresas de energia da Europa. O Executivo-chefe da empresa, Tony Hayward, afirma que é um “otimista” com relação a capacidade do “engenho humano” em achar soluções ao combate do aquecimento global, e julga que o mercado está apontando na direção certa. “Para nós, o CCS e o carvão limpo são grandes oportunidades de negócio”, frisou.
Jennifer Morgan, que por muitos anos coordenou as campanhas de mudanças climáticas na WWF mundial e agora dirige a ONG Third Generation Environmentalism (E3G), ressalta que há muitas dúvidas em aberto com relação à tecnologia do CCS. É preciso saber, por exemplo, se o armazenamento do carbono embaixo da terra será permanente. De toda forma, ela reconhece que a tecnologia pode ser um caminho para garantir menos emissões da China, agora que assumiu o posto de maior poluidor global “Temos que acelerar as pesquisas e garantir que todas as usinas a carvão que estão sendo construídas na China sejam mais eficientes”, argumenta. Mas Morgan faz uma ressalva. “O CCS não pode se tornar a única prioridade e retirar fundos para pesquisas em eficiência energética e nas alternativas renováveis”.
Transição suave
O grande atrativo das pesquisas com armazenamento de carbono para as empresas de energia é a oferta de uma mudança gradual no mercado. “Gostaríamos que as mudanças fossem mais rápidas, mas não é assim que acontece, infelizmente as coisas tomam tempo”, pondera o presidente da International Emissions Trading Association (IETA), Andrei Marcu. A IETA representa as maiores empresas do globo que participam do mercado de créditos de carbono, e segundo seu dirigente, o CCS se mostra uma boa opção porque é “economicamente sensata.” O quê falta, pontua Marcu, é uma equação que torne o preço da tecnologia viável às empresas.
Jim Rodgers, presidente da Duke Energy, mostra certo ceticismo com CCS. A Duke fornece um quinto da energia dos Estados Unidos, algo semelhante a todo consumo da Alemanha. Cerca de 50% deste total provém da queima de carvão, por isso a empresa olha com atenção para as pesquisas em tecnologia de armazenamento de carbono. Mas o preço projetado, 30 a 40 dólares por tonelada de carbono sequestrada, ainda assusta. “É um custo muito caro para nossa empresa”, revela Rodgers.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), atualmente são emitidos 25 bilhões de toneladas de carbono por ano, e em 2050, se nada for feito, essa taxa deve alcançar 60 bilhões de toneladas. Em uma projeção otimista do organismo, se até 2050 houver bom número de usinas movidas a carvão com a tecnologia CCS, cerca de 6,5 bilhões de toneladas de carbono poderão deixar de ser emitidas. Neste ponto, o preço por tonelada não emitida podera ter caído a 25 doláres.
O problema observa Jim Rodgers é o que fazer enquanto o CCS não se torna viável. Ele diz que pode soar “provocativo” mas defende que novas usinas nucleares sejam construídas, Para atender a demanda dos Estados Unidos nos próximos 15 anos, estima Rodgers, seriam necessárias 34 novas plantas nucleares. E no caso de os americanos aceitarem uma meta de redução de gases estufa, a energia nuclerar vai ter papel fundamental. “Sem a nuclear vai ser muito difícil.”
Morgan, da E3G, discorda da ‘provocação’ do presidente da Duke Energy. “Não se trata de um dilema CCS ou nuclear. Usinas nucleares também são caras e demoram muito tempo para ficarem prontas. Temos que buscar alternativas com menor risco”, diz ao defender as fontes renováveis.
* Gustavo Faleiros viajou para o encontro do G8 na Alemanha a convite da Complus Alliance.
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