Reportagens

Sampa em duas rodas

O número de viagens de bicicleta em São Paulo saltou nos últimos cinco anos. Mas pedalar pela suas ruas ainda exige determinação. A capital não trata bem dos seus ciclistas.

Cristiane Prizibisczki ·
28 de junho de 2007 · 17 anos atrás

Capacete na cabeça, mochila no lugar, banco regulado para minha altura e uma rápida aula sobre marchas leves e pesadas. Pronto, o passeio de bike por São Paulo acaba de começar. Ibirapuera, Moema, asfalto, prédios, luzes, ruas esburacadas, malabarismos para me manter no espaço devido da faixa e sofrendo o desrespeito dos outros motoristas. As dificuldades foram logo contornadas, já que estava com um grupo de ciclistas equipados e com guias. Porém, a vida de quem quer – ou precisa – andar de bicicleta em Sampa não é fácil. Mesmo assim, o hábito está cada vez mais freqüente.

Nos últimos cinco anos, o número de deslocamentos diários em bicicleta na capital paulista mais que dobrou de tamanho, pulando de 130 mil para 300 mil. O tamanho ainda é insignificante nas estatísticas de locomoção urbana. Só de viagens de carro, segundo dados da última pesquisa Origem-Destino, realizada em 2002 na cidade de São Paulo, por exemplo, foram mais de 5 milhões todos os dias. A desproporção, no entanto, não tira qualquer mérito de quem anda pedalando para se movimentar por São Paulo. Além do exercício físico individual, os ciclistas contribuem razoavelmente para não piorar as pressões que o tráfego exerce sobre o meio ambiente.

Bicicletas ocupam bem menos espaço nas ruas. E não poluem o ar. Um veículo à gasolina com motor entre 1.5L e 2.0L, – como um Volkswagen Golf ou um Chevrolet Astra – emite 0,06 ton/CO2 em um percurso de 30 km – o equivalente a ir e voltar da Praça da Bandeira, no centro da cidade, ao Centro Empresarial São Paulo, na Marginal Pinheiros. O mesmo caminho em duas rodas seria coberto sem produzir qualquer emissão em apenas uma hora. Isso, claro, se o tráfego de São Paulo não cruzar na sua frente.

Paulo Saldiva, médico patologista do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e ciclista por opção, já teve de se contorcer muito para não ser atropelado. “São muito comuns os acidentes por motivo de desatenção de motoristas de carros, que abrem a porta sem olhar para quem vem na direção”, exemplifica. Saldiva, que anda cerca de 20 km diários para ir e voltar do trabalho, sofreu um acidente grave há alguns anos. Ao voltar de São Roque para a cidade de Caucaia do Alto, onde geralmente passa os finais de semana, foi “agredido” por um motorista de carro. “Acho que o motorista ficou incomodado por eu estar de bicicleta e acelerou na minha direção, me fazendo sair bruscamente da estrada. Me ralei todo. Foi basicamente uma agressão”.

Mesmo assim, Saldiva é um defensor do uso da bicicleta para a locomoção. As pedaladas começaram nos tempos da universidade, “por falta de dinheiro”, segundo ele. Mas hoje a magrela é, por paixão, seu único meio de locomoção na capital paulista. “Com a bicicleta eu consigo me relacionar mais com as pessoas e com a cidade. Posso parar quando quero para conversar com alguém, percebo detalhes de arquitetura e até faço estudos de poluição. A bicicleta, para mim, tem uma importância ambiental grande, além da função educativa e de saúde”, defende ele.

Raio X

Apesar de alguns avanços na legislação, como a lei 13.995, de 10 de junho de 2005, que determina a construção de bicicletários em locais abertos ao público, e o Projeto Ciclista Cidadão, que entrou em vigor há um mês e garante o acesso dos ciclistas ao Metrô e aos trens da CPTM nos finais de semana, ainda são necessárias muitas pedaladas para se chegar ao ideal ou, pelo menos, garantir mais segurança para quem anda sobre duas rodas na capital. Em 2004 foram contabilizados 51 acidentes fatais com ciclistas na grande São Paulo; em 2005, ano do último levantamento feito pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), foram 93 mortes de ciclistas, principalmente em avenidas que dão acesso às saídas da cidade.

Os dados acima são reveladores e devem ser analisados com apreensão, já que cada vez mais gente tem optado pela “magrela” para se deslocar pela capital. Quase sempre dividindo o espaço com carros, ônibus e motos, já que quase não há ciclovias na cidade – a que começou a ser construída na avenida Brigadeiro Faria Lima não foi terminada e hoje conta com apenas 1,3 km não contínuos de extensão; a da estrada da Colônia, no bairro Parelheiros, foi apropriada por outra obra há alguns anos e reinaugurada há poucos meses com 1,8 km de extensão; a da avenida Sumaré, com 1,4 km, foi apropriada pelos moradores como pista de caminhada.

Dos parques existentes, apenas o Ibirapuera, o Parque do Carmo, o Anhangüera e o Cemucam, em Cotia, têm ciclovias, e chegar até eles, para quem não possui carro, nem é tão fácil assim. Se por um lado o acesso foi facilitado pela liberação do Metrô, por outro o horário de uso deste meio, segundo os ciclistas, ainda é muito restrito – aos sábados, das 15h às 20h e, aos domingos e feriados, das 7h às 20h – e não há previsão de que ele seja aumentado. “Não pretendemos nem pedir a expansão do horário para o Metrô. O objetivo é lazer mesmo”, já adianta a coordenadora do Grupo Pró-ciclista da Prefeitura de São Paulo, Laura Ceneviva.

De acordo com Laura, apesar da reclamação dos ciclistas, esta é mais uma vitória para o trabalho do grupo Pró-ciclista, que atua no melhoramento cicloviário da cidade com estudos localizados e construção de ciclovias – há ciclovias sendo projetadas ou construídas em seis locais da cidade, como os bairros do Butantã e da Casa Verde. “Trabalhamos com estudos locais e hipóteses de construção de ciclofaixas, sinalizações específicas e bicicletários”, explica.

Porém, a discussão sobre a situação dos ciclistas em São Paulo vai além da delimitação de espaços apropriados para o deslocamento de bikes ou construção de estacionamentos. Para o empresário Guilherme Cavallari Gomes, ciclista há mais de vinte anos e autor de três guias de trilhas de mountain bike, o maior desafio é a conscientização de motoristas de outros veículos sobre a importância da bicicleta. “Não se trata de construir ciclovias, porque isso isola o ciclista, o que acaba não sendo simpático aos olhos da população. Criar espaços exclusivos inviabilizaria a malha viária. O que precisa haver é uma cultura de respeito e conscientização de que uma bicicleta a mais é um carro a menos no trânsito de São Paulo. É menos poluição sendo liberada para o ar paulistano e maior espaço na malha viária, já que a bicicleta ocupa espaço de um metro quadrado e o carro ocupa cinco, seis metros quadrados”, defende ele.

Ainda falta muito para que a vida do ciclista em São Paulo seja facilitada e para isso são necessárias políticas públicas e mudanças de mentalidade, mas não dá para negar que andar sobre duas rodas, além de contribuir para a melhora da qualidade do ar , é um ótimo exercício para a alma e para o corpo, mesmo que algumas dores musculares apareçam no dia seguinte, como aconteceu comigo.

* Cristiane Prizibisczki é jornalista é mora em São Paulo.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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