Não é raro ouvir a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aventar entre as realizações de sua gestão a grande quantidade de território nacional que conseguiu transformar em áreas protegidas. Entre parques, estações ecológicas e reservas extrativistas, sua pasta alcançou a marca de 20 milhões de hectares nos últimos quatro anos. A superação desta marca, entretanto, está largamente ameaçada. Não bastasse a investida de parlamentares de oposição e da bancada ruralistas, que conjugam esforços para tirar do poder executivo o poder de editar decretos de unidades de conservação, usando a medida provisória que cria o Instituto Chico Mendes como brecha, dentro do próprio governo o ministério de Marina encontra barreiras para criar novos parques e reservas.
Neste ano, ao contrário do que ocorrera em todos os outros da primeira gestão, nenhum hectare de área protegida sequer foi decretado pelo presidente Lula. O Ministério do Meio Ambiente bem que tentou: às vésperas do Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, enviou uma relação de 18 unidades de conservação à Casa Civil que deveriam ser criadas ou ampliadas. Os técnicos da Presidência da República, contudo, negaram os decretos. Em quatro anos, foi a primeira comemoração conjunta do Palácio do Planalto com o Meio Ambiente sem acréscimos de território ao patrimônio protegido do país.
Segundo uma alta fonte do Ministério que prefere não se identificar, ocorre que a Casa Civil “não aceita mais” o método da equipe de Marina para criação de unidades de conservação. A técnica que era utilizada até então consistia em tirar do ‘forno’ áreas que tinham sido estudadas e passado por pelo menos uma audiência pública e enviar ao presidente para fazer bonito em alguma festividade ambiental.
Os próprios técnicos que lidam com questões ambientais na Casa Civil admitem o problema. O subchefe-adjunto de Acompanhamento de Políticas Governamentais Johannes Eck afirma, quando se refere aos pedidos de novas áreas, que “chegar num dia e decretar no outro” não é possível. “Isso causa muitos problemas no futuro”, observa. Mas ele nega que haja um movimento deliberado da ministra Dilma Rousseff ou dos técnicos da Casa Civil para barrar as unidades.
O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, reconhece que existe neste momento uma resistência maior à criação de novos parques e reservas, principalmente por parte dos governos dos estados. “É um processo naturalmente complexo que exige muito trabalho técnico e argumentação.” Por outro lado, ele garante que há um conjunto muito grande de unidades “na boca da caçapa”, entre elas áreas ao longo da rodovia BR 319, no Amazonas, e também nos estados do Paraná e Bahia.
Vale notar que as dificuldades do ministério em adotar medidas para a conservação se agravaram com conflitos no sul da Bahia. Um conjunto de reservas no litoral do Estado desegradou empresários do setor hoteleiro e políticos locais. Em particular, a proposta da criação Reserva Extrativista do Cassurubá, na cidade de Caravelas, encontra resistência por limitar o acesso de turistas à costa. Capobianco, revela que no fim do mês de julho está se organizando um encontro na Bahia exatamente para tentar dirimir dúvidas quanto às novas áreas protegidas. Entre elas encontram- se um parque nacional em Porto Seguro, e reservas biológica e da vida silvestre em Una. “Algumas pessoas dizem que estamos extrapolando nas categorias de conservação, mas queremos apresentar argumentos consistentes para alcançarmos o consenso”, pondera.
Por pouco, perde-se tudo
Contudo, o ato que mais contribui para mudar o rito processual de criação de unidades de conservação dentro do governo Lula é a Portaria 39/2006 do Ibama, que estabeleceu a zona de amortecimento do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Em uma tentativa de barrar as pressões de produtores de camarões que querem montar tanques de reprodução nos mangues ao longo da costa, técnicos da antiga Diretoria de Ecossistemas (Direc) do órgão desenharam uma área no entorno do parque com base em estudos da organização não-governamental Conservação Internacional. Neste desenho, foram incluídas várias regiões de prospecção de óleo e gás, algumas inclusive já licitadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). “Ali, o ministério quebrou a confiança que tinha estabelecido com a Casa Civil e com outros ministérios”, diz a alta fonte do MMA.
O que não se percebeu naquele momento é que o desenho ambicioso da zona de amortecimento de Abrolhos pelos técnicos do Ibama colocou em risco a proteção de diversos parques e reservas no país. Logo após a edição da portaria, a Advocacia Geral da União (AGU) enviou uma notificação ao Ibama na qual condenava a criação da zona de amortecimento de Abrolhos por portaria. No entendimento da AGU, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC – 9985/2000) determina que zonas de transição, por limitarem as atividades no entorno das áreas protegidas, devem ser criadas por instrumento legal maior que uma portaria, no caso um decreto presidencial.
A inadequação da portaria do Ibama também foi apontada pelo 7ª Vara Federal de Justiça em Brasília , que no último dia 14 de junho, decidiu derrubar a zona de amortecimento de Abrolhos, acatando ação movida pela prefeitura de Caravelas na Bahia. Assim como a AGU, a decisão judicial apontou conflito entre a portaria do Ibama e a Lei do SNUC, determinando ser possível apenas o uso de decreto presidencial. A questão abriu um enorme precedente para que diversas áreas de transição que circundam as unidades de conservação sejam questionadas. Todas, afinal, foram criadas através de portarias do Ibama.
Capobianco explica que a proteção do entorno está resguardada pela resolução Conama 13/1990 que determina que até 10 quilômetros em volta de parques e reservas podem sofrer limitações econômicas. Mas até o momento, o MMA não decidiu o que fará. Nos próximos dias haverá uma reunião na Casa Civil para se decidir se o governo vai recorrer da decisão judicial ou se vai preparar decretos presidenciais para regularizar a faixas de proteção estabelecidas até agora. Garantir que as zonas de amortecimento continuem a existir será um dos passos para o bem das unidades de conservação. Ainda há outros, no Congresso e na Presidência, pois o ataque vem de todos os lados.
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