Semanas atrás, foi colocada na capa de O Eco uma fotografia de Manoel Francisco Brito que mostrava um automóvel abandonado na BR-163, em plena floresta amazônica. A carcaça de metal devia estar ali há alguns anos pois estava sendo aos poucos engolida por trepadeiras e outras plantas. A legenda dizia: “(…) estamos desacostumados em ver a vegetação tragando uma obra humana. Em geral, o que acontece é justamente o contrário”. Por coincidência, nestes mesmos dias saiu do prelo um livro que resolveu explorar como seria o planeta se a natureza reivindicasse novamente os seus espaços tomados pela humanidade. Um cenário onde não só carros seriam carcomidos pela vegetação, mas cidades inteiras.
Em “O Mundo sem nós” (Ed. Planeta, 342 pág), o jornalista americano Alan Weisman faz um exercício interessante ao se perguntar como ficaria a Terra se de um dia para outro toda a população desaparecesse. Não se trata de uma fantasia ou ficção científica, mas de um ângulo interessante de notar a influência humana sobre o meio ambiente. “Sempre que falamos sobre as ameaças ao planeta, dizemos que os humanos vão morrer de uma forma ou de outra, mas não nos preocupamos com qual seria a reação da natureza”, observa Weisman. Ele revela que a idéia do livro surgiu de um editor que leu um de seus artigo sobre como a biodiversidade estava voltando a aparecer nas áreas abandonadas ao redor do vazamento nuclear de Chernobil, na Ucrânia.
O instigante cenário traçado pelo jornalista foi obtido com diversas visitas a lugares do mundo que pudessem dar indicações de como seria este planeta em que as pessoas sumissem, mas suas obras permanecessem. Logo de cara, ele nos mostra o que ocorreria com a ilha de Manhantan, em Nova York, toda construída sobre riachos e áreas úmidas. Até hoje os metrôs da cidade são equipados com bombas de sucção que retiram as águas da chuva que teimam em procurar os leitos originais dos rios. Weisman conversou com técnicos do subway nova-iorquino e descobriu que, sem o controle humano, estas bombas falhariam em dois dias, o que significa que em poucas horas os túneis estariam inundados. A partir daí, em poucos anos, os alicerces de toda a cidade cederiam, abrindo fendas no chão, propícias para o alojamento de espóros e sementes de plantas. Sem ninguém para arrancar a vegetação, aponta o livro, não demoraria muito para cidade parecer uma floresta novamente.
Para além das projeções, Weisman esteve em locais que provam a rápida renovação da natureza quando distante dos humanos. Um antigo campo de batalha que se tornou uma zona neutra entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul é um dos exemplos. De cada lado, estão estacionados enormes batalhões armados para vigiar as fronteiras, e entre eles se formou uma faixa de proteção onde ninguém deve pisar. Este lugar se tornou local de nidificação de uns dos passáros mais raros da face da terra, o grou de coroa-vermelha, que todos anos migra de China e Sibéria e se instala na zona desmilitarizada. “O que foi confortador nesta pesquisa foi perceber a incrível resistência da vida. Mesmos nos lugares menos prováveis e pouco hospitaleiros, ela floresce”, ressalta o autor.
Casos como esse abundam em “O Mundo sem nós”. E não seriam poucas as espécies beneficiadas pelo súbito desaparecimento dos homens. Por exemplo, Weisman traz o impressionante dado que todos os anos, cerca de 1 bilhão de aves morrem ao se chocarem com torres de comunicação, confusas pelas luzes emitidas. O autor calcula que em um ano as construções deixariam de funcionar sem energia e milhares de pássaros seriam salvos. Outras espécies, no entanto, como os ratos e baratas, não seriam tão felizes com o nosso sumiço. Elas perderiam alimento com a enorme quantidade de lixo que deixaria de ser gerada pelos humanos.
“Insanidade”
Apesar das interessantes hipóteses sobre como os outros seres vivos se comportariam após a passagem do homem sobre a Terra, talvez os dados mais chocantes e objetivos sejam sobre o nosso legado material. O livro explora com preocupante precisão a explosão de consumo de bens descartáveis que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. O desenvolvimento tecnológico de polímeros síntéticos, como o PVC, o nailon , o poliestireno, o isopor, causam impacto no meio ambiente sem precedentes. Weisman se reuniu com pesquisadores que provaram que a maior parte do plástico que produzimos acaba no mar. Com a força da marés, os materiais estão sendo reduzidos a pedaços tão minuscúlos que podem ser filtrados por pequenos organismos que estão na base da cadeia alimentar. “Isto é completamente insano”, lamenta o autor. Estudiosos revelaram a Weisman que talvez em centenas de milhares de anos micróbios possam evoluir e desenvolver a capacidade de ‘digerir’ plástico.
Em menor tempo, mas mesmo assim nem tão rápido, todo o gás carbônico que passou a se concentrar na atmosfera desde a revolução industrial poderá ser absorvido. O autor diz que a previsão mais confiável que encontrou foi de que isso ocorreria num prazo de 100 mil anos se deixássemos de queimar combustíveis fósseis a partir de hoje. No mundo real, entretanto, as emissões não só não param como continuam subindo com incrível rapidez.
Portanto, em última instância, o que Weisman está propondo com este livro? Que tomemos ciência que tudo seria melhor se não tivéssemos nos tornados estes bípides com grandes cérebros e voássemos em uma espaço-nave para fora da terra? Não exatamente. Ele afirma que acredita ser possível apelar à inteligência humana para racionalizar o uso de recursos naturais. Mostra grande ceticismo para as saídas tecnológicas para os problemas de larga escala como consumo desenfreado de energia e aquecimento global. Na opinião de Weisman, reduzir o crescimento da população, cortando a média de nascimentos de 2,6 por família a 1 criança seria o caminho mais sábio para conter o consumo massivo de recursos.
“Nos últimos trinta anos houve uma mudança significativa na consciência da humanidade de que é preciso cuidar e preservar a Terra”, aponta o jornalista com certo otimismo. Mas ele lembra que as ações desde então tem sido contraditórias. “Quando nos demos conta de que os recursos naturais estavam acabando, alguns grupos correram para explorá-los mais rapidamente antes que de fato acabassem. Isso não é muito inteligente, e ainda acontece em países como o Brasil, onde as reservas de madeira nobre estão sendo esgotadas.”
Aproveitando o gancho, como seria o nosso país se todos os humanos sumissem? “A floresta no Rio de Janeiro se recuperaria rapidamente, as favelas desapareceriam. Mas o Cristo Redentor estará ali ainda por muito tempo”, aposta Weisman.
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