Milhares de cariocas que já diminuíram o uso de sacos plásticos, optaram por transporte coletivo ou assinaram algum abaixo assinado em prol da Amazônia podem estar em casa, escoando suas boas intenções ambientais ralo abaixo. Em outras palavras, ainda falta consciência sobre a correta utilização de vasos sanitários e pias. Transformá-los em latas de lixo compromete redes coletoras e a própria natureza.
Não é de hoje que a população do Rio de Janeiro contribui para o ciclo sanitário de esgoto: a primeira rede da capital foi instalada no bairro da Glória, em 1864. Na época, a então capital brasileira era a terceira no mundo a ter um sistema desse tipo, precedida apenas por Londres e Hamburgo. Essa implementação histórica parece não ter ajudado o povo a aproveitar corretamente o recurso, já que fios dentais, absorventes e recipientes plásticos flutuam maciçamente pelos encanamentos.
“O esgoto sanitário está debaixo da terra, então ninguém vê. O resultado só é percebido quando contamina o meio ambiente”, explica Hernani Costa, engenheiro sanitário e diretor da empresa Tecno Solo Engenharia. A questão se agrava, pois a maior parte do estado ainda não tem sistemas de tratamento para o esgoto coletado. Outras áreas, como Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio, carecem até mesmo da rede coletora. Nesses casos, toda a sujeira vai para rios e valões. O resultado é a contaminação de todos os rios que passam pela capital. Segundo Costa, a exceção é o rio Guandu, de onde se capta água para abastecimento de toda a população.
No subsolo coabitam três tipos de tubulação: água, esgoto e águas pluviais. Ligado às moradias, o esgoto se divide – através de diferentes sistemas – em primário e secundário. O primário é referente a vasos sanitários e ralos dos lavatórios. O secundário é específico para a pia da cozinha, que deve ser dotada de uma caixa de gordura. Essa caixa acumula óleos usados no preparo de alimentos e detergentes, e deve ter uma manutenção periódica realizada pelos responsáveis da casa ou prédio.
Crime invisível
Invisíveis aos olhos da sociedade, as redes de esgoto se tornam cúmplices das ações da população. “O assunto do esgoto é complexo e atinge o âmbito dos costumes”, afirma Costa. “Há uma quantidade enorme de absorventes nas redes, pois existem casos de mulheres que ainda escondem de seus maridos e família que estão menstruadas”,diz.
Quando os motivos para emporcalhar pias e vasos não se justificam por razões secretas, o ato é explicado por distração ou ignorância. “Dependendo do costume e educação da população local, podemos retirar das tubulações panos, plásticos, cotonetes, fios dentais, camisinhas, cabelos e pêlos.”, revela Armando Junior, diretor de comercialização e distribuição da Cedae. O fio branco indicado por dentistas constitui um problema sério quando acumulado nas tubulações. Juntos, eles se tornam uma malha indissolúvel, que demanda manutenções constantes nas grades de contenção. “O acúmulo desses materiais insolúveis pode causar um entupimento parcial ou total da rede. Isso gera desconforto para quem a utiliza ou transita pelo local entupido, que, via de regra, aflora para a rua”, completa Junior.
As obstruções também geram custos extras de manutenção para a empresa concessionária. Além dos dejetos sólidos, muita quantidade de gordura é lançada indevidamente na rede por danos nas instalações prediais. “O problema da gordura nas redes é como uma esclerose no coração. Cabe à Cedae fazer a desobstrução do que seriam as artérias, com a ajuda de uma faca helicoidal”, explica Eduardo König, ex-presidente da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro (Searj). Toda habitação que possui uma cozinha é obrigada a ter uma caixa de gordura, e, mesmo assim, é altamente indicado que os óleos de cozinha sejam dispensados separadamente. Hoje em dia também podem ser vendidos ou doados. “É necessário fazer uma seleção dos lixos que vão para a pia da cozinha. Mais do que isso, seria muito importante ter uma política de conscientização para o uso dos esgotos de maneira geral”, diz König.
Economia
Volta e meia no Rio o esgoto transborda nas ruas. Para evitar esse tipo de problema, um dos caminhos é reduzir o uso de água. A relação da medida? Quanto menor o consumo da água, consequentemente menos esgoto produzido. Segundo Costa, da Tecno Solo, o consumo de água per capta dos cariocas é o maior do Brasil, alcançando a média de 350 litros por dia. A quantia ideal não passa da casa dos 200 litros/dia. Em medidas mais alarmantes, de acordo com o diretor, o consumo do bairro de Copacabana se igualaria ao da cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos.
Há ainda outro caso que contribui para o entupimento dos ralos de rua, os bueiros: a falta de educação das pessoas nas ruas. O lixo jogado no chão ainda é um dos maiores problemas à limpeza urbana e aos recursos hídricos.
No caso da Barra da Tijuca, na zona oeste da cidade, a questão do lixo nos ralos também é crucial porque apesar do alto poder aquisitivo no bairro, poucos pontos têm rede coletora. O emissário submarino recém-inaugurado sugere a metáfora feita por Costa: “é como uma grande cozinha sem alimentos para operar”. A solução para o saneamento no Rio e de muitas outras cidades do país depende da vontade política, exigida pela população. Enquanto a raiz do problema não é encarada em troca de votos, o melhor é evitar uma futura erupção, e respeitar o ralo mais próximo.
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