Quando centenas de aves escolhem algumas poucas árvores para estabelecer seus ninhos, fazem da floresta uma festa. A enorme quantidade de filhotes, empilhados em praticamente todos os galhos, demanda fartura de alimento e da mesma forma oferece a uma cadeia de outras espécies o suprimento de que necessitam. Também conhecidos como viveiros pelos pantaneiros, esses locais começaram a ser mapeados em setembro do ano passado graças a um projeto conduzido pela coordenadoria de fauna da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema). E até agora os pesquisadores encontraram mais perguntas do que respostas na tentativa de compreender áreas tão frágeis.
O projeto pretendia inicialmente localizar os ninhais em todo estado mato-grossense. Mas como não há condições de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, o médico veterinário Marcos Ferramosca, que hoje lidera os trabalhos em campo, conta com o auxílio de quem vive nas áreas rurais. Donos de pousadas ou fazendas são potenciais colaboradores e a eles têm sido entregues fichas com questionamentos sobre as características dos ninhais, quando verificam a formação de um em certo ano. “Para a minha surpresa, nenhuma pessoa que eu tenha procurado soube dar qualquer informação sobre ninhais na região norte de Mato Grosso. Eu não sei por que isso aconteceu”, pergunta-se. Marcos prefere aprofundar as pesquisas antes de inferir as causas da falta de notícias de ninhais na porção amazônica do estado, hoje extremamente pressionada pela expansão da fronteira de desmatamento.
Faltam também pesquisas que abranjam o noroeste de Mato Grosso e a bacia do Araguaia. Por enquanto, os melhores resultados têm sido observados no Pantanal. E não é para menos. A região, de vegetação geralmente baixa, é caracterizada pela abundância de grandes aves e populações numerosas. Fácil, portanto, de qualquer pessoa identificar e avisar sobre a existência de ninhais. “Às vezes só por haver concentração de aves em algumas árvores, acham que ali já existe um ninhal, quando na verdade determinada área serve apenas como poleiro para os animais passarem a noite”, diz o veterinário. Para ser considerado ninhal, a existência de ninhos e aves é permanente.
Segundo as contas de Ferramosca, os pesquisadores já visitaram sete ninhais no Pantanal, mas há notícia de pelo menos 30 deles espalhados pela planície inundável. Na época de cheias, esses locais são freqüentados por aves aquáticas de penagem escura, como biguás, biguatingas e garças-baguaris (ou maguaris), de coloração acinzentada. Ferramosca diz que as águas não atrapalham esses animais, que podem mergulhar para capturar peixes e pequenos organismos para os filhotes, que aguardam no alto das árvores. Na seca, o mesmo ponto vira casa de aves claras como garças brancas e pequenas, cabeças-secas e colhereiros, de coloração rosada. São os chamados ninhais pretos e brancos. Só que nem sempre essas espécies nidificam juntas. Na baía das Capivaras, no município de Barão de Melgaço, um pequeno ninhal se formou pela primeira vez este ano só por baguaris.
Ameaças
Como em muitos casos o acesso é difícil, sendo necessárias horas de barco para chegar aos locais, os ninhais mantêm-se protegidos. Mas em outros, as ameaças são diversas. Geralmente áreas ricas em biodiversidade, as proximidades dos ninhais possuem gaviões, urubus, mamíferos e outros predadores à espreita, aguardando a primeira oportunidade, como a queda de um filhote. Debaixo do ninhal do Tucum, por exemplo, o chão ficou completamente pisoteado e sem vegetação devido à grande circulação de predadores.
Quem é também presença certa nos ninhais de mais fácil aproximação é o pescador em busca de iscas vivas. Não raro as aves preferem fazer seus ninhos em áreas de inundação para ficarem mais próximas de peixes como as taiúvas, que proliferam. Por isso, Ferramosca relata que é freqüente constatar o desrespeito a um decreto estadual que proíbe a captura de iscas vivas a uma distância mínima de mil metros dos ninhais. O vôo baixo de pequenos aviões, desmatamento, fogo e o turismo descontrolado também oferecem sérias ameaças aos ninhais. Com cerca de cinco hectares de extensão, o Ninhal Porto da Fazenda, por exemplo, é conhecido há mais de 30 anos no Pantanal. Tem até website. “Este é possivelmente o maior e mais famoso, mas atualmente está ameaçado pelo turismo desordenado e pela captura de iscas”, revela Ferramosca.
O menor ninhal que o pesquisador já encontrou tinha entre 110 e 120 ninhos equilibrados em apenas duas árvores. É o ninhal Baiazinha do Cuiabá, também no município de Barão de Melgaço. “Elas provavelmente estão morrendo naturalmente devido à pressão exercida pelas aves e pelos ninhos todos os anos”, diz. Isso não deixa de ser um bom indicativo, pois, segundo o veterinário, a simples presença dos ninhais pode ser considerado um sinal de qualidade ambiental. “Sabemos que quando a ave sente que o local está sofrendo alguma ameaça escolhe outro e vai embora”, relata. Ao mesmo tempo, essa certeza dá um nó na cabeça dos pesquisadores quando eles recebem a notícia da existência de algum ninhal em área bastante conservada, e, quando chegam lá, as árvores estão vazias. Este foi o caso de uma investida na baía do Burro, no entorno do Parque Nacional do Pantanal.
Uma vez mapeados e monitorados, a intenção é refletir sobre políticas públicas que protejam essas áreas e estabelecer novas regras para reduzir as ameaças aos ninhais. Ferramosca pretende pedir ajuda para a fiscalização da Sema em unidades do interior, e já conta com o apoio de equipes do Ibama na identificação e no relato sobre o comportamento dos ninhais encontrados próximos ou dentro de unidades de conservação. Mas avisa que a questão não é só proibitiva. “Queremos sim protegê-los, mas fazer deles também um instrumento de atração de turismo ordenado e de baixo impacto, se necessário com restrições de aproximação para não espantar as aves”, diz. “A maioria das pessoas ainda não tem noção do que é um ninhal. Uma coisa linda”, deleita-se.
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