O governo de Mato Grosso entrou na reta final para aprovar um projeto de lei que promete mudar a política de gestão e os próprios limites do que hoje se conhece como Pantanal. Nesta segunda-feira, aconteceu em Cuiabá a quarta e última audiência pública para discutir o texto final, que deve entrar em votação na Assembléia Legislativa, segundo informou o núcleo de estudos ambientais da casa. Na ocasião, poucos ambientalistas e pesquisadores contribuíram na definição de novos critérios de uso do território. Quem compareceu em peso foram políticos e representantes do setor produtivo.
Os debates se basearam em dois substitutivos integrais elaborados pelo Grupo de Trabalho do Pantanal da Assembléia, formado por entidades ambientalistas, comunidades tradicionais, pecuaristas, entre outros. Nas reuniões anteriores, a expectativa era de que o grupo chegasse a um consenso. Mas durante as cinco horas de audiência, as divergências entre governo, pecuaristas e ambientalistas ficaram claras.
Para se ter uma idéia, até o título do texto gerou polêmica. A apresentação do projeto que “dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências”, induz à idéia de que toda a bacia formadora do Pantanal será regida por uma nova política. Mas não. Tanto ambientalistas quanto o setor produtivo questionaram o fato de que em nenhum momento a lei trata das áreas de nascentes e do planalto. O foco foi dado às áreas de inundação, ou seja, a planície pantaneira. Isso ficou estampado nas disposições iniciais da lei. “Os limites do Pantanal em Mato Grosso devem ser entendidos nesse caso como delimitadores de ações específicas na planície alagável”, diz o texto.
Alonso Batista dos Santos, representante da Sociedade de Promoção dos Direitos Humanos em Cáceres (MT), criticou o projeto por não contemplar a região do Alto Paraguai. “A lei não abrange todo o Pantanal. O que pudemos observar é uma visão para facilitar o plantio de cana, soja e outros produtos do agronegócio que estão em voga, pois não querem perder o título de campeão de grãos”, reclama.
O descontentamento de Alonso tem lógica. Por causa desse enfoque na lei, continuam permitidas diversas atividades que causam danos aos rios do Pantanal, uma vez que elas não se localizam na área inundável, mas sim em seu entorno. De acordo com a lei, a planície alagável não admite criadouros de espécies de fauna exóticas à bacia hidrográfica, implantação de projetos agrícolas, com exceção daqueles de subsistência, construção de diques, barragens e obras de alteração dos cursos d’água, assentamentos rurais, usinas de álcool e açúcar, carvoarias e atividades de médio e alto graus de poluição ou degradação.
Novas considerações
Uma novidade na lei é a criação das “áreas de conservação permanente”, o que inclui campos inundáveis, corixos, meandros dos rios, baías e lagoas marginais, além das cordilheiras. Elas passam a ser consideradas áreas restritas, mas passíveis de uso, diferentemente das áreas de preservação permanente (APPs). Nos campos inundáveis, por exemplo, será possível obter autorização para construção de estradas para acessos às fazendas, desde que não interfiram no fluxo natural das águas. De acordo com o projeto de lei, a retirada parcial da vegetação nativa nessas áreas de conservação permanente poderá ser realizada com licenciamento estadual.
Para a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), esta foi uma saída para incentivar a legalidade. “Não podemos colocar tudo como área de preservação permanente, senão toda a ocupação no Pantanal de Mato Grosso seria ilegal. Temos atividade pecuária e turística que são compatíveis com o Pantanal e devem ser usadas de forma sustentável”, defende a coordenadora de ecossistemas da Sema, Gabriela Priante.
Como um dos pontos cruciais para o Pantanal é discutir as regras para o estabelecimento da pecuária, o setor produtivo pressionou e conseguiu incluir no texto que a supressão de vegetação para limpeza de pastagem fica permitida para dez espécies, e não apenas três como vigora atualmente. Mas não é tão simples assim. Para Gabriela, só há condições de regulamentar essa limpeza após estudos capazes de comprovar que a retirada dessas espécies não causará danos ao meio ambiente. “Na audiência o setor produtivo falou que todas essas espécies estavam presentes num livro da Embrapa sobre espécies invasoras, mas só quatro delas são citadas na publicação”, diz. “Não sentimos segurança em liberar a limpeza das outras espécies”, ressaltou a coordenadora, que neste quesito foi voto vencido.
O texto considera ainda que as faixas marginais, áreas de preservação permanente (APPs), terão como referencial o nível mais baixo dos rios (período da seca) e demais cursos d’água. A servidora da Sema, Helen Farias, explica que se o nível mais baixo dos rios não fosse considerado, nenhum hotel conseguiria ser licenciado. “Tenho uma pilha de pedidos para licenciar os hotéis, mas como a lei prevê o nível mais alto, eles estão irregulares”, diz ela.
Ninguém está feliz
Pecuarista do Pantanal de Mato Grosso, Vicente Falcão destacou que a lei trouxe mais deveres ao produtor. “Ele tem a obrigação de fazer licenciamento ambiental e isso gera um custo operacional. Não existe um chamamento do governo ou incentivo fiscal, principalmente no Pantanal, onde não é possível criar gado como nas outras áreas e temos uma rentabilidade menor”, diz ele. O que seria uma prerrogativa a qualquer atividade econômica, ficou evidente nesta lei, ao determinar que “o licenciamento ambiental e obrigatório para qualquer atividade econômica desenvolvida nas áreas localizada na Bacia hidrográfica do Alto Paraguai, exceto para atividades de agricultura familiar”, diz o texto.
O representante do setor de recursos hídricos do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) em Cáceres, Izidoro Salomão, resumiu que o projeto de lei ainda não é o que a entidades ambientais desejam. “As reuniões não foram suficientes e tiveram participação de poucas pessoas. Gostaríamos que a questão fosse mais debatida”, diz. “A navegação motorizada no Pantanal é prejudicial, temos que fazer uma rigorosa regulamentação, mas não está presente nessa lei e nem entrou em discussão”, salienta Salomão. Sobre esse assunto, o projeto traz em duas linhas que “a navegação comercial nos rios da Bacia do Alto Paraguai deve ser compatibilizada com a conservação e preservação do meio ambiente, buscando a manutenção da diversidade biológica e recursos hídricos”.
Segundo a nova lei, a Sema fica obrigada a elaborar e concluir os planos de manejo para suas áreas protegidas no Pantanal no prazo de cinco anos, exatamente como consta na lei federal que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Também está previsto promover no prazo máximo de cinco anos ações com finalidade de implantar sistema de esgoto nas cidades que fazem parte da Bacia do Alto Paraguai, bem como nas que fazem parte de seu entorno e que tenham impacto na referida bacia.
* Juliana Michaela é jornalista em Cuiabá.
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