“Nos próximos anos, vocês deverão ver baleias e a gente aqui no sudeste”. A afirmação de José Truda Palazzo Júnior, na comemoração dos 25 anos do projeto Baleia Franca realizada nesta segunda-feira no Rio de Janeiro, dá a idéia exata dos resultados que o programa alcançou ao longo de sua existência. Co-fundador e atual diretor do grupo de conservação da espécie em águas catarinenses, lugar visitado pelo animal durante o inverno para reprodução e acasalamento, Truda e sua equipe reuniram-se no restaurante Barracuda, na Marina da Glória, para celebrar as duas décadas e meia de trabalho. “Viemos prevendo uma possível reocupação da costa brasileira”, explica a bióloga coordenadora do projeto, Karina Groch.
Não é exagero. O cetáceo que já perambulou de norte a sul do Brasil em outras épocas, andava sumido a ponto de ter sido considerado extinto. Hoje, ele aparece todos os anos no sul do país. “Não tinha idéia de que o projeto teria esse sucesso todo. A população das baleias francas está aumentando em 14% ao ano”, vibra o Vice-Almirante Ibsen de Gusmão Câmara, um dos maiores ícones do ambientalismo no Brasil e responsável pelo início da empreitada. Desde os primeiros monitoramentos na década de 80 até o ano de 2001, o número de animais encontrados não passava dos 40. Em 2006, foram registrados 200. “O trabalho de conservação com certeza deu resultado. Além das fêmeas, também tem aparecido adultos para acasalar”, disse Karina.
A bióloga frisa que a suspensão da caça às baleias por aqui, em 1987, foi fundamental para a reversão do quadro. Gastone Righi, ex-deputado federal pelo PTB e autor da lei que tornou crime a matança dos cetáceos no Brasil, esteve presente na comemoração pelos 25 anos do projeto, e contou que a aprovação da norma não foi nada fácil. “Foram cinco anos de luta até que ela fosse aprovada. Mas a sociedade civil começou a se mobilizar”, relembra, ao lado do também ex-deputado Fábio Feldman, que hoje é secretário do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e Biodiversidade. Na época, ele se uniu a Righi na missão de mobilizar grupos de interesse para pressionar os parlamentares a votar a favor do projeto de lei.
Com a legislação favorecendo os objetivos do projeto, os desafios do Baleia Franca hoje são outros. “Sempre tem alguém com interesses mesquinhos. Acham que a conservação é empecilho ao desenvolvimento”, afirma Truda. “Mas o que me alegra é que a maioria dos voluntários do projeto é de jovens. Temos que criar uma militância jovem que questione, tenha capacidade de indignação”.
Por toda a costa
Um dos principais problemas enfrentados pelo programa no início da caminhada foi apontado por Truda. Segundo ele, a tendência é pensar que um movimento de preservação das baleias, animal bonito e bem visto pela sociedade, terá apoio irrestrito nos diversos setores. “Mas pisa no calo de interesses privados, que têm capacidade de ser muito forte”, diz. Apesar disso, a idéia ganhou corpo e apresenta bom potencial de crescimento. Para tanto, avalia o diretor, é preciso vencer a batalha pela implementação da Área de Proteção Ambiental marítma, localizada na região de maior incidência do animal, e ampliar a cooperação com outros países do Atlântico Sul, como o Uruguai, Argentina e África do Sul.
Geralmente, quando há festas de comemoração pelos longos anos de vida de uma pessoa, os convidados lembram de momentos inesquecíveis da infância do aniversariante. Na festa desta segunda-feira não foi diferente. Muito disposto e um dos homenageados da noite, Ibsen Gusmão Câmara contou sobre o principal agente que o motivou a criar o Projeto Baleia Franca. “Na época, não sabíamos se a franca ainda existia na costa brasileira. Queríamos pelo menos descobrir se elas ainda apareciam por aqui”, lembra. E as medidas para atingir o objetivo foram um tanto inusitadas. Junto com um grupo, ele espalhou panfletos por todo o litoral que levava uma imagem do mamífero. Para quem o avistasse, um pedido: escrever indicando o local e o dia do aparecimento.
Desde então, o número de cetáceos desta espécie aumentou muito na costa brasileira, principalmente no sul do país. A tendência, no entanto, é que outras regiões passem a receber as visitas das baleias durante o inverno para acasalamento e reprodução. É nesta possibilidade que reside a maior preocupação dos integrantes do projeto. “Eu temo que o aumento no número de indíviduos tenha interferências e conflitos com os humanos”, diz Ibsen. Ele explica que, muitas vezes, a baleia Franca pode assustar os banhistas pelo seu tamanho e até machucá-los sem intenção com os expansivos movimentos que realiza. “Mas todos os riscos são equacionáveis”, garante.
A necessidade de educação ambiental teve grande destaque entre as conversas animadas que lotaram o Barracuda. A começar pelo estagiário de 2007 do projeto, Douglas Lopes. De acordo com ele, morador do Rio de Janeiro, a experiência em Santa Catarina foi inesquecível, mas não vai terminar. “É preciso ensinar a população sobre os hábitos da franca. Não estamos acostumados a vê-la aqui no Rio, mas ela vai voltar. Já esteve em todo o Brasil. E é preciso saber lidar com a baleia”, explica.
Pensamento compartilhado por Karina Groch, que afirma ser fundamental começar um trabalho preventivo de reocupação das áreas litorâneas em que as baleias são esperadas nos próximos anos. Tudo para evitar impactos como perda de habitat, redes de pescas, colisão com grandes navios e desinformação da população. “As pessoas precisam saber, por exemplo, que a franca gosta de nadar perto da costa. Não é preciso redirecioná-la para o mar aberto ou pensar que ela está encalhada”, diz. Apesar dos esforços, a espécie continua em segundo lugar na lista das baleias mais ameaçada de extinção do mundo. Está na hora de tirá-la desta relação.
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