Um pastor da Assembléia de Deus, mesma igreja freqüentada pela ministra Marina Silva, integra os quadros do Ministério do Meio Ambiente (MMA) desde Agosto de 2005. Ele já usou a estrutura do órgão público para auxiliar na organização de ao menos um evento religioso, em 2007. E, segundo fontes ouvidas no ministério, não foi a única vez. Ele também dirige cultos evangélicos nas salas destinadas ao serviço público federal, freqüentados por servidores de todos os escalões.
A série de palestras, vídeos e debates Os Cristãos e a Criação – Responsabilidade Socioambiental, que começou em 25 de junho e se estendeu até 30 de julho de 2007, lançou a chamada Rede Jubileu da Terra no Distrito Federal. Um panfleto distribuído na ocasião, no Congresso e outros pontos de Brasília, traz o nome do pastor Roberto Vieira e dois números de telefone, um fixo e outro celular. O número fixo é do Ministério do Meio Ambiente, o mesmo divulgado como contato ao pé da página principal da 2º Conferência Nacional do Meio Ambiente – 2ª CNMA, onde Vieira trabalha. O impresso traz um retoque manual, já que os prefixos do MMA foram alterados na mesma época.
O pastor é o carioca Roberto Firmo Vieira, contratado como consultor pelo MMA com dinheiro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para ajudar a organizar da Conferência Nacional do Meio Ambiente, evento bienal que reúne ONGs, setor privado e governos estaduais . Aos 50 anos, ele já trabalhou na Empresa de Correios e Telégrafos (1982-1984), no Ministério dos Transportes (2002-2003), na Câmara dos Deputados (2001-2002) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1985-1986), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Sua experiência na organização de eventos inclui experiências como o encontro Com Jesus são Outros 500, na Esplanada dos Ministérios (2000) e ainda a Marcha para Jesus e o Dia dos Evangélicos (2001).
Contratos renovados
Conforme seu primeiro contrato com o PNUD, o pastor atuou como Coordenador de Eventos da 2ª Conferência Nacional do Meio Ambiente entre 18 de agosto e 30 de dezembro de 2005. Por esse serviço ganhou 40 mil reais. De lá para cá, seu contrato foi renovado pelo menos duas vezes. Em todos os casos, ele é pago mediante a apresentação de produtos exigidos pela administração do Ministério do Meio Ambiente.
Seu contrato está sob supervisão do Assessor Especial do MMA Pedro Ivo Batista. O ex-sindicalista também é coordenador-geral da 2ª CNMA e diretor do Departamento de Cidadania e Responsabilidade Socioambiental da nova Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental. “O Administrador Roberto Firmo Vieira é Consultor Técnico, contratado pelo PNUD, mediante Edital Público”, respondeu Batista por email.
De acordo com texto veiculado no Fórum de Debates da Mocidade Metodista de Brasília, em 29 de junho de 2007, a Rede Jubileu da Terra-DF “é mobilizada pelo Ministério do Meio Ambiente, coordenada por nove pastores e secretariada pela ministra Marina Silva. Seu objetivo seria “conscientizar cristãos de sua responsabilidade socioambiental”.
Em entrevista por telefone, Vieira assegurou que a Rede Jubileu da Terra não tem relações diretas com a ministra Marina Silva e serve “para alertar os Cristãos sobre o cuidado que temos que ter com a criação do Senhor, com todo o Planeta Terra”. A rede funciona a partir de encontros e debates nos estados e no Distrito Federal, onde é coordenada pela Assessora Especial do gabinete de Marina Silva, Jane Vilas-Boas, como informou o pastor. Em Brasília já aconteceram cinco seminários. Vieira também afirmou que “cultos são realizados em todos os órgãos, na Esplanada (dos Ministérios) todinha”. E dentro do MMA? “Também”, diz.
Diversas fontes confirmaram que é o Pastor Vieira quem celebra os cultos para evangélicos dentro do MMA, muitos com a presença da ministra Marina Silva. Questionado sobre porque razão há cultos de apenas uma religião nas repartições do Meio Ambiente, Pedro Batista respondeu que “O Ministério do Meio Ambiente disponibiliza sua sala multimídia, mediante agenda disponível, para atividades legítimas de seus servidores e consultores sem discriminação, inclusive de opção religiosa”.
Leia resposta completa do Assessor Especial do Ministério do Meio Ambiente Pedro Ivo Batista.
A bancada dos evangélicos
Desde sua chegada ao poder em Brasília, a senadora petista Marina Silva (AC) esteve ligada à Bancada Evangélica ou Religiosa. Ela se converteu há mais de uma década e foi consagrada missionária da Assembléia de Deus em dezembro de 2004. Em seu gabinete atuam profissionais ligados às igrejas Batista Central de Brasília, Sarah Nossa Terra e ao Movimento Evangélico Progressista. Nos últimos dias 12 e 13 de janeiro, a ministra surpreendeu ao comparecer a um evento sobre o Criacionismo, crença que refuta a teoria da Evolução de Darwin e defende a vida como obra de uma inteligência superior.
A bancada evangélica vem perdendo representantes na Câmara e no Senado. As eleições de 2006 trouxeram baixas inéditas. Uma análise do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap mostrou que a bancada de deputados federais identificados com cultos evangélicos caiu de 61 para pouco mais de 30 parlamentares.
Conforme o Departamento, parlamentares religiosos começaram a ser eleitos em peso a partir de 1986, quando pastores da Assembléia de Deus impediram que a Igreja Católica aprovasse projeto constituinte que tornaria o catolicismo a religião oficial e única do País. Tudo não passava de boato, mas a bancada se consolidou no Congresso e segue por lá até hoje. Listas atualizadas de seus membros podem ser obtidas no site do Diap e também no site Excelências.
Liberdade de crença
A contratação de um pastor que dirige cultos dentro do MMA tira partido de uma questão mal resolvida no Brasil desde o Século 19. Para Daniel Sottomaior, da organização não-governamental Brasil para Todos, a legislação brasileira ainda é incompleta no tratamento das relações entre Religião, Política e Serviço Público. “Nos Estados Unidos, por exemplo, isso não aconteceria. Lá a lei é muito mais restritiva, não permite símbolos religiosos ou cultos em órgãos públicos”, diz.
No Artigo 5º da Constituição Federal está escrito que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Já o Artigo 19º da Carta Magna afirma que “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
No Incra, por exemplo, cultos religiosos de qualquer natureza ou credo foram proibidos, conforme despacho do Ministério do Desenvolvimento Agrário de abril de 2007.
No ano passado, a ONG de Sottomaior gerou polêmica, ao entrar com uma representação na Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Ministério Público do Pará contra a “reverência do Judiciário à Virgem de Nazaré”. O argumento era de que o Judiciário não poderia realizar comemorações religiosas porque o Estado Brasileiro é laico desde início da República, em 1890. A Justiça Federal negou o pedido da Brasil para Todos.
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