Reportagens

O bolsa-desmatamento

Lula convoca reunião para discutir corte de crédito a desmatadores, mas ao mesmo tempo abaixa os juros dos fundos constitucionais que bancam produtores na fronteira agrícola.

Aldem Bourscheit ·
8 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás

Depois de não dar ouvidos aos alertas de institutos de pesquisa e de organizações não-governamentais e ser “surpreendido” pelo ascendente desmatamento amazônico, o governo chama ministérios e bancos públicos para a mesa no Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira (11), todos irão saborear o prato de discutir como os financiamentos públicos poderiam deixar de estimular atividades que devoram árvores da floresta, como a agropecuária e a indústria madeireira.

Mas antes disso, a Presidência da República decidiu agir e pode ter revelado as cores de suas intenções: publicou decreto reduzindo as taxas de juros praticadas nos fundos constitucionais do Norte (FNO), Centro-Oeste (FCO) e Nordeste (FNE). A medida pode ser uma bolada nas costas da parcela verde governista, pois esses fundos são vistos por algumas entidades e pelo próprio Ministério do Meio Ambiente como fonte de desmatamento na Amazônia. Com juros menores, tornam-se mais atrativos ao mercado.

A nova legislação federal cortou encargos dos financiamentos para pequenos e grandes produtores rurais, respectivamente de 7,25% para 6,75% e de 9% para 8,5% ao ano. Já micro, médias e grandes empresas obtiveram redução de até 1,5% na taxa de juros. Para elas, os encargos foram fixados em 6,75%, 9,50% e 10%. Já as taxas para indústrias de pequeno porte, agro-indústrias e empresas de turismo permanecem em 8,25%.

Para o pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia) Paulo Barreto, a redução dos juros pode ser um problema se os investimentos seguirem direcionados às mesmas atividades que sempre provocaram desmatamento. Segundo ele, os manuais bancários para liberação de créditos até exigem o cumprimento das legislações ambiental e trabalhista e a apresentação de documentos sobre posses de terra. No entanto, a realidade em campo seria de derrubadas ilegais estimuladas por dinheiro público. “Se o governo quer reduzir o desmate e incentivar o desenvolvimento sustentável, tem que investir mais em conservação e manejo. Precisamos de um redirecionamento drástico do dinheiro desses fundos”, diz Barreto.

Apenas o FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte), que atende Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, liberou cerca de R$ 4,2 bilhões para a pecuária entre 1989 e 2002. De 2003 a 2007, foram mais R$ 1,9 bilhão para o mesmo setor, conforme o Imazon. Outras avaliações do instituto mostram que o desmate teria sido quatro vezes maior em assentamentos federais do que fora dessas áreas. E uma pesquisa realizada em 2003, na região da Transamazônica (BR-230), mostrou que produtores com crédito desmataram mais que aqueles sem financiamentos públicos. “Muitos assentamentos não têm licença ambiental. Mesmo assim, recebem financiamentos”, diz o engenheiro florestal.

Crédito rural

Criados pela Constituição de 1988, os fundos constitucionais movimentam cifras vultosas e livres de contingenciamento para fomentar atividades produtivas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Financiam de agricultores familiares a grandes produtores, projetos industriais, de infra-estrutura, comércio e serviços. São abastecidos com parcelas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados das demais regiões. Além disso, praticam taxas de juros entre as mais baixas do País, para operações de até 12 anos. O FCO (Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste), por exemplo, tinha orçamento de R$ 2,8 bilhões em 2007. Desse total, R$ 1,35 bilhão para o segmento rural. Um balanço da execução orçamentária desses fundos deve ser divulgado ainda em fevereiro.

Conforme o coordenador-geral de Análise Econômica da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura Marcelo Fernandes Guimarães, não é possível fazer uma associação direta entre a aplicação de dinheiro via fundos constitucionais e o desmatamento na Amazônia. Segundo ele, quem aproveita esses recursos são geralmente produtores já instalados e que cumprem a legislação. “É difícil apontar uma relação direta entre os recursos desses fundos e o desmatamento na Amazônia. Pode até existir alguma ilegalidade, mas não é regra”, diz.

Segundo Guimarães, alterações nos juros praticados nos financiamentos públicos são rotineiras e acompanham as tendências econômicas registradas no ano anterior e a variação de taxas do Crédito Rural e da Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), por exemplo. Assim, a cada início de ano, os juros do FNO, FCO e FNE poderiam variar conforme os ventos econômicos nacionais.

Da reunião agendada para o início da semana, o governo espera sair com medidas para apertar o cerco contra o desmatamento da Amazônia. A idéia é que Banco do Brasil, Banco da Amazônia, BNDES, Banco do Nordeste e Caixa Federal, instituições que operam os fundos constitucionais e outras linhas de crédito, sejam mais rigorosos na aprovação de projetos. No entanto, o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes já avisou que não vai. Segundo nota distribuída por sua assessoria de imprensa, ele participará na segunda-feira pela manhã da 11ª Reunião do Conselho Superior do Agronegócio, na capital paulista.

Procurado pela reportagem de O Eco, o Ministério do Meio Ambiente não comentou sobre a redução dos juros dos fundos constitucionais.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

Leia também

Reportagens
27 de dezembro de 2024

Poluição química de plásticos alcançou os mais antigos animais da Terra

Estudos identificaram que proteínas geradas nas próprias esponjas marinhas eliminam essas substâncias prejudiciais

Reportagens
26 de dezembro de 2024

2024 é o primeiro ano em que a temperatura média da Terra deve ultrapassar 1,5ºC

Acordo de Paris não está perdido, diz serviço climatológico europeu. Confira a galeria de imagens com os principais eventos extremos de 2024

Salada Verde
26 de dezembro de 2024

Obra milionária ameaça sítio arqueológico e o Parna da Chapada dos Guimarães, no MT

Pesquisadores, moradores e empresários descrevem em documentário os prejuízos da intervenção no Portão do Inferno

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.