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A cor do dinheiro

MP do Rio Grande do Norte questiona capacidade de órgão estadual em conceder licença ambientais para complexos hoteleiros. Estudo de clube de golf em Natal estava incompleto.

Felipe Lobo ·
28 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás

Conhecido no mundo inteiro por suas praias e dunas, o Rio Grande do Norte tem o turismo como ponto forte de sua economia. Atualmente, o Instituto de Defesa do Meio Ambiente (Idema), órgão responsável pela proteção do patrimônio ecológico no estado, analisa oito propostas de novos complexos hoteleiros em diferentes municípios. Quatro destes empreendimentos já obtiveram a licença prévia, o primeiro dos três passos necessários para colocar os hotéis em pleno funcionamento. Só resta saber se os altos investimentos estrangeiros não vão falar mais alto do que os potenciais impactos na natureza.

“O governo do Rio Grande do Norte tem uma política de atração de investimentos estrangeiros para empreendimentos de grande porte. Mas ela não vem sendo acompanhada por uma política correspondente na área ecológica. Ainda não existe avaliação ambiental estratégica a respeito das conseqüências do impacto dessas obras”, denuncia David Costa Benevides, promotor de Extremoz e um dos autores de uma recomendação recente ao Idema para que retire a licença prévia concedida ao Grand Natal Golf, um complexo que ocupará uma área de 2.025 hectares na região metropolitana de Natal.

A cidade de Barra de Maxaranguapé, por exemplo, nunca foi tão famosa quanto nas últimas semanas. É lá onde serão construídos os oito hotéis de luxo, centro com campos de futebol profissional e pista de kart pelo grupo norueguês Brazil Development. Além de sua grandiosidade (vai ocupar 1085 hectares), o projeto também chamou a atenção por ter David Beckham, jogador da seleção inglesa de futebol, como um de seus investidores.

Outros dois conjuntos nestes moldes que já conseguiram o primeiro aval do Idema estão localizados na Lagoa dos Coelhos, em Touros, e na praia de Malembá, no município de Senador Georgino Alevino. Juntos, eles vão precisar de uma área de 935 hectares. Dentro de seus limites, encontra-se a Lagoa de Guaraíras, local de reprodução de golfinhos que será usado, em parte, pelo hotel em Malembá. “Não permitimos nenhuma marinha nessas construções. Houve até um pedido inicial, mas pedimos para os responsáveis prepararem um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) único para o uso de cada lagoa”, diz o diretor geral do Idema, Eugênio Cunha.

O maior de todos

O maior entre os novos projetos no Rio Grande do Norte é Grand Natal Golf. Localizado entre os municípios de Extremoz e Ceará Mirim, na região metropolitana de Natal, terá 14 prédios e cinco campos de golfe. Desenvolvido pela Sociedade Potiguar de Empreendimentos LTDA (Spel) em parceria com o grupo espanhol Sanchez, o resort recebeu a licença prévia do Idema no último dia 9 de janeiro, apenas dois meses após o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ter sido entregue. Este fato gerou uma crise entre o órgão ambiental e o Ministério Público, que levantou uma série de falhas no EIA.

De acordo com o relatório enviado pelo MP de Extremoz à diretoria do Idema, o “Pólo Turístico Ecológico e Aventura de Pitangui e Jacumã”, nome oficial do projeto, não analisou o impacto geral a ser causado no ecossistema pelos cinco campos de golfe. Um dos pontos que ainda não foram esclarecidos, por exemplo, é o tipo de produto químico a ser usado para o tratamento da grama. Dependendo da escolha, o lençol freático da área pode ser contaminado.

A solução para o abastecimento hídrico é uma das maiores dúvidas levantadas pelo MP. De acordo com o estudo feito pelo empreendedor, a captação de água vai acontecer a partir do aqüífero Barreiras, o maior do estado e responsável pelo abastecimento de toda Grande Natal. Para analisar o documento, o Idema contratou o geólogo José Geraldo de Melo, que atestou o descumprimento do Termo de Referência por parte do EIA apresentado. Para ele, deveriam ser informadas as condições de explotação das águas subterrâneas antes da concessão da licença prévia. Sua análise foi entregue ao órgão ambiental em 8 de janeiro. Um dia depois a permissão foi assinada.

Questão de interpretação

O município de Ceará Mirim, onde estará cerca de 40% do terreno do Grand Natal Golf, possui uma população de aproximadamente 70 mil pessoas. Já Extremoz, ainda menor, conta com apenas 20 mil habitantes fixos. De acordo com cálculos estimados no EIA, a capacidade total do complexo, contando novos moradores e visitantes, pode chegar a até 166 mil pessoas. Isso significa que a geração de lixo e o consumo de água vai praticamente dobrar. Segundo o Ministério Público, não há qualquer plano de destinação adequada dos resíduos sólidos.

Nada disso foi suficiente para convencer o Idema de que a licença prévia não poderia ser liberada. Segundo Eugênio Cunha, houve apenas interpretações diferentes para a mesma legislação. Enquanto o Ministério Público considera que análises mais detalhadas deveriam ser entregues antes da primeira permissão, Cunha pensa o contrário. “O Idema forneceu apenas a licença prévia, que não permite qualquer intervenção. Para a fase de instalação, já demos inúmeras condicionantes que o empreendedor deve cumprir”, afirma.

O diretor diz que nenhuma nova concessão será dada antes que todos os questionamentos do órgão sejam contemplados. “Até porque para realizar alguns estudos é preciso ter a permissão antes”, indica. Sua fala ganha eco junto a Wagner Luiz de Melo, gerente da Spel. A análise do potencial hídrico da região, por exemplo, só poderia ser feita mediante a apresentação da licença à Secretaria de Recursos Hídricos. “Não podemos fazer o teste do pesômetro, que é furar os poços e verificar seu volume, sem a autorização em mãos”, diz.

Eugênio Cunha faz questão de lembrar que a primeira permissão de uma obra se baseia apenas em sua localização e concepção. Trata-se de um estudo conceitual, para mais tarde serem realizadas as verificações mais profundas. David Benevides não concorda. “Não se pode conceder a licença prévia com uma análise superficial da construção. Até porque pode existir grande injeção de recursos no momento seguinte e, mesmo assim, a obra ser embargada. É preciso prevenir”, alerta.

Acordo

Pelo menos entre o Ministério Público e a Sociedade Potiguar de Empreendimentos LTDA, as conversas parecem caminhar bem. No último dia 12, uma reunião entre as partes deu início a um Termo de Compromisso que será assinado pela construtora. A partir dele, muitas das recomendações elaboradas pelo MP e recusadas pelo Idema serão atendidas. “Nós temos uma visão de respeito ao meio ambiente. Há 17 anos tocamos esse projeto e uma escola em Extremoz, que tem aulas de educação ambiental. Não tem porque, justamente agora, ir contra esse pensamento”, afirma Wagner de Melo.

Pelo acordo, que ainda está em fase de confecção, o empreendedor ficará responsável por adiantar todas as novas análises encomendadas por Benevides e sua equipe. Algumas delas já estão em curso, como a capacidade do aterro sanitário de Ceará Mirim receber a totalidade dos resíduos sólidos produzidos dentro do Grand Golf Natal. “Fazemos os cálculos sempre com o número máximo, mas não chegaremos a mandar tudo isso para o aterro. Vamos desenvolver projetos que minimizam o descarte, como a reciclagem e a compostagem”, adianta o gerente da Spel.

A licença prévia do Grand Golf Natal despertou uma série de dúvidas sobre que tipo de pressão os novos pólos turísticos vão exercer sobre o Rio Grande do Norte. Eugênio Cunha faz questão de lembrar, no entanto, que nenhum dos projetos vai realizar construções em mais do que 22% de sua área total, quando a legislação permite mais de 60%. Além disso, a equipe escolhida pelo Idema para avaliar os EIA-Rimas costuma ter um bom número. “Por volta de dez pessoas”, explica Cunha. Baseado em um acordo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que disponibiliza professores de diferentes áreas para as análises, ele afirma que o grupo reunido é, normalmente, multidisciplinar. Para o promotor David Benevides, no entanto, isso é pouco. “O Idema não tem adotado o termo de referência nem exigido bons estudos”, afirma.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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