Dizem que quando lidamos com problemas demais no trabalho, nos deixamos contaminar por eles e nos tornamos pessoas mais rancorosas. Quem mexe com meio ambiente corre diariamente este risco, diante das perspectivas de piora nos eventos climáticos globais se os padrões de consumo e poluição mantiverem-se como hoje. Estas, no entanto, não são chagas que parecem afetar o economista americano Joshua Farley, da Universidade de Vermont. Durante um encontro sobre economia ecológica em Cuiabá, nesta semana, ele arrancou risos do público ao mostrar que de meio ambiente as cabeças mais brilhantes da economia ainda entendem muito pouco. Lembrou, por exemplo, que o prêmio Nobel de economia, Thomas Schelling, disse anos atrás que se a produtividade da agricultura fosse impactada pelas mudanças climáticas, nada de relevante aconteceria para a economia americana. O custo de vida deveria aumentar entre um e dois por cento, ou seja, quase nada.
Em vez de pensar nos cenários ruins, Farley prefere acreditar que até os capitalistas mais perversos vão se render à necessidade de cooperar para sobrevivermos à crise ecológica que se avizinha. E defende que para cuidar melhor do planeta bastaria que o mundo mantivesse um padrão de consumo de seis meses atrás. Farley até colocou na ponta do lápis o quanto o mundo gasta por ano no esforço de converter ecossistemas em produtos econômicos e chegou à bagatela de quatro trilhões de dólares. Enxergar as potencialidades de uma economia menos impactante à biodiversidade e menos custosa aos nossos bolsos deu o tom das falas de Farley, que conversou com O Eco em Cuiabá.
Como você fez a conta dos quatro trilhões de dólares gastos por ano para converter ecossistemas em produtos econômicos?
Eu tirei os números da Organização Mundial de Comercio (OMC). Na verdade busquei os valores de matérias-primas e dos produtos agrícolas, considerando que matéria-prima é o que a gente tira do ecossistema e produtos agrícolas você obtém convertendo terras para produzir. Então quatro trilhões de dólares são pagos para produtos da transformação, e aí incluo madeira, petróleo, etc. Isso é só o comércio global.
Você acredita que 1% do PIB [Produto Interno Bruto] dos países ricos seria suficiente para salvar as florestas?
Isso, na verdade, é uma estimativa do que custaria para ficarmos com um cenário de mudanças climáticas abaixo de dois graus Celsius. Há já bastante tempo eu fiz outros estudos sobre quanto custaria para preservar a Amazônia. Realmente 1% do PIB dos países ricos é uma coisa enorme, mas eu pessoalmente acho que vai custar bem mais do que isso para acabar com os problemas ecológicos. Na verdade, nos Estados Unidos estamos começando a medir o bem-estar das pessoas.
E o que vocês descobriram?
Eu calculei que nos Estados Unidos podíamos usar 50% do nosso PIB para evitar os problemas ecológicos e teríamos um padrão de vida de 1969. Naquele mesmo ano uma outra maneira de medir bem-estar – o indicador de preço genuíno – atingiu seu nível máximo no ano de 1969. Então a gente poderia gastar 50% do nosso PIB com esses problemas mundiais, clima, desmatamento, sem afetar nosso bem-estar.
Mas viver como em 1969 seria inviável hoje em dia…
No ano em que o relatório Stern sugeriu que a 1% do PIB dos países ricos seria suficiente para garantir um cenário de aumento de temperatura de até dois graus Celsius (2006), o crescimento mundial do PIB era de 4%. E a população crescia a uma taxa de 1%. Quer dizer que o crescimento mundial de renda per capta era de 3%. Nos países desenvolvidos, o PIB aumentou só 2% per capta. Então gastando 1% disso é aceitar o padrão de vida de seis meses atrás. Mas os economistas fazem cálculos em dólares, descontando futuro. Northouse [Peter G.] falou “de jeito nenhum podemos gastar 1% do PIB para mudança climática porque o preço é muito mais alto do que os benefícios”. Então eu pensei: no lugar de calcular benefícios x preços em dólares, vamos calcular em bem-estar. E já sabemos como era a nossa vida seis meses atrás. Então 1% do PIB é realmente aceitável.
Como se faz isso na prática?
Para mim, temos que mudar a maneira de pensar a economia. O que eu vejo é que em momentos de crise as pessoas mudam o modo de pensar. A última grande crise do capitalismo foi a grande Depressão (1929), e os economistas descobriram que os governos têm papel muito importante na economia. Antes disso, tudo era privado. Então eles viram que era preciso ter políticas macroeconômicas para manter o emprego e o consumo. Hoje em dia a gente enfrenta uma crise bem pior, que destrói a capacidade do sistema ecológico de sustentar a nossa economia. Se você acaba com a possibilidade dos sistemas ecológicos se recuperar, você acaba com a economia. A gente já fez isso em Vermont, há 150 anos, quando arrasamos com tudo e as pessoas migraram para outros lugares, para onde ainda havia fronteira. Então existe este limite e a economia tem que ser planejada dentro desses limites ecológicos. A economia é um sistema que se adapta rapidamente, mas ecossistemas se adaptam bem devagar.
Como vamos nos inspirar no que houve em 1929 para lidar com a crise ecológica?
As pessoas acham que a Depressão causou a 2ª Guerra Mundial. Logo depois houve um encontro dos lideres econômicos e políticos, a conferência de Bretton Woods [1944], e os Estados Unidos investiram bilhões e bilhões de dólares para recuperar a Europa. Criamos o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Ou seja, grandes instituições foram criadas para que tivéssemos um mercado internacional para bens de consumo. Hoje em dia o mais importante são os sistemas ecológicos. E a gente tem que criar outras instituições globais para esta finalidade, uma vez que os serviços de ecossistemas são bens públicos, não têm dono, não podem ser vendidos, então também não podem ter mercado. Mas são tão importantes ou mais do que os bens de mercado. Temos que criar outras instituições pra cuidar cooperativamente, restaurar e manter esses ecossistemas, assim como os serviços que eles produzem.
E quando o mundo vai se dar conta disso?
Isso é um desafio. Para mim, o mundo só vai enfrentar esses grandes desafios quando chegar a grande crise, e a grande crise agora são as mudanças climáticas, o desmatamento, a destruição dos mares. Nos Estados Unidos, a classe média está percebendo que está consumindo tanto quando há 30 anos. Não mudou. Toda a riqueza nos Estados Unidos foi para os ricos. Então as pessoas estão se dando conta que sempre fazer os ricos cada vez mais ricos não é tão vantajoso. Pode ser que aos poucos isso mude. Eu sei que isso é um desafio, mas eu sou otimista.
Tem que ser muito otimista mesmo para achar que nosso consumo vai mudar de maneira geral.
No passado houve uma transformação. Antigamente nos Estados Unidos a ética de trabalho era trabalhar muito, poupar o dinheiro, consumir pouco, guardar para as gerações do futuro. Aí chegou a televisão nos anos 50 a propaganda para sempre consumir mais e mais. E a nossa ética de trabalho mudou radicalmente. Agora trabalhamos muito, gastamos tudo que temos, tomamos empréstimos para gastarmos mais ainda. Então foi uma mudança radical na nossa cultura. Eu acho que a gente chegou ao limite e o americano está começando a pensar em consumir menos. Se você tiver mais dois minutinhos eu te dou um exemplo melhor.
Claro.
Pré-historicamente, em condições muito difíceis, se você não cooperava seu grupo não sobrevivia. Há muitas espécies que vivem cooperativamente quando os recursos são escassos. E quando são abundantes elas competem. Eu gosto da analogia de uma bactéria. Se você colocá-la num tubo de laboratório, ela vai precisar de comida e oxigênio para sobreviver. A colônia fica lá competindo, crescendo mais, consumindo oxigênio até um ponto em que algumas se adaptam e criam um tipo de filme que as une e dão acesso aos nutrientes e ao ar. Por cooperação, elas sobrevivem melhor dentro deste grupo. Mas o safado que decide não cooperar, não produz o filme, se sustenta no filme dos outros, vai reproduzir mais rápido. A população cresce tanto que o filme não agüenta, a colônia rompe o filme e todos morrem. Então, para mim, os banqueiros e capitalistas que só pensam neles mesmos são esses safados, mas eu acho que o ser humano é mais inteligente que as bactérias e vamos entender que é preciso cooperar. Os economistas dizem que o ser humano é incapaz de cooperar, só aceita a concorrência e só pensa nele mesmo. Mas aos poucos a economia também está descobrindo que não é bem assim. Estão fazendo pesquisas mostrando que as pessoas gostam quando os outros se sentem bem, quando fazem justiça. A a maneira como as pessoas pensam sobre concorrência e cooperação está mudando totalmente.
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