O Ministério do Meio Ambiente divulgou na última semana, durante o 6º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), os novos números de áreas marinhas protegidas no país. Atualmente, 1,46% dos cerca de 4,5 mil quilômetros quadrados de oceanos sob jurisdição brasileira estão sob proteção. Há um ano, esse número não passava de 0,5%.
Apesar do salto, a decretação de novas unidades não é sinônimo de preservação. No mesmo relatório que estampa tal porcentagem também é possível verificar que, deste total, 0,15% são Reservas Extrativistas, 0,11% Parques estaduais ou federais, 0,02% Reservas Biológicas e apenas 0,01% Estações Ecológicas. A maior parcela (1,17%) é de Área de Proteção Ambiental (APA), categoria mais permissiva do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), onde impactos ambientais são admitidos na ausência de zoneamento específico.
Em outubro de 2008, quando São Paulo divulgou a criação de três APAs marinhas ao longo de seu litoral, Maria Tereza Jorge Pádua, ex-presidente do Ibama e colunista de O Eco, já alertava para a ineficiência deste tipo de unidade de conservação. A fragilidade deste modelo se dá, lembrou ela, porque as legislações orgânicas dos municípios se sobrepõem às restrições impostas nas UC´s. Com isso, se um proprietário se sentir lesado, ele pode recorrer na justiça para conseguir usar a área como bem entender.
Para reservas marinhas, que são propriedade apenas da União, este aspecto melhora um pouco. Mas não deixa de ser frágil, já que não leva em conta aspectos muito importantes para a preservação, como os “corredores marinhos”, que deveriam existir, assim como os corredores florestais, para conectar a biodiversidade local.
Diante dos números apresentados pelo MMA no 6º CBUC, em Curitiba, – sobre áreas marinhas e terrestres – , Maria Tereza voltou a chamar a atenção para efetividade das medidas do governo. “APA e nada para a conservação da biodiversidade são a mesma coisa. APA não passa de um ordenamento territorial, então você pode ter de tudo. Na verdade, unidades de conservação que realmente poderiam garantir a conservação são as de uso indireto do recurso, os mais conhecidos são os parques nacionais e as reservas biológicas”, disse, em comentário para O Eco. Apesar das críticas, a ambientalista frisou que o esforço do governo em criar novas áreas protegidas é “inegável”.
Experiência de fora
A opinião de Maria Tereza, de que unidades com alto grau de restrição de uso são a melhor forma de proteger os ecossistemas marinhos, é compartilhada pelo biólogo Angel Pérez-Ruzafa, professor da Universidade de Múrcia (Espanha) e pesquisador do projeto Empafish. Desenvolvido de forma coordenada entre vários países europeus e suportado pela Comunidade Européia, o projeto tem como objetivo justamente investigar o potencial das diferentes categorias de unidades de conservação marinhas para proteger os ecossistema dos efeitos da pesca.
Durante três anos, pesquisadores de 14 universidades de seis países analisaram os impactos das ações humanas em 20 unidades de conservação em toda costa mediterrânea da Europa e ilhas oceânicas, totalizando cerca de 85 mil hectares de áreas marinhas bastante heterogêneas entre si.
O resultado a que chegaram foi de que, mesmo em ambientes bastante degradados e sobreexplorados, a criação de unidades de conservação restritivas possibilitou uma recuperação significativa dos estoques pesqueiros em apenas dois anos. O aumento da biomassa em tais áreas foi o mais relevante, mas também tiveram destaque o aumento no tamanho dos indivíduos e na diversidade de espécies.
Para Pérez-Ruzafa, o desenho ideal de uma reserva marinha é aquele que integra restrição total com uso sustentável, escala e conectividade. “Teriam que ser reservas não muito grandes, de até 2,3 mil hectares, com um núcleo de proteção integral, onde não se permite nenhum uso, exceto científico e talvez educativo, e uma zona de amortecimento, onde, ali sim, se permite a pesca e a atividade turística. O melhor desenho é também aquele em que se estabelece uma rede de reservas, que não estejam muito afastadas uma das outras e que permitam que exista uma boa conectividade entre uma e outra”, defendeu o pesquisador, em entrevista a O Eco.
A porcentagem ideal, segundo o pesquisador, seria de 20% do total da área oceânica de cada país, meta ainda longe de o Brasil alcançar. “O Brasil tem importantes áreas terrestres para proteger, que são importante não só para o país, mas para o planeta inteiro, principalmente a floresta Amazônica. É lógico que a prioridade seja dada neste assunto, porque ela está muito ameaçada. Mas as áreas protegidas marinhas também são importantes, principalmente onde há muita pressão e atividade humana”, diz.
A saída para o Brasil, em relação às suas áreas marinhas, seria trabalhar estrategicamente em projetos pontuais de preservação, sugere o pesquisador. “O país teria que passar da escala global a que está acostumado com áreas terrestres e começar a pensar em escalas locais, regionais, de governos locais, em desenhos de reservas não muito grandes, mas com interesse pesqueiro e ao mesmo tempo turístico e do ponto de vista da biodiversidade. Falta somente mentalização. Isso é um problema de mentalidade. Sabemos que há pressões externas do resto do planeta para que se ocupem de outros problemas antes das áreas marinhas, por isso, falo de trabalhar em níveis locais.”
Mentalidade brasileira
Além de o Brasil ter outras “prioridades” quando o assunto é preservação, pesa neste esquecimento das áreas marinhas o fato de que o mar é visto apenas como mais uma commoditie, diz o oceanógrafo Frederico Brandini, professor da Universidade Federal do Paraná e também colunista de O Eco. “A percepção do brasileiro sobre o mar é muito pequena. Há um altismo generalizado da importância do mar. Essa é uma questão histórica, cultural e que também passa a ser política”, defende.
Segundo ele, criar áreas protegidas marinhas seria muito mais fácil do que áreas terrestres, já que os oceanos não apresentam um entrave crucial para a criação de unidades de conservação: os conflitos fundiários. Todas as áreas costeiras e oceânicas estão sob poder da União ou da Marinha. Para que uma reserva seja criada, é necessário somente o “não me oponho” dos órgãos governamentais envolvidos, como Ministério do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, por exemplo. Neste cenário, contam apenas interesses governamentais e não do mercado pesqueiro.
Para Brandini, é realmente melhor ter 1,46% de áreas protegidas do que não ter nada. No entanto, este número será ainda mais ineficaz se a criação das unidades não vier acompanhada de ações no entorno das reservas e em relação aos que se beneficiam dela. “Não é apenas você delimitar uma região. O mar é muito mais vulnerável que a terra. Na verdade não vai fazer diferença nenhuma [a criação de unidades] se não se fizer nada pelo resto e se ela não vier junto com a educação das pessoas”, arremata.
Atalhos
EmpaFish
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