Reportagens

Lixo em cena

A cidade de Goiás, sede do mais importante festival de cinema ambiental do país, gera toneladas de resíduos, mas não consegue gerenciar a coleta e disposição. Veja fotos.

Cristiane Prizibisczki ·
25 de junho de 2008 · 16 anos atrás

A simpática cidade de Goiás, eleita patrimônio da humanidade pela Unesco em 2001, para muitos moradores é agradável somente na época do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, realizado sempre nas primeiras semanas de junho. No resto do ano, o grave problema de coleta e deposição irregular de lixo é que rouba a cena.

O município, de cerca de 27 mil habitantes, produz diariamente cerca de 18 toneladas de lixo. Todo esse material, no entanto, não é coletado nem depositado de maneira correta. Segundo Rodrigo Santana, geólogo e ex-diretor do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura da Cidade de Goiás, quando há coleta, o lixo é transportado em caminhões improvisados, de caçamba aberta, e depositado em um aterro completamente irregular. “A coleta de lixo em Goiás é extremamente deficitária”, reclama o ambientalista, que também é secretário-executivo da ONG local “Núcleo Consciência e Cidadania”.

A história da má administração do lixo na cidade é antiga. Até 1990, o lixo produzido era depositado em uma área irregular na entrada sul do município, perto do manancial de abastecimento da cidade, formado pelos córregos Bacalhau e Canjica. Como não havia tratamento adequado dos resíduos, o chorume produzido ia direto para os leitos d´água e, na época, eram comuns os casos de diarréia em moradores.

Depois de várias denúncias de organizações ambientalistas locais, em 1994 a Prefeitura da cidade colocou o tema em debate e o inseriu em seu Plano Diretor. Em 1997, o Programa de Execução Descentralizada do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Ambiental de Goiás contemplou a cidade com o projeto de um aterro controlado, na entrada do Balneário Cachoeira Grande. No entanto, antes mesmo que ele fosse efetivamente criado, a prefeitura, segundo Santana, já começou a fazer o deposito irregular do lixo no local. “Quando saiu o recurso, a área já tinha sido inviabilizada”, explica.

Em 1998 foi identificada uma terceira área apta para a construção de um novo aterro, desta vez na região próxima ao Córrego Bagagem. Novamente, a má administração da Prefeitura e a falta de manutenção fizeram com que o aterro controlado durasse apenas um ano. “Fizeram as valas muito mal feitas e sistemas de drenagem precários. Além disso, não houve manutenção e o aterro foi se transformando em um lixão”, diz.

Hoje, o que se vê é uma enorme área praticamente abandonada. O descaso é percebido ainda no caminho para o depósito, já que por toda a estrada é possível encontrar materiais caídos dos caminhões de coleta. No local, o lixo é depositado sem nenhum cuidado e há várias lagoas de chorume, o que atrai moscas, ratos e outros animais.


Para Santana, outro exemplo do descaso da Prefeitura com o lixo foi o abandono do Centro de Triagem de Resíduos da cidade, criado pela Agência Goiana de Meio Ambiente em 2000, mas que nunca chegou a funcionar. Na época, o Sebrae capacitou os moradores e cooperativas de catadores foram criadas. À prefeitura, cabia somente fornecer o transporte, mas, segundo o secretário-executivo, o acordo não foi cumprido. Até hoje, o galpão, que funcionou somente no dia em que foi inaugurado, permanece de portas fechadas. “Essa nossa luta é muito antiga, mas o poder público sempre dá um jeitinho para não resolver o problema”, reclama o geólogo.

A situação do lixo no município fez com que, em março do ano passado, o Ministério Público entrasse com uma ação civil pública contra o prefeito da cidade, Abner de Castro Curado, determinando que o aterro sanitário fosse construído no prazo de um ano. A Ação também proibiu o uso de caçambas e containeres, que a prefeitura espalhou pela cidade como alternativa para o problema da coleta. Se quisesse usar as caçambas, que recolhesse continuamente o lixo armazenado. O poder municipal optou por retirar os contêineres das ruas.

Mais recentemente, a imprensa local noticiou que a prefeitura da cidade onde o FICA é realizado foi multada em 50 milhões de reais por não ter resolvido o problema de coleta e destinação de seu lixo. O Eco procurou insistentemente a Secretaria Estadual do Meio Ambiente para confirmar a multa, mas, como o órgão passa por reformulações devido à recente extinção da Agência Ambiental goiana, ninguém retornou as ligações da reportagem.

Lixo no FICA

E por falar em FICA, foi durante a quarta edição do Festival, em 2002, que o sistema de limpeza urbana entrou em colapso. Isso porque a cidade não comportou o grande número de turistas que por lá passaram deixando seus lixos. Para resolver o problema, a ONG da qual Rodrigo Santana faz parte criou o “FICA Limpo”, projeto mantido pela Agência Ambiental de Goiás, que conta com um mutirão de 60 catadores e promove a distribuição de panfletos alertando para horários de coleta de lixo. Na edição deste ano, o FICA Limpo coletou, durante os seis dias de festival, cerca de 120 m³ de materiais. No ano anterior foram 183 m³ de lixo coletado, cerca de 40 caminhões basculantes.

A participação da Prefeitura no FICA Limpo foi, segundo Santana, mais uma vez irrisória. Isso porque o poder público municipal destinou apenas um caminhão e uma equipe de catadores para trabalhar durante o evento. Além da pouca participação, as horas trabalhadas pelos servidores também não eram suficientes, o que fez com que a organização do projeto tivesse de pagar pelo “serviço extra” aos funcionários da prefeitura.

Segundo João Leite, responsável pelo serviço de coleta e varrição da Prefeitura, o trabalho do poder público foi realizado corretamente e o expediente extra, pago pela organização do projeto, era, na verdade, um “trabalho à parte” para os varredores e não uma responsabilidade que a prefeitura deixou de cumprir.

Outro lado

Além de ser um grave problema ambiental, a existência de um lixão irregular na Cidade de Goiás e a deficiência na coleta ganham contornos de briga política quando confrontados os dois lados da história. Segundo o prefeito Abner Curado, que está em seu segundo mandato e já governou a cidade no início da década de 1990, a acusação de que a prefeitura utilizou irregularmente a área em que, em 1997, seria construído o segundo aterro, não é verdadeira. “Mentira! Quem falou isso para você estava mentindo”, garante o prefeito.

Segundo ele, a administração que o sucedeu em seu primeiro mandato não conseguiu manter o convênio firmado entre a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e algumas cidades da região para construção de aterros e, por isso, o vai e vem do problema. “Tínhamos deixado, na primeira gestão, um caminhão compactador e vários containeres para a coleta de lixo. No segundo mandato, tivemos que licitar tudo de novo, porque os equipamentos não existiam mais”, explica.

Sobre o não funcionamento do Centro de Triagem de Resíduos da cidade, Curado argumenta que a prefeitura ofereceu, sim, um caminhão para os catadores, e que o local fechou por “briga interna” entre as cooperativas. O prefeito também garantiu que a Comissão de Licitação da Prefeitura já esta estudando a construção de um aterro sanitário na cidade e que ele deve sair “até o final do ano”. Sobre a multa de 50 milhões de reais, Curado preferiu não se manifestar até que fosse notificado.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2024

Desmatamento na Amazônia sobe 41% em novembro, mostra Imazon

Este é o sexto mês consecutivo de alta na destruição do bioma, segundo SAD/Imazon. Degradação florestal tem alta de 84% em relação a novembro de 2023

Notícias
19 de dezembro de 2024

A um mês da posse de Trump, EUA lançam sua meta de corte de emissões

Proposta de Biden é reduzir entre 61% e 66% das emissões até 2035. Governadores dos principais estados dos EUA falam que meta será “estrela guia”

Análises
19 de dezembro de 2024

Restauração muda paisagem em Guaraqueçaba, no litoral do Paraná

Iniciado há 24 anos, plantio de 300 hectares de Mata Atlântica pela SPVS uniu ciência e alta tecnologia, em um casamento que deu certo

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.