Reportagens

Após quase 10 anos, Tribunal de Contas de Pernambuco anuncia fim dos lixões no estado

De acordo com o órgão, todos os 184 municípios do estado agora depositam seus resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários. Inclusão de catadores ainda é desafio

João Guilherme Bieber ·
31 de março de 2023 · 1 anos atrás

Em março de 2023, o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) anunciou o fechamento de todos os lixões no estado. Nos últimos meses, os dez municípios que ainda utilizavam lixões passaram a destinar seus resíduos sólidos urbanos para aterros sanitários. O resultado é fruto de trabalho de vários anos do próprio TCE-PE, em parceria com o Ministério Público de Pernambuco e o governo do estado.

Em novembro do ano passado, o TCE-PE havia informado que dez dos 184 municípios de Pernambuco ainda faziam a destinação inadequada dos resíduos sólidos urbanos. Na ocasião, o TCE-PE estabeleceu março deste ano como prazo final para que estes municípios se adequassem à legislação brasileira.

Os municípios em questão eram Araripina, Timbaúba, Ouricuri, Brejo da Madre de Deus, Floresta, Bom Conselho, Ipubi, Maraial, Itacuruba e Nazaré da Mata. Os dez municípios estão localizados em várias regiões do estado e nenhum tem mais de cem mil habitantes. De acordo com dados do TCE-PE, juntos, eles produzem 192 toneladas de resíduos sólidos por dia, até então depositados irregularmente em lixões.

Após a notificação do TCE, os dez fecharam os lixões e começaram a depositar seus resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários em outros municípios. 

Placa informando fechamento do lixão no município de Itacuruba-PE. Foto: Prefeitura de Itacuruba/Divulgação

A disposição irregular dos resíduos sólidos urbanos contamina o meio ambiente e coloca em risco a saúde pública. Nos lixões, não são adotadas medidas de controle sobre os resíduos e/ou seus efluentes, como o chorume. Nos aterros sanitários há a disposição ordenada dos rejeitos com adoção de medidas, como impermeabilização do solo, sob controle técnico e operacional permanente.

A legislação brasileira já exigia o fechamento dos lixões desde 2010 e a disposição adequada dos resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários. Aprovada naquele ano, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelecia que todos os lixões no país deveriam ser fechados até agosto de 2014, mas vários municípios em Pernambuco e no Brasil não cumpriram este prazo. Em 2020, a Lei 14.026/2020, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento, estabeleceu novos prazos de acordo com o tamanho do município, sendo agosto de 2024 o prazo final para os municípios com menos de 50 mil habitantes.

Fechamento dos lixões e próximos passos

Desde 2014, o TCE-PE fiscaliza a destinação dos resíduos sólidos urbanos pelas prefeituras municipais em Pernambuco. Naquele ano, segundo levantamento da instituição, apenas 29 municípios (15,8% do total) depositavam os resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários.

Contatado pela reportagem, o TCE-PE informou que neste período instaurou 112 processos de auditoria especial para apurar responsabilidades pela utilização de lixões e abriu 62 processos de auto de infração com multas de 24 a 27 mil reais para os casos de descarte inadequado de resíduos e não apresentação do plano de ação para a eliminação dos lixões, tendo emitido 38 multas. O TCE-PE também ofereceu cursos de capacitação aos gestores.

Além do TCE-PE, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também atuou a favor do encerramento dos lixões no estado. De acordo com a legislação brasileira, a disposição de resíduos sólidos em desacordo com leis e regulamentos vigentes constitui crime ambiental. Em 2020 e 2021 o MPPE firmou Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) com 75 prefeituras. De acordo com o MPPE, as prefeituras que assinaram o acordo se comprometeram a encerrar os lixões; destinar os resíduos sólidos urbanos para um aterro sanitário licenciado; adotar medidas para suporte dos catadores que trabalhavam nos lixões; e recuperar a área degradada dos lixões, dentre outras medidas. Caso o ANPP não fosse cumprido, o MPPE abriria uma investigação criminal para responsabilização pela prática de crime ambiental.

Na coletiva de imprensa, em março deste ano, em que anunciou o fechamento dos lixões, o presidente do TCE-PE, Ranilson Ramos, ressaltou que o trabalho do Tribunal de Contas continua. “A eliminação dos lixões não encerra o trabalho do TCE. A etapa agora é focar na sustentabilidade dos aterros sanitários”, afirmou. A preocupação é impedir que lixões antigos sejam reativados ou surjam novos lixões.

Questionada pela reportagem quanto aos próximos passos, o TCE-PE informou que “vai monitorar a qualidade da operação dos aterros sanitários e estações de triagem e transbordo, assim como a quantidade depositada por cada município, além de cobrar a recuperação ambiental das áreas degradadas pelos antigos lixões. Mas sempre tendo em vista os demais aspectos contidos na PNRS, tais como a separação para a reciclagem e o reaproveitamento energético dos RSU, visando que o que s­eja depositado nos aterros, sejam apenas os rejeitos”.

De acordo com dados do MPPE, atualmente existem 23 aterros sanitários licenciados em funcionamento em Pernambuco, além de 14 projetos de aterros sanitários em processo de licenciamento ambiental pela CPRH.

Representantes das prefeituras de seis dos dez municípios – Araripina, Timbaúba, Ouricuri, Nazaré da Mata, Floresta e Itacuruba – contaram à reportagem que planejam construir aterros sanitários nos municípios.

O MPPE não respondeu aos questionamentos da reportagem até a data da publicação. Em relação às prefeituras, apenas a Prefeitura de Maraial não respondeu ao contato da reportagem. O espaço segue aberto. 

Lixão que foi desativado em Nazaré da Mata. Foto: Prefeitura de Nazaré da Mata

Inclusão dos catadores ainda é desafio

Além do fechamento dos lixões, outro objetivo da PNRS é a inclusão social e econômica dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Apesar disso, a inclusão dos catadores nestes dez municípios ainda é um desafio e as prefeituras ainda estão estruturando as medidas para fazê-lo.

De acordo com levantamento de ((o))eco, pelo menos 231 pessoas trabalhavam como catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nos lixões desativados. Este número não inclui eventuais catadores no lixão em Maraial, cuja prefeitura não retornou os contatos da reportagem. Apenas no lixão de Itacuruba, município localizado no sertão do rio São Francisco, com cerca de 5 mil habitantes, não havia pessoas trabalhando como catadores no lixão da cidade.

As medidas de apoio aos catadores variam de acordo com cada prefeitura. Elas incluem cadastramento dos catadores, pagamento de auxílios temporários, fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e treinamento, dentre outras medidas. Em quatro municípios, as prefeituras criaram uma estação de triagem e transbordo onde os resíduos sólidos coletados são separados por catadores e os rejeitos são transportados para o aterro sanitário.

No entanto, muitas medidas ainda estão sendo implementadas ou dependem de recursos.

A Prefeitura de Bom Conselho, por exemplo, informou que fechou o lixão no final de fevereiro deste ano e criou uma estação de triagem e transbordo onde os 27 catadores, que antes estavam no lixão, agora trabalham. De acordo com informações fornecidas, os catadores estão recebendo cesta básica e almoço. Por outro lado, os equipamentos de proteção individual (EPIs) ainda vão chegar e a prefeitura ainda planeja cobrir o galpão onde os catadores estão trabalhando para protegê-los da chuva e do sol. 

Em Timbaúba, município a 100 quilômetros de Recife, a central de triagem e transbordo está funcionando, mas não está totalmente pronta.

Galpão de triagem no município de Ouricuri, Pernambuco. Fonte: Prefeitura de Ouricuri/Instagram

Outras prefeituras, como as de Floresta e de Brejo da Madre de Deus, ainda buscam recursos para a construção das estações de triagem e transbordo. De acordo com elas, ainda não há previsão de quando estarão prontas.

A PNRS estabelece que as metas de eliminação e recuperação de lixões devem estar associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Ela também obriga os municípios a implementarem a coleta seletiva com a priorização da integração de catadores.

Neste sentido, o protocolo de atuação na defesa de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, elaborado pela Defensoria Pública da União e pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Público-Gerais em 2022, afirma que a inclusão social e econômica dos catadores deve ser anterior ao encerramento dos lixões.

Na mesma linha, em publicação de 2014 sobre o tema, o Conselho Nacional do Ministério Público afirma que o encerramento dos lixões deve ocorrer concomitantemente à inclusão social e produtiva dos catadores.

Em suas atividades, o TCE-PE priorizou o fechamento dos lixões. Em resposta a um pedido de informação submetido pela reportagem, o TCE-PE informou que não possui informações sobre a presença de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nos lixões dos dez municípios em questão, esclarecendo que o levantamento feito “limita-se à verificação da destinação final ambientalmente adequada ou inadequada dos resíduos sólidos domiciliares urbanos de cada município pernambucano”.

No entanto, quando questionada pela reportagem quanto às medidas adotadas pelo TCE em relação aos catadores, o TCE-PE respondeu que recomenda que as gestões municipais façam o acolhimento dos catadores que trabalhavam nos lixões, através de cadastramento de todos os envolvidos, disponibilizem auxílio pecuniário enquanto as instalações de triagem não estiverem prontas, e apoiem a criação de cooperativas de catadores, dentre outras medidas.

O TCE-PE informou ainda que iniciará o monitoramento das ações adotadas pelos gestores municipais em relação aos catadores em junho deste ano, explicando que o foco até agora estava na efetiva eliminação dos lixões no estado.

Lixão encerrado no município de Brejo da Madre de Deus-PE. Foto: Prefeitura de Brejo da Madre de Deus/Instagram
  • João Guilherme Bieber

    Jornalista com experiência em investigações sobre temas de direitos humanos, saúde e meio ambiente, como agrotóxicos, direitos dos povos indígenas e Amazônia.

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