A marcha é longa. O mar, glacial. Basta o inverno no hemisfério sul chegar para quase um milhão de pingüins saírem da Patagônia Argentina com destino às águas da costa sul brasileira. Eles viajam cerca de três mil quilômetros através da corrente gelada e veloz das Malvinas, nadando meses a fio, em busca de comida. São, na grande maioria, jovens excedentes de outras populações de pingüins em trânsito para outros cantos do planeta. Chegam exaustos. Famintos. Querem sardinhas, anchovas, peixes pequenos em geral. Mas nem sempre é tudo que encontram pelo caminho. Algumas dessas aves marinhas são surpreendidas pelo óleo das embarcações e acabam – literalmente – morrendo na beira da praia.
Nas últimas semanas, pelo menos vinte pingüins foram encontrados nas praias do litoral norte de Santa Catarina, entre os municípios de Piçarras, Penha e Navegantes. A maioria foi levada pela polícia ambiental para centros de reabilitação. Entre eles, o Laboratório de Recuperação de Mamíferos e Aves Marinhas da Universidade do Vale do Itajaí, conduzido por professores e bolsistas do Departamento de Oceanografia. Até o fechamento desta reportagem, oito pingüins estavam em tratamento. “Eles foram encontrados com muitas manchas de óleo pelo corpo, cobrindo as penas. Estavam extremamente adoentados, perderam muito peso. Dos 13 que aqui chegaram, oito não resistiram”, conta o coordenador do laboratório Gilberto Manzoni. O óleo desregula o mecanismo de controle de temperatura corporal das aves. “A temperatura começa a cair bruscamente. Por isso, saem da água para se aquecerem. Mas aí acabam gastando muita energia, perdem a capacidade de ir atrás de alimento e começa um severo processo de deterioração”.
O resgate é bastante delicado. Os agentes da Polícia Ambiental, que geralmente fazem este trabalho, devem estar munidos com luvas especiais. Às vezes é difícil escapar de um beliscão. “O bichinho é dócil, só que sente um estranhamento no começo. Não tem jeito: vem aquela bicada”, adverte Manzoni. No centro da Univali, os pingüins são tratados com carinho. Primeiro, as penas são bem lavadas com um detergente especial. Depois são continuamente hidratados e alimentados com uma papa de peixe por meio de uma seringa. Alguns ainda precisam ser medicados com vermífugos. “A flora de vermes na barriga dessa ave é abundante. Sem alimento, os vermes acabam perfurando a cavidade abdominal”, aponta o biólogo Joaquim Bianco, especialista em aves marinhas. E até que o animal esteja pronto para a volta ao oceano, fica abrigado em uma piscina de água salgada, aquecida por luz artificial.
Resgate na praia
Problema mesmo pode ser aquele curioso desinformado, que insiste em tocar, mexer no bichinho agonizante na praia. O sargento da Polícia Ambiental de Florianópolis, Marcelo Duarte, explica que a população em geral se aproxima pra ver o pingüim na areia, quer ajudar, mas acaba cometendo um erro grave. “Tem gente que encontra a ave e já a coloca na geladeira, no freezer, cheio de gelo. Na verdade, ele está com frio. O óleo que o atingiu fez com que perdesse a impermeabilidade”. Se você, leitor encontrar um pingüim por aí, vale a dica: pegue-o com cuidado, acomode em uma caixinha de papelão e ligue imediatamente para a Polícia Ambiental.
Em breve, avisa o professor Manzoni, todos os “sobreviventes” que ele e sua equipe estão tratando devem pegar carona em alguma embarcação pesqueira em direção ao Rio Grande do Sul , para depois voltarem para casa – e sozinhos. Assim acontece com os outros pingüins recuperados em estações de tratamento do sul do Brasil. A passagem dessas aves pelas marés brasileiras não é novidade. São conhecidas pelo comportamento migratório, mapeando novas áreas para se fixarem e se alimentarem. A espécie recorrente no Brasil é conhecida popularmente como “pingüim de Magalhães”. Gostam de comer bem, ingerindo até três quilos de peixe por dia. Nadam muito rápido. “Sem contar a forcinha das correntes, atinge cerca de trinta e cinco quilômetros por hora”, diz o biólogo Joaquim Bianco. A má notícia é que o padecimento dos pingüins virou tradição no inverno – um ano em maior, outro em menor quantidade. “A situação pode piorar não apenas no Brasil, mas em todo o planeta, se a poluição dos oceanos não for controlada”, adverte Bianco.
* Fernanda Martorano é repórter no Rio de Janeiro.
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