Reportagens

Antes do fim

Tensão, expectativa e decepção marcaram os momentos finais da 15ª Conferência do Clima da ONU. Acordos costurados às pressas não conseguiram salvar a reunião de Copenhague.

Cristiane Prizibisczki ·
19 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás

Não bastaram os dois anos de consultas, depois de decidido o caminho que teria de ser trilhado, na COP-13, e as duas semanas de negociações intensas. O Acordo de Copenhague foi fechado mesmo nos últimos minutos do segundo tempo da COP-15. As horas que antecederam o fim da Conferência foram marcadas por muita ansiedade e expectativa. A todo momento aparecia uma nova versão do documento final, cada vez menor e mais fraca do que redação que a precedia. Tensão, dúvida, apreensão e esperança marcaram as horas finais 15ª Conferência do Clima da ONU.

Grande parte dos presidentes e líderes de estado de nações cruciais para as negociações só chegaram na quinta-feira. Lula foi um deles. Neste dia, enquanto os discursos se sucediam, os governantes, em conversas paralelas, tentavam destravar os pontos em conflito. Nicolas Sarkoky (França), Ângela Markel (Alemanha), José Zapatero (Espanha) e Felipe Calderon (México) estavam entre eles. Faltou Obama, que deixou para a última hora sua visita.

Na noite de quinta, antevendo um possível fracasso, os líderes de governo aproveitaram o jantar oferecido pela rainha da Dinamarca, Margarete II, para organizar uma reunião emergencial que não estava no script. Por volta da meia noite de quinta, os líderes deixaram de lado o protocolo e ficaram debruçados sobre a mesa até às 2h da madrugada, tentando costurar um acordo.  A reunião noturna foi convocada pelos presidentes Lula e Sarkozy, e chefiada pelo primeiro ministro britânico Gordon Brown.

Lumumba, presidente do G77+China: avisou aos jornalistas que não ia ter acordo (foto:Gustavo Faleiros)

As 24 horas finais

A sexta-feira amanheceu com um sentimento de esperança pairando sobre o Bella Certer. Naquele momento, negociadores, jornalistas e nem mesmo os próprios líderes poderiam antever o longo dia que viria pela frente. Barack Obama chegou por volta das 9h causando furor na mídia e fechando estações de metrô. Todos esperavam por ele, peça chave nas negociações. A arquitetura montada em quase duas semanas havia ruído e o único documento que existia sobre a mesa era um rascunho negociado na noite anterior por alguns chefes de estado.

Foi neste contexto que os líderes fizeram seus discursos oficiais. Obama decepcionou quem esperava uma posição mais contundente do presidente americano. Hugo Chávez, que falou depois dele, reclamou por ele ter saído pela porta de trás. Lula relembrou os tempos de negociação durante sua vida sindical e arrancou aplausos da platéia de alto nível por várias vezes. Disse que nunca esperava encontrar a situação daquele jeito. Os líderes estavam com medo de que o encontro fosse lembrado como o maior fiasco da história da diplomacia. Até a fotografia oficial, com todos os líderes, foi cancelada.

Naquele momento, dois nós ainda travavam as negociações: metas de redução de emissões e dinheiro. Apesar de inúmeras nações terem anunciado suas metas, quase nenhuma as havia colocado sobre a mesa. Nenhum país desenvolvido, pelo menos. Os emergentes, por sua vez, pediam mais dinheiro dos desenvolvidos para poderem se adaptar e mitigar os impactos das mudanças climáticas. Um fundo internacional de curto prazo, com 30 bilhões de dólares em 2012, e um de longo prazo, com 100 bilhões em 2050, eram as únicas coisas que se tinha até o momento. Os não desenvolvidos queriam mais, mas nem a adesão de emergentes, como o Brasil, que se dispôs a alimentar o fundo com 5 bilhões, fez com que os ricos tirassem as mãos do bolso.

Diante de um iminente fracasso, por volta das 15h da sexta, China convocou uma nova reunião com Brasil, África do Sul e Índia para tentar chegar a um acordo sobre os pontos em discordância. Ao chamado BASIC (sigla formada pelas iniciais dos países participantes do encontro), reuniu-se Obama, depois de cerca de uma hora do início da reunião.  Após esse momento, o que já era confuso na COP-15 ficou ainda mais. Coletivas de imprensa foram canceladas uma atrás da outra, jornalistas corriam para todo lado em busca de fontes que pudessem lhes dizer o que estava acontecendo e falta de informação generalizada aumentavam o grau de tensão.

Ao final de quatro horas, a reunião do BASIC + EUA terminou e vários líderes já anunciavam que havia acordo, esquecendo-se de que o documento deveria ser aprovado em plenária e que, pelas regras da ONU, se apenas uma nação se opusesse, ele seria rechaçado. A Conferência ainda não havia chegado ao final, mas o que se viu foi uma debandada geral de líderes – entre eles Obama e Lula, que levaram consigo seus principais negociadores – e uma seqüências de informações equivocadas. Obama e Gordon Brown chegaram a anunciar em entrevista que o acordo havia sido fechado, o que acabou por irritar ainda mais certas nações da América Latina, África, Ásia e países insulares. O tal acordo estava muito aquém do que eles exigiam.

Começo do fim

Todos aguardavam a plenária final, quando os demais países diriam se aceitavam ou não o acordo costurado pelo BASIC+EUA, ou uma declaração formal da ONU.  Às 0h15 minutos do sábado, o embaixador sudanês Lumumba Stanislaw Di-Aping, em nome do grupo dos países em desenvolvimento (G77+China), deu o primeiro esclarecimento oficial do último dia de negociações em Copenhague. Ele chamou os jornalistas para dizer que não haveria acordo na COP15. Segundo Lumumba, os únicos que aceitaram o fraco e decepcionante texto que se definiu após a passagem de Barack Obama por Copenhague, foram os Estados Unidos e a União Européia.

 “Não aceitamos um acordo que não seja moralmente justo. O que há de mais importante a dizer é que essa proposta vai resultar na devastação da África e dos países insulares, que são os mais vulneráveis”, explicou. “Esse acordo é o mesmo que nada. Firma os níveis mais baixos de compromissos. Os países pobres vão ficar mais pobres para sempre. O acordo que o mundo desejava em Copenhague não saiu, mas não foi porque não havia dinheiro, foi porque os países industrializados decidiram não ajudar, quando são eles os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas que vivemos agora”, disse o embaixador sudanês.

Outras manifestações de frustração e descontentamento apareceram por todos os lados. Logo no início da sessão plenária derradeira, que começou às 2h30, Tuvalu, Nicarágua, Cuba, Bolívia e Venezuela se posicionaram contra o documento. A reunião se estendeu até o início da manhã de sábado. Por volta de 8h, o veredicto final: um acordo fraco, rejeitado por cinco delegações e sem qualquer força legal. Terminava, assim, a tão esperada COP-15. Todos, cansados, podiam voltar para casa. (Colaborou Andreia Fanzeres)

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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