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“Se não mudar, Código Florestal estimulará desmatamento”

Em entrevista exclusiva para ((o))eco, Ministra do Meio Ambiente afirma que projeto de lei discutido no Senado ameaça políticas de combate ao desmatamento e de redução de gases de efeito estufa.

Nathália Clark ·
25 de agosto de 2011 · 13 anos atrás
Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira diz que corte orçamentário e grandes empreendimentos não afetam “atividades imprescindíveis para a implementação ambiental”. Crédito: Divulgação MMA
Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira diz que corte orçamentário e grandes empreendimentos não afetam “atividades imprescindíveis para a implementação ambiental”. Crédito: Divulgação MMA
Mesmo depois de ter tido um corte de 36,9% em seu orçamento em 2011, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, diz que a política ambiental do governo Dilma está de pé. O Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade e o Ibama continuam suas atividades de fiscalização, ela garante. Entre as prioridades de sua gestão estão a luta contra o avanço do desmatamento e a aceleração do licenciamento de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), carro-chefe do governo. Mas no momento, uma das principais questões na agenda da ministra é a luta para mudar o projeto de lei do Código Florestal aprovado em 24 de maio na Câmara dos Deputados. “O substitutivo aprovado em maio pela Câmara dos Deputados inviabiliza, de certa forma, vários mecanismos de conservação da natureza conquistados ao longo da história pelos cidadãos brasileiros”, diz ela nesta entrevista exclusiva a ((o))eco. 

Nascida em Brasília, Izabella é bióloga e possui mestrado em Planejamento Energético e doutorado em Planejamento Ambiental pela COPPE/UFRJ. Funcionária de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde 1984, já foi diretora de Qualidade Ambiental do órgão. Atuou ainda como Subsecretária Estadual do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, de 2007 a 2008. Sucessora de Carlos Minc, com quem chegou ao Planalto, ela tomou posse da principal pasta ambiental em abril de 2010. Antes disso, foi secretária-executiva do ministério, de 2008 a 2010. Na entrevista, a ministra fala sobre desafios e metas, sobre o debate do Código Florestal, Unidades de Conservação, Políticas Públicas e os rumos do ministério nos próximos anos de mandato.

((o)) eco – Qual foi exatamente o corte orçamentário do Ministério?

O orçamento previsto em lei para este Ministério é de R$ 1,1 bilhão, que foi limitada a um máximo de R$680,3 milhões em 2011, ou uma redução de 36,9%.

((o)) eco – Com mais de um terço de corte no orçamento desse ano, como o MMA perseguirá suas metas? 

Há uma sensibilidade grande em relação às prioridades do Ministério, em especial no que se refere a diárias e passagens. Ibama e ICMBio são órgãos com gastos altos deste tipo, pois viagens são necessárias para fiscalizar queimadas e enfrentar o desmatamento. Há compreensão do governo em manter as atividades imprescindíveis para a boa gestão ambiental.

((o)) eco – A senhora ingressou no novo mandato com muitos desafios pela frente, como acompanhar as negociações sobre o Código Florestal na Câmara dos Deputados e agora no Senado Federal. Além disso, tem sob sua responsabilidade o controle ao avanço do desmatamento, a coordenação da Conferência Rio+20 e a implementação de várias políticas nacionais. Entre elas, a de Mudanças Climáticas e dos Resíduos Sólidos. Quais as prioridades para o segundo semestre de 2011?

“O substitutivo aprovado em maio pela Câmara dos Deputados inviabiliza, de certa forma, vários mecanismos de conservação da natureza conquistados ao longo da história pelos cidadãos brasileiros”

A negociação no Senado do novo Código Florestal é um dos principais requisitos para a redução do desmatamento em todos os biomas e, consequentemente, para o cumprimento das metas de redução de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEEs) previstas na Política Nacional sobre Mudanças do Clima. Temos também que implementar a primeira fase da Política Nacional de Resíduos Sólidos e, ainda, construir uma política para a Rio+20.  O Ministério do Meio Ambiente será o coordenador da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a ser realizada em junho de 2012, no Rio de Janeiro. Considerado como um dos encontros mais importantes da década, a reunião terá como desafio a discussão de uma economia verde, a erradicação da pobreza e a revisão da estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. Mas além de sediar a conferência, o Brasil quer ser protagonista, entre outros, em temas como a segurança alimentar, tendo como referência a economia agrícola de base familiar e também na chamada governança ambiental. A gestão compartilhada das políticas públicas no Brasil, envolvendo a participação de diversas conferências e conselhos, pode ser referência positiva para uma reforma do sistema mundial rumo à sustentabilidade social e ambiental.

Quanto às negociações do Código Florestal , esclarecemos que o substitutivo aprovado em maio pela Câmara dos Deputados inviabiliza, de certa forma, vários mecanismos de conservação da natureza conquistados ao longo da história pelos cidadãos brasileiros. Avanços ambientais são avanços sociais e, por conseguinte, perdas ambientais representam perdas sociais. Toda a sociedade se beneficia da qualidade natural, não importando a que setor pertença. Cidadãos urbanos, pequenos e grandes produtores rurais, todos, sem exceção, ficam um pouco mais pobres e, a longo prazo, com a qualidade de vida comprometida cada vez que damos um passo atrás na conservação do patrimônio natural do país. Estamos trabalhando para que os avanços contemplados na versão atual sejam preservados e que os retrocessos sejam mudados durante a tramitação no Senado. Como exemplo de retrocessos, podemos citar a anistia aos desmatadores. Este procedimento, se aprovado, não só estabelece a impunidade como ainda pode incentivar o desmatamento. Ao reduzir as Áreas de Preservação Permanentes (APPs), a versão aprovada na Câmara permite prever concretamente um aumento imediato nas taxas de desmatamento. Há indícios de que a simples perspectiva de aprovação destes dois mecanismos já tenha começado a estimular o desmatamento ilegal.

A questão não pode ser vista como uma mera disputa política ou econômica entre interesses de diferentes grupos da sociedade. A questão ambiental está muito acima disto. O Congresso precisa ter plena consciência de que não estará somente fazendo uma opção entre modelos de produção. Irá além, pois fará uma opção entre crescimento com degradação versus vida com sustentabilidade a longo prazo. O futuro Código Florestal vai definir, em última instância, o que o Parlamento brasileiro almeja para o futuro do Brasil.

((o))eco – E a política de resíduos sólidos?

Quanto à implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) o primeiro passo será a conscientização da população brasileira sobre a necessidade de separar seu lixo, seu resíduo, entre úmido e seco. Já colocamos no ar uma campanha conclamando os brasileiros a participarem deste movimento. A iniciativa vem sendo muito bem recebida e a proposta é incrementar a indústria de reciclagem, diminuindo o desperdício de recursos naturais. No momento, o comitê do plano de resíduos sólidos e o de logística reversa, instituídos pela nova política, vêm se reunindo de forma sistemática. Os próximos produtos oriundos da nova política serão o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e uma nova modelagem para a logística reversa de cinco áreas, como os eletroeletrônicos, medicamentos, pilhas e baterias, embalagens de agrotóxicos, lâmpadas fluorescentes e embalagens em geral. Nos próximos dias será apresentado ao Brasil a primeira versão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Em seguida, o documento será colocado em debate com a sociedade, por meio de consulta pública, por cerca de 40 dias. A primeira versão do plano está sendo construída com cenários embasados em estudos elaborados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), que fará o primeiro diagnóstico dos resíduos sólidos no país.

((o)) eco – O projeto do novo Código Florestal e o Zoneamento Ecológico Econômico do Mato Grosso são citados por especialistas como afrouxamentos de políticas, que incentivam o desmate ilegal em áreas privadas (que soma 65% do total). Concorda que esses já tenham sido fatores causadores do aumento do desmate? Há possibilidade de aumento anual após o recorde de baixa em 2010?

Temos acompanhado com certa apreensão o debate técnico, político, jurídico e social que está acontecendo no Mato Grosso, em torno do zoneamento daquele estado. Está agendada para o dia 19 deste mês a apresentação do Zoneamento de Mato Grosso à Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico Econômico do Território Nacional. Este é o momento em que se inicia a análise do documento final e é o momento em que a Comissão Nacional internaliza a discussão, avaliando o trabalho e seu eventual envio, se aprovado, para apreciação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Somente após o cumprimento destas etapas poderemos ter uma visão clara sobre a questão.


Crédito: Divulgação MMA
Crédito: Divulgação MMA

O Ibama foi criado para cumprir as atribuições dos quatro órgãos federais que atuavam na área ambiental: Sudepe, IBDF, Sudhevea e Sema. Suas atividades previam atendimento direto ao usuário e eram prestadas em uma ampla rede de representações (bases avançadas e escritórios). Porém, ao longo do tempo muitas dessas atribuições, como autorizações de desmatamento e emissão de carteira de pescador, por exemplo, foram sendo repassadas a outros órgãos. Dessa forma, muitas dessas bases avançadas perderam completamente sua utilidade, gerando custos elevados e injustificáveis. O Ibama está desativando essas bases em busca de economia e eficiência.

O fortalecimento da gestão florestal e, consequentemente, do Serviço Florestal Brasileiro, é uma prioridade. Está em discussão com o Ministério do Planejamento a definição de uma política florestal.

((o)) eco – O que se pretende fazer na pauta da biodiversidade durante os próximos dois anos, com vistas à COP-11, na Índia? É preciso pensar não só na conservação, mas na recuperação de áreas degradadas. Como convergir biodiversidade e florestas com a agenda de clima?

Primeiro, é importante ressaltar que no prazo de dois anos haverá um evento relevante no contexto da governança global sobre o Meio Ambiente e que precede a COP-11, que é a RIO+20. Como preparativos para a Rio+20, o MMA está desenvolvendo uma série de eventos denominados “Diálogos sobre Biodiversidade: Construindo a Estratégia Brasileira para 2020”. Trata-se de um esforço de revisão e atualização da estratégia e do Plano de Ação Nacional de Biodiversidade. O objetivo final da iniciativa é produzir uma nova estratégia nacional para o alcance das Metas de Aichi  e a implementação do Plano Estratégico da CDB para 2020, que foi aprovado durante a COP 10 em Nagoya, no Japão.

Também está em andamento o TEEB Brasil, uma iniciativa conjunta do MMA, Ipea, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Conservação Internacional do Brasil (CI-Brasil), com o objetivo de identificar e ressaltar os benefícios econômicos oriundos da biodiversidade e serviços ecossistêmicos brasileiros, avaliando os custos crescentes de sua perda, bem como as oportunidades geradas pela sua conservação e uso sustentável. O Relatório Preliminar TEEB Brasil (TEEB Brazil Interim Report) será lançado na Rio+20.

“Mais de 48% das emissões dos países detentores de grandes florestas é consequência direta da degradação, portanto do empobrecimento da biodiversidade.”

Entre as ações em curso do MMA e parceiros estão apoiar a recuperação de áreas sensíveis na região do semiárido, revertendo tendências de desertificação. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, a agenda climática e a da biodiversidade caminham juntas. O cumprimento das metas de redução de emissões de GEEs depende da preservação dos biomas, principalmente o Cerrado e a Amazônia. Mais de 48% das emissões dos países detentores de grandes florestas é consequência direta da degradação, portanto do empobrecimento da biodiversidade.

((o)) eco – Com relação às áreas protegidas e unidades de conservação, o ICMBio tem projeto de aumentar a quantidade e a qualidade dos serviços apresentados em cada UC, por conta dos eventos esportivos dos próximos anos. Mas antes muitas áreas precisam ser consolidadas e os parques necessitam ter seus planos de manejo bem definidos. Isso é uma prioridade estratégica também do Ministério? A presidente Dilma tem a intenção de alterar/reduzir os limites de unidades de conservação, principalmente na Amazônia, muito por conta do PAC. Como isso é visto pelo ministério, considerando-se às metas da CDB de criação de 17% a mais de áreas protegidas?

O Ministério do Meio Ambiente, do Turismo, o ICMBio e a EMBRATUR lançaram o Programa Turismo nos Parques, no qual dez unidades de conservação foram priorizadas para investimentos e desenvolvimento de ações conjuntas. Com o advento da Copa do Mundo de 2014, essa parceria foi fortalecida com a proposta de implementação do Projeto Parques da Copa http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/04/18/projeto-parques-da-copa-vai-atrair-turistas-para-conhecerem-unidades-brasileiras, que visa desenvolver um turismo integrado à diversidade sociocultural e à conservação da biodiversidade. O Projeto pretende implementar melhorias na infraestrutura e equipamentos, bem como na qualidade dos serviços de atendimento aos turistas visitantes das unidades de conservação próximas às cidades sedes, prevendo investimentos na ordem de R$ 585 milhões, que beneficiarão 30 unidades de conservação.

“Nenhum outro país signatário da CDB avançou tanto quanto o Brasil no cumprimento das metas, especialmente quanto à conservação de amostras representativas dos biomas por meio de um sistema de unidades de conservação.”

Com relação aos Planos de Manejo houve um incremento no planejamento das unidades de 13,2%, passando de 21,6%, em 2006, para os atuais 34,8%. Nesse período, foram elaborados 46 planos. Atualmente, encontra-se em elaboração 90 Planos de Manejo. Ter seu próprio plano é condição para que a unidade participe do Projeto.

Nenhum outro país signatário da CDB avançou tanto quanto o Brasil no cumprimento das metas, especialmente quanto à conservação de amostras representativas dos biomas por meio de um sistema de unidades de conservação. Somente entre 2003 e 2008, o Brasil foi responsável pela criação de 74% de todas as áreas destinadas à conservação da natureza no mundo. A nova meta da CDB para as áreas protegidas até 2020 é ainda mais desafiadora e o Brasil não poupará esforços para cumpri-la.

A sobreposição de grandes empreendimentos estruturantes com áreas de unidades é possível, principalmente em um país que está entre os que mais crescem no mundo e que já é a 7ª economia mundial. O MMA tratará as situações de sobreposição, caso a caso, considerando o caráter estratégico do empreendimento para o país, as perdas ambientais que podem representar a eventual redelimitação de uma unidade, assim como os ganhos de conservação que podem ser obtidos da compensação ambiental do empreendimento. Procuramos suprir a área desafetada com a inclusão de outras áreas, como forma de compensação, garantindo, na maioria das vezes, ganhos ambientais em termos de biodiversidade. Temos conseguido relativo sucesso, não há expressiva redução do montante de áreas protegidas, em muitos dos casos houve até aumento, como, por exemplo, os Parques Nacionais: Campos Amazônicos, que ganhou mais 150 mil hectares, e Mapinguari, ampliado em 172 mil hectares.

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  • Nathália Clark

    Nathalia Clark é jornalista na área de meio ambiente, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, justiça social e direitos humanos.

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