O modal que escolhi, fora da água, foi a bicicleta – logo na segunda semana de estada por lá aluguei uma magrela bem barata que foi minha companheira durante 21 dias. Na parada anterior, Copenhague, a sensação era a de que os pedestres tinham prioridade no fluxo do trânsito; em Amsterdã as bicicletas reinam até mesmo sobre os pedestres. As ciclovias não são linhas retas acompanhando as avenidas, mas curvas que parecem dançar em meio à calçada, atravessam a rua, passam pela linha do tram e cortam caminho por uma via de pedestres. Há muitas vias exclusivas para ciclistas. Até existe sinalização para ciclistas (na forma de semáforos, em grandes avenidas), mas o que conta mesmo é o que os próprios ciclistas sinalizam. Todos mostram com o corpo quando vão virar à direita, à esquerda ou parar. E, se estiver a pé, melhor prestar atenção, porque dificilmente o ciclista vai parar para te dar passagem.
Planejar para Crescer
A Holanda era um país com uma localização geográfica privilegiada para transportar produtos pelo mar, o que era precioso na Idade Média. Dona da Companhia Neerlandesa das Índias Orientais, que controlava o tráfego marítimo para buscar produtos no oriente e revender pela Europa, a Holanda foi um país que se especializou na arte dos bons negócios. E, diferente de outros países europeus, não possuía líderes religiosos fortes (leia-se hierarquia católica). Essa falta de autoridade religiosa e a cultura do comércio fizeram com que a Holanda fosse também um país tolerante: foi o primeiro a permitir legalmente a religião judaica no mundo, por exemplo. Tudo em nome dos negócios.
Circular pela cidade é reconhecer todas essas características históricas citadas acima. Amsterdã é linda e tolerante. É uma cidade feita para durar. Toda a estrutura desse pedaço medieval da cidade é feita com materiais extremamente resistentes. São construções de mais de 300 anos que parecem novas.
Outra realidade
A primeira é o plano de mobilidade Amsterdã 2025, elaborado em conjunto pelas secretarias de transportes, habitação e meio ambiente da cidade. Ele é decorrente do fato de que Amsterdã, embora mantendo a beleza dos seus prédios históricos, não é mais aquela cidade do século XVII. Ela cresceu e se expandiu por 7 distritos, e apenas dois deles ficam na região compreendida pelos canais circulares da cidade. A população beira 800 mil pessoas que demandam bom transporte.
E, antes de decidir criar mais ruas para que mais carros possam se locomover ou uma rede maior de transporte público, o plano procurou categorizar as ruas já existentes, de acordo com sua função:
2. Ruas de compras pequenas: são feitas para serem percorridas a pé, mas podem ter transporte público. As calçadas são largas e não há estacionamento para carros que, na maioria dos casos, nem podem circular por aqui.
3. Ruas comerciais com muito trânsito: áreas de shopping com grande circulação de carros, estacionamento nas ruas, mas sem transporte público e algumas vezes sem ciclovias.
4. Avenidas largas arteriais que ligam bairros e áreas importantes. São vias expressas que não possuem transporte público, apenas ciclovias.
5. Rodovias intermunicipais: possuem circulação de veículos pequenos e grandes de carga. Ligam a cidade aos municípios vizinhos.
As ruas residenciais como essa possuem velocidade máxima permitida de 30 km/h e não têm ciclovias: a baixa velocidade faz com que seja seguro compartilhar a pista. Foto: Natália Garcia |
Essa via de compras é compartilhada entre ciclistas, motoristas e pedestres e possui alguns locais de estacionamento. Foto: Natália Garcia |
Hoje a divisão modal da cidade é: 36% das viagens são feitas de transporte público, 33% são de carro, 27% de bicicletas e 4% a pé. “Se conseguirmos manter o uso do carro nesse nível já ficaremos bem felizes”, explica Fokko Kuik, secretário de transportes.
Tentou-se a adoção de um sistema de pedágio urbano similar ao de Londres: quem quiser circular de carro no centro da cidade teria que pagar uma taxa. No entanto, a medida encontrou ferrenha resistência política. Então, para desencorajar o uso de veículos particulares, a saída foi diminuir o número de estacionamentos nas ruas e aumentar a tributação, tanto na compra dos carros quanto dos combustíveis.
Um dos estacionamento de carros que foi adaptado para se tornar paraciclo. Note que 8 bicicletas cabem com folga no espaço que seria ocupado por apenas um carro. Foto: Natália Garcia |
Em todas as avenidas com ciclovia há o “bike box”, um espaço para as bicicletas largarem na frente quando o farol abre. Foto: Natália Garcia |
Não haverá grandes investimentos em mais calçadas ou mesmo ciclovias. Estão previstas apenas novos trechos de ciclovia periféricos até 2025. Já o metrô ganhará uma nova linha, que cruzará a cidade de norte a sul. A rede de tram também será ampliada. “Essa rede tem como objetivo facilitar principalmente a vida das pessoas que estão nos distritos fora do centro, mas precisam acessar a área central”, diz Kuik. “Boa parte desses deslocamentos é hoje feita de carro e isso queremos combater”.
Os estacionamentos do centro da cidade praticamente deixarão de existir e se concentrarão em zonas periféricas: para que o centro da cidade seja livre de congestionamentos. Essa medida será combinada a tentativa de desenvolver os confortos urbanos nas áreas periféricas da cidade, com a criação de escolas, centros comerciais e serviços. “Além de facilitar os deslocamentos, queremos evitar que alguns deles precisem acontecer. Queremos que as pessoas possam morar perto do trabalho”, complementa Kuik.
A outra lição de Amsterdã é pensar em conjunto as melhorias da estrutura urbana com o bom funcionamento da economia. “Manter os canais de Amsterdã sempre foi e continua sendo importante para a cidade”, explica o professor de planejamento urbano especializado em gestão de água, Ewald Engelen. Os canais eram economicamente importantes para permitir a entrada de barcos que abasteciam a cidade. Hoje, são um grande chamariz para o turismo. “A saída para recuperar os rios brasileiros pode estar aí, na sua valorização econômica do processo”, diz Engelen. No nosso caso, se os rios pudessem ser usados como via de transporte de cargas, por exemplo, seria economicamente vantajoso recuperá-los.
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