Existe um bom motivo para prestar atenção no Organic Festival (ou Festival Orgânico) de Trancoso (e ele vai além dos pratos deliciosos servidos lá). Esses chefs de cozinha são a vanguarda de um movimento muito maior, que está transformando a forma como produzimos e consumimos alimentos, e como lidamos com a terra. Nossa agricultura tradicional chegou ao limite de sua capacidade de oferecer alimentos com qualidade e quantidade, além de se mostrar cada vez menos preparada para enfrentar os desafios climáticos que se agravam com as mudanças do clima. Parte dessa produção também atingiu o limite de seus impactos: a expansão sobre áreas naturais, o uso excessivo de produtos químicos e a exploração de comunidades rurais. O sistema, em muitos aspectos, entrou em colapso. Por isso, cresce o número de produtores que adotam formas mais sustentáveis de produção. Essa transformação é gigantesca – na escala da agricultura global –, mas, como toda grande mudança, começa com pioneiros que mostram que é possível, e até vantajoso, fazer diferente. Esse é o papel dos visionários que estarão reunidos no Festival Orgânico de Trancoso (Organic Festival Trancoso), na Bahia.
A sexta edição do festival será realizada entre 29 de outubro e 2 de novembro, em Trancoso, reunindo chefs, ambientalistas, artistas e especialistas em sustentabilidade para discutir os caminhos da gastronomia, do turismo e da cultura rumo a práticas mais conscientes. Criado pelo UXUA Casa Hotel & Spa, o evento tornou-se uma plataforma de diálogo sobre alimentação, meio ambiente e economia local, integrando experiências gastronômicas, painéis temáticos, atividades culturais e visitas de campo. Entre os participantes confirmados estão Roberta Sudbrack, Morena Leite, Neka Menna Barreto, Luiz Filipe Souza, Rosa Moraes, Miguel Moraes, Bob Shevlin, Lara Espírito Santo e João Diamante. O festival é um projeto sem fins lucrativos e conta com apoio de instituições como a Conservação Internacional, Embratur, Instituto Arapyaú e Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, consolidando-se como um espaço de troca entre diferentes setores sobre o papel do Brasil na transição para modelos mais sustentáveis de produção e consumo.
Os chefs têm uma capacidade rara de inspirar não apenas quem frequenta seus restaurantes, mas também um público muito mais amplo. “Acredito que chefs no Brasil são como astros do rock”, diz Bob Shevlin, cofundador do UXUA, do festival e membro do conselho da Conservação Internacional, organização que apoia a curadoria da programação socioambiental do evento. “Costumo chamá-los de ‘influenciadores dos influenciadores’. Esse foi um conceito-chave do Organic Festival: usar essas figuras tão influentes para endossar o movimento de conservação e torná-lo culturalmente aspiracional. Grandes chefs expondo publicamente sua crença em uma agricultura responsável podem fazer uma grande diferença na opinião pública.”
Para Charles Piriou, também fundador e organizador do festival, a alta gastronomia é para a alimentação o que a alta costura é para a moda: dita tendências, inovação e criatividade. “Ela tem holofotes e, portanto, desempenha um papel fundamental na difusão de conceitos de um sistema alimentar mais sustentável”, afirma. “Os chefs se tornaram, além de cozinheiros, verdadeiras comunidades e influenciadores, formadores de opinião. Se o que comemos define o planeta, os chefs são ativistas e têm enorme responsabilidade nas mudanças necessárias do atual sistema alimentar.”
Como exemplo da mudança no sistema produtivo, o festival também traz representantes do setor moderno e comprometido com a sustentabilidade no agronegócio brasileiro: A Frente Empresarial para a Regeneração da Agricultura, (FERA). A Frente é uma rede que reúne produtores que visam transformar o cultivo de alimentos por meio de práticas regenerativas, de baixo carbono e de impacto positivo, posicionando o Brasil como referência global em agricultura regenerativa. O agricultor Gilberto Terra, engenheiro florestal, com mestrado em Ecologia e especialização em Agroflorestas e Restauração Florestal, é um dos palestrantes. Cofundador da Courageous Land, Giberto atua no planejamento e execução de projetos agroflorestais na Amazônia e na Mata Atlântica e mostra que produção, segurança e rentabilidade caminham ao lado de práticas sustentáveis. “A agricultura regenerativa é, em primeiro lugar, um interesse do produtor. Ela garante segurança, mais produtividade e rentabilidade do que a agricultura convencional. Além disso, os produtos regenerativos têm mais valor de mercado, porque trazem toda a lógica de cuidado com a terra e com a vida,” diz.
Além de beneficiar a agricultura, essa tendência também abre oportunidades para o turismo brasileiro. “O Brasil tem chance de seguir o exemplo de países como a Itália, que sempre foi referência em agroturismo, unindo vinícolas e pequenas propriedades familiares à gastronomia de excelência e atraindo milhões de visitantes por ano para regiões como Toscana e Úmbria”, observa Shevlin. “Com sua biodiversidade e variedade geográfica, o Brasil tem potencial ilimitado para desenvolver uma agricultura conectada ao turismo.”
A Organização Turismo de Trancoso trabalha em um plano de 30 anos para um futuro mais verde. Um dos elementos-chave é proteger a rede de pequenas fazendas sustentáveis que cercam a cidade. A agricultura regenerativa no entorno de uma área altamente turística e ambientalmente sensível como Trancoso faz sentido: é uma garantia para a saúde da região e a preservação de seus atributos naturais. “Quando falamos em agricultura e produção regenerativa, estamos falando de Soluções Baseadas na Natureza — ações que protegem, manejam e restauram ecossistemas e que são reconhecidas pela ciência como parte essencial da resposta à crise do clima”, afirma Tatiana Souza, diretora de Desenvolvimento e Comunicação da Conservação Internacional. “Estudos indicam que até 30% das ações necessárias para conter os efeitos da emergência climática estão nessas soluções. Além de regular o clima, elas melhoram a qualidade da água e geram renda associada à conservação da natureza, especialmente para comunidades costeiras e rurais que vivem do manejo sustentável dos recursos naturais.”
Tatiana destaca ainda que a conservação pode ser um motor de prosperidade. “Embora o debate sobre produção sustentável esteja muitas vezes ligado à agricultura, também existem cadeias produtivas sustentáveis ligadas ao mar. No Extremo Sul da Bahia, a Conservação Internacional está apoiando o cultivo de algas marinhas e o fortalecimento de pescadores e marisqueiras tradicionais, mostrando que é possível produzir com o oceano em equilíbrio. Essas iniciativas revelam que a conservação conecta saberes locais, inovação e economia azul.”
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