Essa é o cenário do novo livro de André Trigueiro, “Mundo Sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise”, lançado essa semana. Trigueiro transcendeu seu papel mais conhecido, o de jornalista e âncora do Jornal das 10, na Globo News, para se tornar figura de destaque entre os ativistas ambientais. Na própria Globo News, criou o programa Cidades e Soluções, dominado por temas ligados a sustentabilidade, e é comentarista da rádio CBN. Na PUC-Rio, encarna o papel de professor do curso de Jornalismo Ambiental, e pelo Brasil afora, é um palestrante requisitado.
Mundo Sustentável 2 é o quarto livro de Trigueiro sobre o tema. Reúne matérias do próprio André, feitas para rádio, TV e jornal, acrescidas da participação de especialistas, que aparecem ora como entrevistados, ora como autores de ensaios próprios, enriquecendo o livro. Embora o conteúdo descreva um panorama potencialmente desastroso, não conclui que o final da história precisa ser esse. Ao contrário, traz implícita a mensagem de que podemos viver bem e ao mesmo tempo respeitar os limites naturais, mas não sem transformações.
Se o pai do desastre ambiental é o consumo, a solução não é repudiá-lo mas freá-lo, refletir antes de fazer uma compra por mero impulso.”Não é não consumir, mas pensar antes de consumir, para fazê-lo de forma consciente”, diz Trigueiro, que advoga que uma vida mais frugal também pode ser satisfatória e que o consumo ético leva em consideração todos os seus impactos. Reduzir, reutilizar, reciclar e, por último, e talvez mais vital, repensar. Só assim conseguiremos reverter o rumo de exaurir o planeta até a última gota.
Em 2005, André esteve na, então, redação de ((o))eco e o encontro resultou em uma densa entrevista. Dessa vez, retribuímos a visita e fomos recebidos por ele, descontraído, em sua casa no bairro de Laranjeiras, no Rio, onde nos falou sobre o novo livro.
Por que você sentiu necessidade de fazer um novo livro?
O primeiro livro, também chamado Mundo Sustentável, foi lançado em 2005. De lá para cá, muita coisa mudou. Barack Obama foi eleito presidente dos EUA, mudou a política energética americana. Houve o vazamento no Golfo do México, o Brasil descobriu o pré-sal, tivemos conferências de clima, e a população alcançou os 7 bilhões. Existia a necessidade de ter um material atualizado, mas com todas as mudanças dessa edição, virou um novo livro. Há artigos do primeiro livro que foram preservados, pois apesar de não serem inéditos, continuam pertinentes. O livro trabalha, assim como o primeiro, em cima de oito eixos temáticos: consumo consciente, resíduos, energia, água, biodiversidade, meio ambiente, o mundo da comunicação e as grandes questões globais. E cada tema é apoiado pelo auxílio luxuoso de especialistas, são 35 convidados que contribuem para tornar o livro ainda mais rico.
“A sustentabilidade é o molho, a carta coringa, que perpassa todas as áreas do saber e do conhecimento.” |
O poder aquisitivo das classes mais baixas do Brasil cresceu, qual o impacto dessa mudança?
Existe um risco, mas não é de consumir mais, pois o consumo é bom e é impossível controlar o que as pessoas consomem. O risco é a imagem cultivada pela publicidade de que se atinge felicidade através da acumulação de bens. É importante ter a noção de limite, de que vivemos num mundo onde os recursos são finitos. A classe C emergente não pode repetir a ostentação que se vê em segmentos da classe A e B, pois não há planeta para isso. É preciso ensinar o consumidor a pensar antes de comprar, em vez de estimular o consumo desenfreado. A própria publicidade deveria incentivar o consumo consciente dos seus produtos. Educar para o consumo. Batemos recorde de vendas no Natal e recorde de inadimplência em fevereiro. O consumidor precisa saber o passo da perna. É também necessário internalizar no preço do produto o dano ambiental que ele causa, por exemplo. Além disso, a selagem e certificação dos produtos são importantes para que os consumidores saibam que aquilo que eles estão consumindo vem de origem legal – tanto jurídica quanto ambientalmente. Não estamos falando de uma lei, uma medida provisória, uma solução, nós estamos falando de uma mudança cultural. E também saber de quem comprar, pois não existe neutralidade no ato da compra, é preciso ir atrás de empresas “limpas” e certificadas. Quando se é leniente quanto à origem do produto se recompensa o infrator, isso vale para qualquer produto, do pão francês ao carro zero.
Mas será que o consumismo tem solução?
As pessoas consumistas não conseguem ser felizes, são reféns do que precisa ser consumido a cada novo lançamento. Eu não consigo imaginar pesadelo maior do que esse. Transferem para o objeto a imagem da felicidade – em muito graças ao “auxílio” da publicidade – e depois fazem fila em consultório psicanalítico. O mundo hoje sonha em ter um estilo de vida americano, closet abarrotado de roupas, vários imóveis, trocar de carro todo ano… Temos que entender que a felicidade não está na acumulação de bens. A sociedade de consumo é muito traiçoeira, pois seus valores predominantes são individualismo, egoísmo e hedonismo – eu e minhas necessidades. E as pessoas consumistas são escravas desse desejo. O mundo não tem jeito com as pessoas tendo fome de consumo do não necessário, é preciso pensar antes de comprar.
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A educação será capaz de evitar o consumo desenfreado?
Ela tem um papel importantíssimo na formação da consciência de cada um. Por isso, eu acho que as escolas deveriam ensinar pegada ecológica. Mostrar o que se leva junto com cada produto que você compra – como se dá a emissão de gás estufa, o gasto de água e o consumo de matéria prima, e tabular isso. A gente não tem consciência desses dados, não sabe que eventualmente, um aparelho de MP4 gastou 200 mil litros de água virtual para ser feito. Tem gente que coleciona esses aparelhos. Sem falar da obsolescência programada. O produto não dura porque não foi feito para durar, isso é outro agravante. A escola mostrar o nosso impacto é um ótimo começo para mudarmos nossa percepção de lixo e desperdício.
O Brasil contém imensa biodiversidade, um grande patrimônio ecológico. Qual é a nossa responsabilidade em cuidar dele?
O Brasil é considerado o país com o maior capital natural do planeta, é preciso usá-lo com inteligência, descobrir as aptidões de cada lugar (zoneamento econômico ecológico) e explorá-las com consciência. O mais importante é ter conhecimento, saber tudo aquilo que temos, não só o visível, mas bactérias, fungos, o princípio medicamentoso de seivas, isso tudo é riqueza. Nos falta a sensatez de explorar isso como tal. Proteger não é sinônimo de não impactar, proteger é usar com inteligência. Temos exemplos positivos, como o de Niterói que aprovou três leis inteligentes que incentivam o uso consciente da água: captação de água da chuva, hidrômetro individual obrigatório, reutilização das águas cinza (água depois do uso é “limpa” e usada depois para fins menos nobres). Essa é uma iniciativa mais cara no primeiro momento, mas que se paga com o tempo e é mais eficiente.
“Batemos recorde de vendas no Natal e recorde de inadimplência em fevereiro” |
Você defende que somos todos cidadãos do mundo e que devemos ao planeta mudanças no comportamento individual. Quais são as medidas que você, André, toma?
O livro “Mundo Sustentável 2” foi embalado em papel pardo na livraria e todo o papel usado para sua fabricação é certificado ecologicamente. Além disso, na minha casa, toda a madeira usada é de demolição, pois não quero madeira sem saber sua origem. Tenho também um minhocário, usado para fazer adubo. Outra coisa, há três tipos de embalagens de ovo, papelão, plástico ou isopor. Aqui em casa não entra embalagem de isopor, pois não é reciclável e nós fazemos questão que seja.
O livro inclui a reportagem sobre sua experiência como cobaia para medir os níveis de gases nocivos inalados durante um passeio por São Paulo. A poluição é um agressor silencioso, que mata aos poucos. Como abrir os olhos da sociedade para esse problema “invisível”?
Com informação. As pessoas precisam conhecer os riscos, pois é a informação que ilumina o invisível. Dados e medições tornam o problema claro. O papel do jornalismo é mostrar tudo isso, ser a vitrine dos assuntos ignorados ou que vão sendo esquecidos com o tempo e se dispersam. Ser cobaia e ter aqueles aparelhos medindo frequência cardíaca, pressão arterial, inalação de poluentes e outros indicadores importantes à saúde, foi angustiante para mim, mas foi necessário. Ter dados torna aquela situação concreta. O problema da gente é normatizar o risco, ficar acomodado. Talvez por autodefesa a gente prefira não se importar, mas se indignar é nobre. Ecochato para mim é elogio, é mostrar que você vai atrás do que acha certo.
[ No experimento, Trigueiro circulou pela cidade de São Paulo por seis horas – a pé, de carro e de metrô – com equipamentos de medição acoplados ao corpo. Os aparelhos registram, em apenas 20 minutos de passeio, que o índice de monóxido de carbono havia dobrou em seus pulmões. De carro, na Avenida Salim Farah Maluf, a quantidade de material particulado chegou a 811 microgramas por metro cúbico, um nível trinta vezes maior que o padrão da Organização Mundial de Saúde. ]
Além das suas atividades no jornalismo, você também dá aulas. Que tipo de professor você é?
No momento a Rio +20 está demandando muito trabalho e tive que pedir afastamento das aulas que leciono na PUC-Rio. Mas assim que aliviar a minha agenda eu volto, não consigo mais ficar longe de sala de aula. Quem vai ter aula comigo está escolhendo um professor chato, que cobra comprometimento do aluno, pois ali na sala de aula está acontecendo uma coisa que acho muito séria, estou deformando jornalistas. O livro é assim, minha vida é assim. A gente não está aqui para formar nada, está para deformar, tem que desconstruir.
Aproveitando que você falou sobre a formação ou deformação dos jornalistas, como você vê a cobertura de meio ambiente no Brasil?
A cobertura está melhorando. Já foi muito ruim, focada apenas nas tragédias ambientais, furacões, tsunamis… Agora já existem outras pautas de meio ambiente, inclusive pautas “inesperadas”, por exemplo, até bloco de carnaval é notícia de meio ambiente, pois você está falando de resíduo. Questões que antes não eram consideradas questões ambientais agora são levadas em conta, há uma busca pela pauta não óbvia. O radar do jornalismo percebendo essas variáveis é um avanço. Afinal, o meio ambiente não é sinônimo de encrenca, dá pra ser criativo para tornar esse assunto apetitoso.
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Um excelente artigo, amigo. Lembro-me que recomendo o uso de salas de dados virtuais para manter as informações de negócios protegidos perfeitamente contra espionagem e vazamento de dados.