— Inicialmente, a lei era desmatar pra gente não perder a terra [no sentido de ocupar]. Aqui em Feliz Natal teve uma época em que a pecuária tava muito forte e depois foi se tornando inviável para a região. Muita área degradada virou lavoura. Não existia essa tecnologia de fiscalização que existe hoje. Aí de 2008 pra cá que você não pode fazer mais nada.Segundo ele, no início do processo de colonização, o governo federal incentivou a ocupação da região, o que motivou uma onda de devastação descontrolada.
Ele comenta sobre o poder dos órgãos fiscalizadores de confiscar equipamento dos infratores:
— Se alguém perder o maquinário para a fiscalização, estava sabendo. Infelizmente ou felizmente, é o risco que a pessoa corre pela prática do ato ilícito. Essas pessoas, com certeza, sabem do risco.
Perguntado sobre o que fará para reverter a situação quando assumir o comando do município, Dubiella destaca duas ações: contratar engenheiros florestais e ambientais para dar suporte local e tentar trazer para o município o poder de fazer o licenciamento ambiental para empreendimentos de pequeno e médio portes, movimento que se repete em vários municípios de Mato Grosso, de acordo com os locais, para evitar a burocracia e lentidão dos órgãos federais e estaduais. O novo prefeito completa:
— É vergonhoso uma cidade que tem 80% da economia voltada pro setor da madeira e não tem um engenheiro florestal pra dar suporte. Temos muita nascente de rios e margens desmatadas, temos de fazer recuperação de APPs [Área de Proteção Permanente]. Não vou dizer que somos ambientalistas porque não é verdade, mas vamos fazer o que é correto.
Outra tentativa, segundo ele, é tentar trazer para o município uma indústria, como um frigorífico, de forma a tirar o foco da madeira.
Serviços ambientais
Dubiella reclama da falta de apoio para manter a floresta em pé:Segundo o Ministério das Cidades, o município possui 1.17 milhão de hectares de extensão territorial, sendo aproximadamente 350 mil hectares de reservas indígenas pertencentes ao Parque Nacional do Xingu, em teoria intocáveis para qualquer exploração econômica. Do restante, 50.000 hectares são destinados ao manejo florestal e preservação permanente e 700.000 hectares podem ser cultivados.
— O que Feliz Natal ganha em ter 44% de sua extensão territorial de terra indígena? Nada. Não há incentivo da FUNAI ou de qualquer outro órgão federal. Se tivesse uma remuneração, automaticamente você ia preservar. Mas o município não tem 6% de área produtiva!
Segundo ele, é por isso que a ilegalidade prospera:
— Tem gente que desmata 100% da terra, vende e tem lucro. E quem respeita os 80% fica parado e com medo de fazer qualquer coisa com a terra. O correto seria remunerar quem preserva e não generalizar o grupo inteiro porque alguns estão errados, sujando o nome da cidade. A prefeitura não tem como fiscalizar isso.
Ele anuncia que em sua gestão será diferente:
— Não adianta uma cidade com avenida cheia de coqueiros, uma praça bonita e o título de município desmatador.
Já são 8h da noite. O papo com o prefeito eleito durou uma hora. Toni nos oferece uma carona em sua luxuosa SUV branca, mas agradecemos e seguimos para um restaurante próximo dali caminhando sob um chuvisco refrescante.
O animado garçom nos conta uma piada singela de um sujeito que serrava uma árvore quando de repente chegou a fiscalização. Ele então se apoia com um braço na árvore para que a mesma não despenque. O fiscal pergunta o que ele está fazendo ali. Ele diz que está se protegendo do sol, aproveitando a sombra. Quando o fiscal vira as costas, o sujeito grita: “Madeiraaaaaa!” e a tora atinge o fiscal.
Todos os relatos
Chegada a Sinop – a cidade que um dia foi floresta
Dia 1 – A primeira operação de apreensão a gente nunca esquece
Dia 2 – Sobrevoando a maior floresta do mundo
Dia 3 – O desafio da extração legal
Dia 4 – Uma conversa com o novo prefeito de Feliz Natal
Dia 5 – A relação das pessoas com a madeira
Dia 6 – Em busca de soluções para o desmatamento
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