Pouco sabemos de nossos subterrâneos no Brasil. O estudo das cavernas – a espeleologia – ainda permanece uma ciência que carece de recursos para pesquisas científicas. Muitas das cavernas ainda são cercadas de mistério pela dificuldade que se tem de calcular o tempo de formação que pode datar de milhares de anos.
Das mais de 10 mil cavernas registradas no país, pouquíssimas são de fato conhecidas e proporcionalmente é ainda pequeno o número de cavernas estudadas e catalogadas cientificamente disse a ((o))eco o espeleólogo e fotógrafo Adriano Gambarini. O potencial de descoberta de novas cavernas pelo Brasil é enorme. “Tem muito mais cavernas que não são nem conhecidas e nem foram registradas”, prosseguiu Gambarini.
A falta de mapeamento e estudo das cavernas já conhecidas assim como a possibilidade de existirem milhares de outras cavernas ainda inexploradas esbarra no risco de muitas serem extintas sem nem mesmo terem sido descobertas.
Em 2008, o Decreto 6.640 que trata da proteção das cavernas brasileiras alterou a redação de artigos da Lei 99.556/1990 modificando dispositivos que determinavam a edição de lei específica para regulamentar empreendimentos em áreas de cavernas.
Esta mudança, na prática, explica Gambarini, facilita que grandes empreendimentos obtenham autorização para suprimir cavernas que estejam no caminho de projetos econômicos. A maioria das cavernas está em áreas em que economicamente são boas para a mineração. Muitas são formações em solos de calcário, mineral utilizado para a fabricação do cimento, por exemplo.
“Há alguns alguns anos, havia uma legislação que era bem restritiva”, explicou Gambarini.
Graus de relevância
No entanto, “para um país que foca muito mais no progresso econômico que no ambiental, essa legislação foi mudada”, argumentou. Atualmente, sob este novo decreto, a legislação determina graus de relevância de uma caverna.
“É aí onde mora o perigo”, contrapõe o espeleólogo. Segundo a gradação, as cavernas de relevância máxima são as extremamente cênicas com fauna e minerais raros, estas sim devem ser preservadas. Já outras cavernas podem ser suprimidas desde que haja uma compensação ambiental pela empresa.
“Isso é muito relativo. O que pode ser importante para a biologia não necessariamente é para a geologia. Às vezes, numa caverna não há um cristal raro, mas vive uma espécie rara. Como então definir a importância de uma caverna?”, questiona Gambarini ao comentar que, após a mudança na legislação, teve início uma “corrida das empresas” para realizar análises rápidas dos subterrâneos.
O período de estudo da fauna de uma caverna é longo e pode durar, pelo menos, de dois a três anos para que os pesquisadores tenham um parecer técnico sobre a importância daquele ecossistema. “Qual empresa vai esperar três anos?”, indaga.
A atual legislação de cavernas já protege aquelas situadas em áreas de preservação em parques estaduais e nacionais. “Mas isso é pouco, o resto está fora de área protegida. Muita caverna que eu fotografei não esta em área de proteção”, salientou.
Os mistérios das cavernas
Formado em Geologia na USP, em 1991, com especialização em espeleologia, Adriano Gambarini se dedicou, nos últimos 20 anos, à fotografia desses espaços vazios no subsolo brasileiro. É colunista de ((o))eco desde 2007.
Recentemente, Gambarini publicou o livro “Cavernas no Brasil” (Ed. Metalivros) resultado de duas décadas de visitas e imersão no universo das cavernas. “Fiquei tão fascinado pelo tipo de fotografia de caverna e por esse desafio de documentá-las. A minha intenção era desmistificar a caverna, atrair um público que não está acostumado com este tema e mostrar do ponto de vista estético. Existe um mito muito forte das cavernas”, admitiu Gambarini.
De um acervo de cerca de seis mil fotos tiradas em mais de 200 cavernas que ele visitou, o livro reúne uma seleção de 160 fotos de 50 cavernas espalhadas por todo o Brasil.
“O livro não é um compêndio sobre todas as cavernas brasileiras, tanto porque tem regiões que eu não documentei. A espeleologia é recente no Brasil e é uma atividade que se renova a cada instante. É comum a descoberta de novas cavernas com muita frequência”, destacou.
Em seu acervo, Gambarini coleciona idas à maior caverna do Brasil, a Toca da Boa Vista localizada na Bahia, que tem mais de 105 km mapeados. O Vale do Ribeira, ao sul de São Paulo, tem a Caverna de Santana, atualmente com 8,2 km mapeados. A caverna mais profunda que Gambarini já se aventurou foi no abismo do Juvenal, no Vale do Ribeira, com 241 metros de profundidade, o maior abismo de calcário conhecido no Brasil.
Olhar fotográfico
São muitas as histórias por trás de uma foto, cuja imagem, em geral, Gambarini leva tempo estudando minuciosamente antes de fazer o click. Em muitos casos, ele ainda utiliza câmeras analógicas para captar as nuances e belezas naturais.
“As cavernas são absolutamente escuras. O princípio é até simples, eu disparo flashes. Foram 20 anos de aperfeiçoamento de técnicas. Existe um equilíbrio de iluminação para dar a sensação de tridimensionalidade. Eu levo muitos flashes de mão e fico muito tempo lá dentro”, relata.
Gambarini lembra que já teve a oportunidade de fotografar uma caverna que tinha a dimensão de um estádio de futebol no Vale do Ribeira. “Imagina iluminar um ambiente escuro com essa dimensão. Eu demorei muito mais para pensar onde eu ia colocar as luzes, depois mais um tempo enorme para fazer a foto. A maior parte das fotos eu faço com flashes manuais, às vezes levo flashes grandes de estúdio. Nesse caso, eu dormi duas noites dentro da caverna e fiz quatro fotos”.
Gambarini admite que o que mais lhe fascina é o universo de descobertas que pode fazer dentro de uma única caverna.
“Me fascina porque é um ambiente mutável, vivo, como uma floresta. A gente acha que é estática, mas ela é mutável, cresce e se forma permanentemente. A caverna é estática no tempo humano, mas viva no tempo geológico. A cada ida a uma mesma caverna eu vejo coisas diferentes”, ressaltou.
E o que são cavernas?
Parte-se do princípio que qualquer cavidade subterrânea natural que tenha penetração humana seja uma caverna. Uma cavidade formada naturalmente em que o ser humano pode entrar a partir de 5 metros já pode ser considerada uma caverna.
As maiores e mais conhecidas são formadas na rocha de calcário, mineral que tem mais probabilidade de formação de uma caverna como, por exemplo, no Vale do Ribeira, na Chapada Diamantina, em Bonito, no Mato Grosso do Sul, ou também em Goiás e em Minas Gerais. O calcário tem uma estrutura química e física que permite a formação de grandes vazios, explica Gambarini. Existem também outros tipos de cavernas em minério de ferro e arenito.
Os principais fatores que influenciam na formação de uma caverna são a água, o tipo de rocha, a estrutura da rocha e o clima. Por ser um grande espaço vazio dentro da rocha, muitas cavernas tem ou já tiveram rios.
Não é possível calcular o tempo de formação de uma caverna, destacou Gambarini. Até existe a possibilidade de estimar o tempo de vazão de um rio dentro de uma caverna. Mas são técnicas muito teóricas e ainda longe de serem colocadas em prática.
“O que se data numa caverna são as formações minerais, conseguimos datar as estalagmites”, destaca.
Enquanto uma estalagmite cresce no “chão” da caverna, a estalactite se forma no “teto”. Gambarini relata estudos de um colega pesquisador na caverna de Botuverá, em Santa Catarina, que conseguiu datar em 110 mil anos uma estalagmite. “E para existir uma estalagmite já tinha que existir a caverna”, sublinhou.
O mistério é ainda maior se procuramos saber aonde estão as cavernas mais antigas no Brasil. Gambarini é enfático: “não há como saber por causa das inúmeras variáveis”. Ele destaca, no entanto, que no Vale do Ribeira há formações minerais de pelo menos 60 mil anos.
“O que dá para dizer é que o calcário surgiu há 600 milhões de anos e a formação de cavernas há, pelo menos, dois milhões de anos. Mas são valores teóricos, a idade da rocha é ainda uma estimativa teórica”, salientou.
Belezas naturais
Para o fotógrafo e espeleólogo, o desafio de documentar uma caverna é justamente o de retratar de uma forma bonita um ambiente que é escuro. “A maior dificuldade é conseguir equalizar uma luz que trouxesse a beleza da caverna”.
A proposta do fotógrafo, em seu livro, era encontrar um “equilíbrio” nas imagens que dessem um panorama do assunto das cavernas brasileiras e que atraísse o olhar de um público diverso.
“Existe um mito da caverna, tem uma coisa da nossa ancestralidade, a própria história humana está vinculada à caverna. Existe a ideia de que a caverna é um ambiente escuro, claustrofóbico, apertado e desconhecido”, discute.
Através de seu olhar, Gambarini contribui para pesquisas e para aprofundar o conhecimento ainda pequeno que temos de nossas cavernas. “Eu penso esteticamente e visualmente mas sempre querendo trazer informações que agreguem valor à pesquisa”.
*Editado às 18h40, do dia 24/01/2013.
Primeiros efeitos da nova lei de cavernas
As revelações arqueológicas da Gruta do Sumidouro
Cavernas nacionais bem desprotegidas
A história da minha paixão por cavernas
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →