Rio de Janeiro – A bicicleta pode ser um meio de transporte substituto do automóvel para pequenas distâncias de até 5 quilômetros. O Rio de Janeiro é disparado a cidade brasileira com o maior número de ciclovias, são mais de 300 quilômetros, perdendo apenas para Bogotá, na Colômbia, em toda a América Latina. As bicicletas são reconhecidas como um meio de transporte pelo Código de Trânsito. Entretanto, a convivência entre ciclistas e motoristas está longe de ser tranquila.
“Topo tudo”, disse animado Jorge Costa, de 51 anos, perguntado se concordaria deixar a posição de motorista de ônibus e virar ciclista. Mas em seguida, a resposta veio complementada por “… mas não na rua, de jeito nenhum”.
O desafio foi lançado pelo Fórum Internacional da Mobilidade por Bicicleta – BiciRio 2013, neste último dia 23 de setembro, promovido pela Secretaria de Meio Ambiente do Rio de Janeiro. A ideia era que o motorista sentisse por um dia a sensação de pedalar sobre duas rodas ao lado de veículos pesados. Jorge topou a experiência, pois ela foi realizada em um espaço tranquilo e arborizado, na Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio. “Como ciclista nas ruas, eu me sentiria inseguro. Nem todo mundo é compreensivo”, disse.
Desengarrafar a cidade
Pensar em mobilidade sustentável é planejar para que as pessoas usem cada vez menos o automóvel e se desloquem em bicicletas ou veículos afins sem emissão de gases de efeito estufa. A ideia é desengarrafar a cidade. E a bicicleta é uma opção de transporte eficiente, pois serve bem para distâncias curtas, de até 5 quilômetros.
Nas palavras de Altamirando Moraes, subsecretário municipal de Meio Ambiente do Rio, transporte sustentável significa transportar em massa a população e com qualidade, interligando metrôs, trens, corredores de ônibus e bicicletas. “Os principais poluidores do Rio são os transportes, carros de passeio e ônibus movidos a combustíveis fósseis. Toda a questão dos gases de efeito estufa que afetam o planeta vem [no Rio] principalmente do sistema de transporte”, disse a ((o))eco.
Medo nas ruas
A bicicleta foi introduzida no Rio de Janeiro há mais de 100 anos, na virada do Império para a República, e no início das fábricas e vilas operárias. Bicicletas eram trazidas da Europa para facilitar o deslocamento dos trabalhadores. Mas a difusão do carro como meio de transporte individual criou uma concorrência que torna as vias perigosas.
“As pessoas ficam com medo de enfrentar os carros pesados na rua, sem contar o medo de ruas violentas e o símbolo do status que o carro se tornou. Tudo isso mudou a nossa cultura ao longo dos anos”, afirmou José Lobo, um dos fundadores da ONG Transporte Ativo. “A bicicleta está voltando pela imobilidade, problemas ambientais, de espaço e saúde nas cidades. Ela é um veículo super simples, um pedal, uma correntinha e duas rodas. O carro está sendo mal utilizado, as pessoas usam para qualquer coisa, até para ir à padaria em vez de ir a pé”.
Segundo estudo realizado em 2012 pelo pesquisador Luiz Augusto Ritta, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o medo é o principal motivo que impede o uso de bicicleta como transporte urbano. E não é por menos, o trânsito brasileiro é violento e mata, todos os anos, 40 mil brasileiros em acidentes automobilísticos, mais de 100 vítimas por dia.
“Na rua eu tenho medo de andar de bicicleta. O trânsito é mal educado, os motoristas são mal educados. Tenho bicicleta desde criança, mas só para passear, no centro as ruas são muito apertadas”, disse Jorge Costa, motorista profissional há quase 30 anos. Ele conhece bem o trajeto da Ilha do Governador ao Castelo, no Centro do Rio, e já viu muitas infrações. Ele defende um maior rigor na hora de renovar a carteira de habilitação, especialmente para aqueles motoristas que se envolvem em acidentes.
Segundo ele, hoje já há empresas que têm realizado treinamento dos motoristas de ônibus para conviver com as bicicletas nas ruas, mas não são todas. Ele também defende algum tipo de apoio psicológico para os motoristas: “Vai do emocional do motorista, o trânsito é barra pesada. A gente é ser humano e, às vezes, não tem hora para tomar café, ir ao banheiro e almoçar por causa do trânsito. Já vi motorista comendo no ônibus ao volante”.
Expansão de ciclovias
O Rio conta com 320 quilômetros de ciclovias e a meta é chegar às Olimpíadas de 2015 com 450 km, expandindo para os bairros da Zona Norte, como Méier, Madureira e Engenho de Dentro, anunciou o subsecretário municipal de Meio Ambiente.
Uma boa iniciativa para incentivar ciclistas a pedalar foi o projeto de instalar bicicletários em vários pontos da Zona Sul e Centro para alugar. Esse projeto já funciona há dois anos. São 60 estações com 600 bicicletas. A próxima etapa até o final do ano é de extensão para a Zona Norte e Oeste ampliando para um total de 200 estações com 2.600 bicicletas.
Além deste projeto de aluguel de bikes, a cidade tem cerca de 5 mil bicicletários espalhados e, recentemente, foi sancionada uma lei municipal que obriga shoppings e supermercados a reservar 5 % das vagas para bicicletas. “O Rio tem mais de um milhão de viagens de bicicleta por dia. O objetivo é tirar carro da rua mesmo. Não tem condições de haver 2,5 milhões de carros. Se todo mundo tentar andar ao mesmo tempo fica parado”, disse Altamirando.
Uma convivência possível
Nos últimos três meses, o motorista Jorge Costa participou de uma experiência piloto. Na empresa de ônibus em que trabalha: recebeu um treinamento especializado para lidar com ciclistas nas ruas. Este programa faz parte de uma parceria da Prefeitura com a Fetranspor (Federação das Empresas de Transporte de Passageiros) que se comprometeu a fazer um curso de treinamento com todos os motoristas das 39 empresas de ônibus filiadas. O lema da campanha é “Bicicleta e ônibus, uma convivência possível”.
Educação no trânsito
Segundo José Lobo, do Transporte Ativo, o mais importante é a educação. “A maioria dos percursos que faço hoje não são em ciclovias porque não estão no meu caminho. O deslocamento ainda é nas ruas. A gente tem que sinalizar, educar e conscientizar”, disse.
Para Lobo, o que faz a diferença é o respeito e é isto que as políticas públicas devem enfatizar na hora de promover o uso das bicicletas. Se a bicicleta for mais segura, será possível atrair mais adeptos, especialmente mulheres, crianças e idosos. “É um processo longo. No Brasil, a gente tem uma disputa nas ruas. A mentalidade é motorizada, nosso trânsito é selvagem”.
O percentual de pessoas que se deslocam de bicicleta no Rio não chega a 5%. O ideal, segundo Lobo, seria ter perto de 20% dos cariocas pedalando.
Cerca de 300 km de ciclovias é pouco para uma cidade de 6 milhões de habitantes como o Rio de Janeiro. Na Holanda, só Amsterdã, com menos de um milhão de habitantes, conta com 600 km, e Viena, na Áustria, com uma população de 1,7 milhão, tem uma malha cicloviária de 1.300 km.
Investir em uma ciclovia não sai caro. O custo médio para cada quilômetro gira em torno de R$300 mil. A ONG Transporte Ativo fez um planejamento para ciclorrotas no Centro que custará R$ 6 milhões. Mas como a ideia é implementá-lo em conjunto com as obras de revitalização do porto, também no Centro, o orçamento caiu 10%.
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