Prevista para dezembro, em Lima, no Peru, a 20ª edição da Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP- 20) tem a difícil missão de definir regras e metas concretas para países industrializados e em desenvolvimento e selar um acordo que possa ultrapassar o impasse político que já dura quase uma década para substituir o finado Protocolo de Kyoto. O resultado a buscar são novas medidas globais de combate ao aquecimento global. Um cronograma de trabalho definido pelos líderes mundiais durante a COP-17, realizada em 2011 em Durban, na África do Sul, coloca o ano de 2015 e a COP-21, que acontecerá em Paris, como limites para se começar a agir a tempo de deter o aquecimento da Terra em dois graus Celsius.
A COP de Lima ocorre no país com a segunda maior parcela de bioma amazônico, e isso faz com que a discussão sobre o papel da Amazônia como reguladora climática ganhe atenção especial. Yolanda Kakabadse, ex-ministra do meio ambiente do Equador e atual presidente do Conselho Mundial da organização não governamental WWF (World Wildlife Fund), esteve ontem (8) no Rio de Janeiro para divulgar a Agenda de Seguridade para a Amazônia, criada em 2013 por cinco dos nove países pan-amazônicos: Brasil, Peru, Equador, Colômbia e Bolívia. Kakabadse prega a importância da preservação dos ecossistemas amazônicos não apenas para seus habitantes, mas para todo o planeta. Desde 1993, quando criou a Fundação Futuro Latino-Americano, se dedica a promover o desenvolvimento sustentável nos países da América Latina.
O documento Agenda de Seguridade para a Amazônia explica a função da região de garantir segurança hídrica, energética, alimentar, econômica e de saúde em outras regiões do continente. Este foi o tema central da palestra “Amazônia no Rio”, realizada por Kakabadse na PUC-Rio. A equatoriana criticou a falta de vontade política dos governos: “Por mais que seja horrível, acho importante que alguns poderosos sofram consequências da crise climática, pois, se não há drama, ninguém sente a necessidade de atuar”, disse, em referência à recente adesão à causa ambiental dos líderes Barack Obama (Estados Unidos) e David Cameron (Reino Unido), após incidentes como furacões e enchentes ocorridos em seus países.
Após a palestra, ((o)) eco conversou com Kakabadse. Ela falou sobre os desafios e soluções para a Amazônia e também sobre suas expectativas em relação à COP- 20. Defendeu que a gestão ambiental deve ser transversal, isto é, atinja não só os órgãos ambientais, mas todas as áreas de um governo. Leia a seguir a entrevista:
((o))eco: Quais as suas expectativas sobre avanços nas soluções para as mudanças climáticas na COP deste ano, em Lima, e a de 2015, em Paris?
“A verdade é que nunca a cidade de Nova York entendeu tanto a mudança climática como quando teve um tornado que a afetou por inteiro.”
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O termo “mudança climática” não vende a ideia de urgência desse problema, por isso agora falo em crise climática. Acho que todos precisam falar que estamos em uma crise, porque a palavra mudança não é suficiente para fazer o público se dar conta de que as primeiras vítimas não são apenas os pobres e mais vulneráveis, a primeira e única vítima é a humanidade. As ambições para Lima e Paris devem se juntar, pois Lima vai construir os pilares para Paris. Ainda é incerto o que vai acontecer, porque tudo depende dos líderes que estarão presentes. Se tivermos dois ou três grandes líderes em Lima, as decisões serão importantes, mas isso ainda é impossível de prever porque, apesar dos números estarem aí, assim como as análises e o conhecimento, não há vontade política.
E, por mais que seja horrível, eu vou confessar: para mim é muito importante que alguns poderosos sofram as consequências da crise climática. A verdade é que nunca a cidade de Nova York entendeu tanto a mudança climática como quando teve um tornado que a afetou por inteiro. É triste que o ser humano entenda apenas quando está à beira do abismo, mas a realidade é essa. Cameron (primeiro-ministro inglês) decidiu que a mudança climática, crise climática, é uma ameaça à segurança porque o Sul da Inglaterra inundou.
((o))eco: A reunião do GCF (Força Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas), este ano, aconteceu no Acre, Brasil, e a COP será em Lima, no Peru. Estes são dois países com grandes parcelas do bioma Amazônia. O que isso representa para incentivar a preservação da Floresta Amazônica e seu papel de reguladora do clima?
Ter os responsáveis locais na reunião com os governadores no Acre é uma coisa importante. E assim deve ser em Lima. Porque as decisões que vem de uma esfera muito acima e distante são difíceis de aplicar, mas quando as decisões se tomam naquela localidade, nos governos, nos pequenos estados, elas têm mais potencial de, primeiro, implementar-se em tempos mais curtos e, segundo, de conseguir a participação da comunidade local. E eu acredito que uma perda muito grande hoje em dia, é que a maioria das pessoas não compreende o que é crise climática, o que é risco e insegurança climática. E trabalhar com atores locais de cidades, de populações, de governos e de estados amazônicos é, talvez, o caminho mais eficiente para a preservação da Amazônia.
((o))eco: Qual a melhor solução para conservação da Amazônia e para frear os impactos negativos?
“O ideal seria desmatamento zero. Nesse momento, essa deveria ser a prioridade número um no Brasil e também nos outros países amazônicos.”
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Creio que há várias decisões a serem tomadas. Primeiro, criar políticas públicas para parar o desmatamento. Segundo, estimular uma consciência mais profunda da importância da Amazônia nas crises climáticas, neste momento demonstrada na falta de água que São Paulo vivencia. É preciso também ter uma visão mais integradora no planejamento do Brasil, do Peru, do Equador, da Colômbia e da Bolívia. É necessário ser coerente, a bacia amazônica é um ecossistema compartilhado e se não há coerência política entre esses países, evidentemente estamos no caminho errado. Logo, deve haver integração também entre todos os setores, como água, floresta, agricultura, indústria e construção. É preciso tomar conta de todos os elementos que os afetam, os que são comuns e os que os diferenciam. Se não integrarmos essas disciplinas e essas ações, estamos gerando um impacto mais negativo que positivo.
((o))eco: Quais são os desafios do Brasil?
“Quanto ao agronegócio, ele não é um problema, a não ser que ultrapasse os limites. E toda atividade humana, seja de negócios ou não, precisa de limites.”
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O mais importante é diminuir o desmatamento. O ideal seria desmatamento zero. Nesse momento, essa deveria ser a prioridade número um no Brasil e também nos outros países amazônicos. Além disso, trabalhar juntos, de maneira coordenadas, em ações como a proteção de bacias pequenas, médias e grandes e repensar os projetos de desenvolvimento. Existem projetos de desenvolvimento agrícola, de infraestrutura e energéticos que estão pensados para render frutos em cinco ou dez anos. E isso é ruim, temos que pensar em 50 anos, tomar ações que gerem frutos em longo prazo, senão vamos tomar decisões equivocadas.
((o))eco: Como Ministra do Meio Ambiente do Equador, você viu de perto as engrenagens governamentais que muitas vezes impedem planos de preservação ambiental. Qual a melhor forma de garantir que os governos desses países ajam?
Para ter êxito no governo quando se é ministra do Meio Ambiente é preciso sair da área e negociar com o ministro da Saúde, dizer que é preciso investir mais nos rios, que isso é um benefício para a saúde e para a natureza. Trabalhar com o Ministério de Transportes a respeito de como converter o transporte público em algo que seja benéfico para o meio ambiente e para a cidade. O mesmo com construção, com produção alimentícia para a cidade. O Ministério do Ambiente tem a grande vantagem de poder tecer seus interesses através de todos os outros setores do governo, inclusive os ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.
((o))eco: No Brasil, o agronegócio e as represas hidrelétricas representam dois poderosos setores nacionais. Como você vê essas atividades?
Primeiro, quanto ao agronegócio, ele não é um problema, a não ser que ultrapasse os limites. E toda atividade humana, seja de negócios ou não, precisa de limites. A expansão da área agrícola rompe com a lógica e o equilíbrio natural. Temos que respeitar esses limites, principalmente quando afetam a natureza. Isso também vale para as hidrelétricas. Eu creio na hidroeletricidade, mas também creio que é necessário saber tomar decisões de quanto, onde e de que tamanho. Se resolvermos esses três elementos, as represas são uma grande contribuição. E é preciso também pensar de onde virá a água depois de 50 anos. Não construa uma represa para dez anos. Tem que construir para 30, 40, 50 anos.
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