Reportagens

Aqui jaz uma rodovia ecológica

Quase dez anos depois, trecho da antiga Estrada Real está abandonado e ameaça a natureza na Serra do Cipó (MG).

Matheus Leitão · Raquel Coutinho ·
9 de agosto de 2004 · 20 anos atrás

Há um oásis verde de 34 mil hectares no coração de Minas Gerais. É o Parque Nacional da Serra do Cipó, Patrimônio Natural da Humanidade que concentra o maior número de flores por metro quadrado do país. Em 1995, toda essa riqueza ambiental seria valorizada com a inauguração da MG-10, primeira “rodovia ecológica” do Brasil. Ela só tem um defeito: nunca saiu do papel. 

Hoje o que se vê lá é uma estrada esburacada com canteiros de obras abandonados há tempos. Seus 60 quilômetros cortam a Serra do Cipó e margeiam o Parque Nacional, ligando Cardeal Mota, distrito de Santana do Riacho, ao município de Conceição do Mato Dentro (a pouco mais de 100 quilômetros de Belo Horizonte).

O trecho corresponde a uma boa parte da antiga Estrada Real, principal rota do ouro e dos diamantes das Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. O traçado original passava pela Serra do Cipó, chegando até a cidade histórica de Diamantina. A região é dotada de grande diversidade biológica. O relevo acidentado, formado por encostas rochosas, serve de refúgio para o tamanduá-mirim, o veado campeiro, o lobo guará, a paca, o quati, o tatu, a capivara e a onça pintada. Vários rios e quedas d’água serpenteiam aquele pedaço de cerrado. A cachoeira do Tabuleiro, terceira maior do Brasil com 273 metros de altura, é o cartão postal da região. No alto das montanhas, o campo rupestre, bioma raro e delicado, desenvolve-se com facilidade.

Um paraíso que parece ameaçado pelo descaso. Na altura do km 3, 800 metros da rodovia abandonada foram um dia canteiro de obras. Galões de óleo cheios ficaram para trás – abertos, com seu conteúdo vazando no solo, o que ameaça o verde e as águas. A fina camada de asfalto esfarelou-se. Pelo menos 15 quilômetros da estrada ainda são de terra. Outros 15 têm buracos que assustam até os motoristas acostumados a dirigir no Norte e Nordeste do país. Nos 30 quilômetros restantes o asfalto ainda é razoável. Mas o trecho está longe de cumprir as 25 exigências que autorizaram sua pavimentação e regulamentam uma obra ecológica. Nada de quatro pistas, acostamentos, ciclovias, bueiros para escoamento das águas das chuvas, passarelas ou proteções para os carros em desfiladeiros, como dizia o projeto..

Em quase dez anos de obra incompleta, ora reiniciada, ora paralisada, três governos estaduais revezaram-se na inapetência em consolidar a rodovia ecológica. As fontes oficiais não revelam o valor original do projeto, mas o chefe da Divisão de Meio Ambiente do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), Murilo Fonte Boa, dá um exemplo da desimportância política da MG-10. Segundo ele, a Rodominas, construtora responsável pela pavimentação em 2001, abandonou o trabalho por causa de um atraso no pagamento. O então governador de Minas Gerais, Itamar Franco, que tinha anunciado a destinação de R$22 milhões para a obra, preparava-se para deixar o governo do Estado e o fantasma da Lei de Responsabilidade Fiscal rondava o Palácio da Liberdade. Resultado: o dinheiro não foi liberado. Sobre a atuação dos governos anterior (Eduardo Azeredo) e posterior (Aécio Neves), Fonte Boa nada soube informar.

Em julho, o enredo ganhou novo capítulo. O governador Aécio Neves mandou abrir nova licitação para concluir a rodovia ecológica. Dos 15 quilômetros de terra restantes, três serão de calçamento, para diminuir o impacto ambiental na Serra do Cipó. As obras farão parte do Pró-Acesso, programa de asfaltamento das rodovias mineiras. Mas ainda falta muito para a estrada sair da rota do desperdício de tempo, da malversação de recursos públicos e do desastre ambiental. 

(fotos: Matheus Leitão)

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