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Freio no saque

Governo do Pará quer fazer Zoneamento Econômico-Ecológico para dobrar a extensão de território do estado sob proteção ambiental. Brasília não autoriza o financiamento.

Ronaldo Brasiliense ·
3 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

Segundo maior estado da Federação, com mais de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, o Pará tem, atualmente, 32,45% de suas terras protegidas por reservas indígenas ou quilombolas e por unidades de conservação federais e estaduais. O governo estadual deu início à implantação de um Zoneamento Econômico-Ecológico que pretende praticamente dobrar este percentual dentro das fronteiras paraenses.

Trocando em números, significa que 61,45% de seu território vai ser composto, pelo menos na letra da regulamentação, por áreas protegidas. A proposta de zoneamento defendida pelo governador Simão Jatene amplia ainda de 1,32% para 10% de todo o Pará a extensão de áreas de proteção integral. As áreas de uso sustentável passarão de 9% para 29% do território paraense. Nessas regiões, o uso dos recursos naturais ficará condicionado à implantação de técnicas de manejo ambiental.

No caso específico da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163), que tem preocupado os ambientalistas por deixar regiões ainda intocadas da floresta amazônica vulneráveis ao desmatamento, o zoneamento prevê a criação de novas áreas de proteção integral e de uso sustentável acompanhando as margens da rodovia. Ao formar este corredor, o governo estadual blindaria o avanço das fronteiras já abertas em direção às áreas de floresta da região.

O projeto do governo paraense recebeu o apoio do Grupo Consultivo Internacional (IAG), presidido pelo ambientalista Roberto Smeraldi e formado por especialistas nacionais e internacionais que formulam a estratégia do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7). Todos destacaram o caráter inovador da proposta. Falta apenas o dinheiro para poder tocá-la adiante.

Por essa razão, os planos foram mostrados pelo governador Jatene aos dirigentes do Banco Mundial, em Brasília, numa teleconferência que fez ao lado do secretário-executivo de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Pará, Gabriel Guerreiro. É no banco que o Pará pretende conseguir o financiamento para implantar todo o projeto. “Não se trata apenas de reordenar o espaço, mas de utilizá-lo de forma sustentável para que garanta o bem-estar das gerações futuras”, detalhou Jatene a Vinold Thomaz, diretor geral do Banco Mundial (BIRD) no Brasil, e ao coordenador do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), Gregor Wolf.

Thomaz disse que a idéia era interessante e sugeriu que fosse analisada com atenção pelo governo federal, que aliás conhece a idéia desde o ano passado. Mas parece não ter gostado muito dela. A carta-consulta para o financiamento – que consumirá em cinco anos algo em torno de US$ 15 milhões, parte de um pedido de repasse de US$ 207 milhoes – está parada há meses na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex), do Ministério do Planejamento. Os burocratas do Cofiex devem no entanto, diz Daniel Gross, antropólogo sênior do Bird, autorizar brevemente a remessa de US$ 700 mil, doados pelo governo japonês para o governo do Estado avançar em ações previstas na fase inicial do projeto. Não é muito, mas dá para um começo.

A idéia do zoneamento altera substancialmente o modelo do uso do solo paraense, privilegiando a preservação ambiental. Apresentado aos comandantes militares na região amazônica, o projeto voltou a ganhar elogios. O general Jarbas Bueno da Costa, comandante da Oitava Região Militar apontou que ele estabelece o aproveitamento econômico de áreas que já foram desmatadas e preserva o que ainda resta de floresta. “É esse o caminho que o governo tem que seguir”, disse.

Determinado a conter o avanço desenfreado sobre a floresta nativa, o governador paraense também firmou acordo com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), garantindo o reflorestamento de 200 mil hectares para produção de carvão vegetal a fim de alimentar usinas de ferro-gusa na região de Marabá, no sul do Estado. “O acordo, nesse item, é emblemático da preocupação com o desenvolvimento sustentável”, afirmou Jatene.

Estratégico para o Estado, o zoneamento é também um desafio para o governador. “Temos consciência de que haverá reação para se inibir o avanço do saque sobre a natureza. Mas também temos a mais absoluta convicção de que vamos desencorajar empreendimentos em desacordo com anseios que não são apenas do governo, mas de toda a sociedade”, prometeu.

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