No início de outubro, moradores da Ilha Grande, sul do estado do Rio de Janeiro, conseguiram impedir, na Justiça, a instalação de uma antena de celular. A área é de preservação integral e a obra não tinha licença do Ibama para ser realizada.
É uma situação cada vez mais corriqueira. Para ampliar sua área de cobertura, empresas de telefonia celular multiplicam antenas retransmissoras pelo país, inclusive em unidades de conservação. Mesmo quando a obra passa pelo licenciamento ambiental, o impacto causado na área natural protegida precisa ser compensado financeiramente. Só que até hoje, quatro anos depois de criada, a chamada “compensação ambiental” pouco foi aplicada. O problema é a variedade das situações, dos empreendimentos e das áreas atingidas. Não existia nenhuma metodologia que permitisse calcular o impacto ambiental de cada intervenção e a compensação devida.
Agora existe. Está prestes a virar lei uma proposta inédita no mundo: o Modelo de Valoração Econômica dos Impactos Ambientais em Unidades de Conservação. Ele possibilita uma mensuração financeira dos diferentes danos causados por hidrelétricas, gasodutos, postes de energia elétrica, antenas de celular e qualquer outro tipo de intervenção em áreas de preservação. O estudo foi desenvolvido por um grupo de trabalho do Ibama coordenado pela bióloga Sônia Peixoto, chefe do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, e pela agrônoma Ofélia Willmesdorf, chefe da Floresta Nacional de Ipanema, na região de Sorocaba, São Paulo. Contou ainda com a participação do economista ambiental Peter May e de Breno Herrera, chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim (RJ). Publicado pela primeira vez em 1997, a partir de 2002 o modelo passou a servir de base para os cálculos da compensação ambiental. E o Ibama quer oficializá-lo.
Tanto Sônia como Ofélia convivem de perto com a invasão das antenas de transmissão. O modelo que criaram serviu para analisarem o impacto ambiental gerado nas unidades de conservação que chefiam. Somente na região do Sumaré, na Floresta da Tijuca, há cerca de 170 antenas distribuídas em 10 torres. “As pessoas acham que o impacto é apenas cênico, ou seja, a intervenção visual em um cenário de beleza natural. Mas vai muito além disso”, diz Sônia Peixoto. A bióloga conta que as antenas diminuem o poder de fixação do solo, o que provoca o assoreamento dos rios. Cita também a perda de biomassa e biodiversidade e os impactos associados à manutenção e operação das torres, como a abertura de estradas de acesso para que técnicos visitem as instalações, o que acontece freqüentemente.
Traduzindo tudo isso pelas complexas fórmulas da economia ambiental, chegou-se à conclusão que o Parque Nacional da Tijuca tem direito a receber, das empresas com antenas de transmissão na área, cerca de R$ 8 milhões por ano. O valor é suficiente para custear integralmente a manutenção do Parque, que atualmente recebe R$ 6 milhões do Ibama e da Prefeitura do Rio.
Segundo o economista Peter May, professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), os critérios gerais para a valoração do impacto ambiental levam em conta a área ocupada pela instalação, o impacto sobre a produção de bens (nos casos em que é permitida sua comercialização, como em florestas nacionais e reservas extrativistas), a perda de serviços ambientais (retenção de água, filtragem do ar, equilíbrio climático etc.) e o impacto cênico. “No caso da perda de área utilizada, utilizamos como parâmetro o valor de mercado de uma área semelhante. Se a situação é a da perda dos mananciais hídricos, o valor da compensação deve ser proporcional ao cobrado pelas empresas de fornecimento de água para a capacidade produtora da área atingida”, diz Peter. Outro para o cálculo da compensação é a perda potencial de visitação, que é valorada analisando a diminuição da visitação média ao longo dos anos. A diferença é multiplicada pela taxa que se cobra dos visitantes naquela unidade de conservação.
Na Floresta Nacional de Ipanema, chefiada por Ofélia Willmesdorf, algumas empresas já pagavam compensação ambiental antes de isso ser uma exigência do Ibama. “A TV Globo tem uma antena em nossa área e, desde 2000, cumpre com os aportes anuais. No ano passado ela custeou um projeto de sinalização na Floresta, já que a compensação não é feita em espécie, mas em serviços e projetos sócio-ambientais”, explica Ofélia. Ela cita ainda o caso da Embratel. A empresa tinha duas torres instaladas na área, cada uma com 100 metros de altura. Depois de um estudo tecnológico, ambas foram retiradas e substituídas por uma única torre, mais baixa e robusta, onde todas as antenas foram instaladas. “Foi uma decisão inteligente e tecnologicamente inovadora que, além de contribuir com o meio ambiente, reduziu o valor da compensação”, conclui Ofélia. Atualmente funcionam na área sete torres, um gasoduto (Brasil-Bolívia) e uma sub-estação ferroviária. A compensação total foi calculada em R$ 2 milhões por ano, sendo que 65% deste valor refere-se à área ocupada, 25% à perda de visitação e 10% ao impacto ecossistêmico. “Gostaríamos de usar o local onde estão as torres como um mirante para os nossos visitantes, mas não podemos”, lamenta Ofélia.
No entanto, as pesquisadoras alertam que a compensação ambiental não deve ser vista como uma solução para a falta de recursos oficiais para as áreas protegidas. “Devemos buscar mecanismos limpos de geração de recursos”, diz Sônia Peixoto. Segundo elas, o modelo proposto não está interessado apenas em punir financeiramente, mas sim em criar um novo relacionamento, uma parceria que tenha como objetivo final a preservação ambiental. “É claro que o ideal seria a retirada destas instalações nas próximas décadas mas, enquanto a tecnologia não permite, temos que adotar medidas para diminuir este impacto, como o ordenamento da presença humana, a diminuição da área ocupada e a proposição de normas de conduta”, afirma Sônia. A utilização dos recursos gerados com a compensação ambiental é definida pelo Conselho Gestor das próprias Unidades de Conservação.
Antes mesmo de virar lei, o Modelo de Valoração Econômica dos Impactos Ambientais em Unidades de Conservação já foi apresentado para entidades e especialistas ambientais da Argentina, França, Estados Unidos e África do Sul para sua possível adoção por estes países. Segundo as coordenadoras do grupo de trabalho, no Brasil o modelo ainda não é unânime entre as empresas. Algumas apóiam e cumprem com seu papel ao pagar as compensações, demonstrando responsabilidade social e ambiental, outras confundem a cobrança com um aluguel ou discordam dos valores estabelecidos.
A julgar pelo que aconteceu na Ilha Grande, o comprometimento ambiental das empresas ainda está distante. Não fosse a mobilização dos moradores, uma torre de 30 metros da operadora de telefonia celular Claro seria instalada sem qualquer autorização.
A antena começou a ser construída na Vila Abraão, dentro da área de influência do Parque Estadual da Ilha Grande, sul do estado do Rio. A obra chamou a atenção dos moradores pela ausência das licenças ambiental e do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA-RJ). “Nem a placa com o nome do engenheiro responsável foi colocada no lugar”, diz Alexandre Guilherme Silva, engenheiro, morador da vila há 30 anos e um dos fundadores do Comitê de Defesa da Ilha Grande (Codig). A primeira reação partiu do Instituto Estadual de Florestas, que expediu um Auto de Constatação embargando a obra. Como os responsáveis ignoraram a determinação, a Polícia Militar foi chamada e isolou a área. Em seguida, o Codig e a Sociedade Angrense de Proteção Ecológica entraram com uma ação civil pública na 1ª Vara Cível de Angra dos Reis e conseguiram, no início de outubro, a paralisação total da construção.
Procurada para comentar o caso, a Claro inicialmente negou que a antena fosse sua. Depois voltou atrás e informou, através de sua assessoria de imprensa, que não sabia da obra, feita por uma empreiteira terceirizada. A empresa garantiu que não continuará com a instalação da antena até que seja obtida a licença ambiental.
As pesquisadoras que criaram o Modelo de Valoração estimam que, caso a obra seja aprovada pelo Ibama a empresa terá que pagar cerca de 30 mil reais por ano a título de compensação ambiental. Parece pouco, diante do impacto previsto pelos moradores. “É inimaginável pensar em uma antena com a altura de um prédio de 10 andares cravada no meio de uma vila com apenas 500 casas”, diz Alexandre, do Codig. Por melhor que seja o modelo, certas perdas são inestimáveis.
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Acho muito correto, as antes de transmissão sao sem duvidas um dano ao meio ambiente