Reportagens

Eterna vigilância

Brasil instala em caráter permanente operação de combate a invasão de território brasileiro por madeireiros peruanos. Índios Ashaninkas ajudarão na repressão.

Manoel Francisco Brito ·
15 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

No dia 16 de outubro, Polícia Federal, Ibama e Exército deram partida numa operação permanente de combate à invasão da reserva dos índios Ashaninkas, localizada em território brasileiro na fronteira do Acre com o Peru, por madeireiros peruanos. Eles freqüentam ilegalmente a área há oito anos, e apesar das constantes denúncias dos índios sobre sua presença, foi só no início de outubro que as autoridades brasileiras conseguiram fazer as primeiras prisões em flagrante.

A última aconteceu no sábado, 9 de outubro, quando sete peruanos foram presos com motosserras e 3 mil metros cúbicos de madeira cortada, a maioria mogno. Eles se juntaram a outros quatro, presos na semana anterior, na cadeia da cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre. O repentino sucesso numa caçada que já durava anos deveu-se a uma singela mudança na tática de repressão dos soldados e policiais. Antes, quando eram alertados pelos Ashaninkas que os madeireiros do país vizinho estavam cortando árvores na reserva, eles se dirigiam até o local indicado em helicópteros.

“O barulho dos rotores era o sinal para os madeireiros largarem tudo e saírem em disparada de volta ao Peru”, diz Ida Pietricovsky, consultora do Ibama no combate à extração ilegal de madeira. Em setembro, decidiu-se por um tipo de ação diferente: ir atrás dos peruanos andando pela mata, auxiliados por guias índios. Deu certo. Daí a decisão de instalar um mecanismo de repressão contínua, para o qual o Exército construiu pequenas bases para servirem de pontos de apoio aos soldados e policiais que patrulham a mata. Mas as autoridades, com a benção do Itamaraty, querem mais do que isso e tentam dar ao episódio das prisões caráter de questão diplomática.

Para tanto, vão pedir a transferência dos peruanos presos para Brasília, para julgá-los na capital federal e dar o máximo possível de visibilidade política ao caso. A razão é simples. Apesar dos pedidos do governo brasileiro para que providências fossem tomadas pelo Peru no sentido de impedir que seus madeireiros cruzassem a fronteira, Lima sempre se recusou a reconhecer oficialmente que as invasões aconteciam. Em Brasília, num julgamento onde certamente serão condenados – os peruanos estão enquadrados nos crimes de invasão de território, extração ilegal de madeira e poluição de rios –, acabarão deportados com toda a pompa e circunstância.

Pode servir de lição a outros invasores, mas mais do que isso, a deportação dará ao Brasil um instrumento para pelo menos forçar o governo peruano a discutir a questão. “As invasões de nosso território no Acre são incentivadas por serrarias que estão do lado peruano da fronteira. Muitas delas são chinesas”, diz Pietricovsky. O problema é sério e sua dimensão só se tornou conhecida graças à persistência com que os Ashaninkas o denunciaram. Estima-se que existam próximo de 60 mil índios da etnia vivendo no Brasil e no Peru. O braço brasileiro da tribo, que não chega a contabilizar mil pessoas, sempre foi ativo na defesa da sua reserva, localizada às margens de um rio sinistramente batizado de Amônia. Nunca deixaram de berrar socorro toda a vez que detectaram a presença de madeireiros na área e tiveram um papel fundamental na prisão dos 11 peruanos no início de outubro.

Os índios vão participar ativamente da operação de repressão permanente aos madeireiros ilegais. Terão a função de guiar soldados e policiais pela mata. Os invasores do Peru chegam até a fronteira por estradas abertas nas florestas do país vizinho pelas serrarias. Invadem o Brasil em embarcações por rios e igarapés. Essas vias fluviais são o principal meio de escoamento para o Peru da madeira obtida ilegalmente no território brasileiro.

A presença de fiscais do Ibama nas operações que terminaram com a prisão dos peruanos causou alguma surpresa. Afinal, elas ocorreram em período no qual, oficialmente, os funcionários do órgão estão em greve. Mas só se surpreende quem não tem qualquer intimidade com o Ibama e seus funcionários. “A adesão nas áreas administrativas é de quase 100%”, diz a assessoria de imprensa do Ibama. “Lá na ponta, nem tanto”. O motivo é simples. Dentro do mato, se houver greve, ninguém vê. E se parar, o risco é esquecerem de você. Sorte do meio ambiente.

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