Reportagens

O caminho do poço

Modelo de exploração da madeira na Amazônia sujeita os municípios da região a ciclo econômico de curto prazo que começa na prosperidade e acaba no buraco.

Manoel Francisco Brito ·
10 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

Novo Progresso, município à beira da BR-163, no Oeste do Pará, há 6 anos voltou a fazer juz ao nome. Até então, era cidade quase fantasma, vítima de uma aposta errada no garimpo como motor do desenvolvimento. A virada foi dada pela chegada em suas fronteiras do anabolizante econômico mais em voga no estado: a indústria da madeira. De 1998 para cá, o número de serrarias saltou de 19 para 120. A produção de toras, triplicou. Este ano, encosta em 1 milhão de metros cúbicos. Em números, o resultado é excelente. Pena que ele não vai durar muito tempo. Mais 15 anos, talvez menos, Novo Progresso vai pagar caro por ter aderido ao padrão amazônico – predatório e irregular – de exploração madeireira. Na conta virão devastação ambiental, queda de renda e desemprego.

Se seus habitantes quiserem ter uma boa idéia do que lhes aguarda no futuro, não precisam nem sair do lugar. Basta que olhem para o Leste, mais específicamente para o município de Paragominas, fundado em 1965 por imigrantes vindos dos canteiros de obra da construção de Brasília. A prosperidade da madeira bateu às suas portas na década de 80. A primeira serraria da cidade foi aberta em 1979. Doze anos mais tarde, eram 250. Juntas, empregavam 6.988 pessoas e geravam receita anual de 221 milhões de dólares. Em 2001, depois de desmatar quase metade da área do município, as serrarias não passavam de 60 e mal empregavam mil pessoas. A renda da indústria também desabou. Ficou em torno de 60 milhões de dólares.

“Novo Progresso é hoje a Paragominas de 20 anos atrás”, diz o geólogo Luciano Moreira, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Moreira sabe muito bem do que está falando. Fez parte do grupo de cientistas do Imazon que em 2001 desenvolveu, em conjunto com o Banco Mundial, um estudo do modelo de desenvolvimento na Amazônia baseado na extração predatória e na pecuária extensiva. A conclusão é que a região prendeu-se a um ciclo econômico de curto prazo, ruim para sua população e péssimo para o meio ambiente. Ele se caracteriza pelo crescimento acelerado na partida, seguido de um período de decadência lenta e gradual, que acaba em queda veloz rumo ao fundo do poço. Os pesquisadores batizaram esse ciclo com o nome de “boom-colapso”.

Sua duração é de menos de duas décadas. “São quatro mandatos de prefeito”, explica, tentando ser mais exato, Carlos Souza, diretor do Imazon. O primeiro e o segundo prefeitos deitam e rolam na súbita prosperidade local. A coisa começa a ficar ruim no final do segundo mandato. “Coincide com o fim das espécies nobres de madeira”, diz. A decadência é lenta porque os madeireiros, nessa segunda fase, voltam às zonas exploradas para a recata – como é chamada a colheita das madeiras menos nobres. Mas o prefeito que pega o terceiro mandato já sente na carne a mudança. A arrecadação cai e os empregos começam a escassear. Mal mesmo quem se dá é o quarto prefeito. É ele que vai junto com o município para o buraco. “Quando o custo de buscar tora a 200 quilômetros fica alto, o madeireiro põe a serraria em cima do caminhão e vai embora”, conta Moura.

Para trás, não fica muita coisa. Algumas pequenas operações madeireiras e sobretudo a pecuária, que não é grande geradora de empregos. Também não sobram alternativas ao fim do ciclo de exploração da madeira. A experiência ensinou que a idéia de ocupar as áreas desmatadas da Amazônia com a agro-indústria é fantasiosa. O problema não é tanto a falta de infra-estrutura na região, mas suas condições climáticas. Quanto maior o índice pluviométrico, menor a produtividade agrícola. O Imazon dividiu a Amazônia de acordo com o regime de chuvas e concluiu que ela tem três áreas de climas distintos. A primeira, nas bordas, é seca e mais favorável à agricultura. Mas ela cobre apenas 17% da extensão total do solo amazônico. Os 83% restantes são divididos entre uma área de clima de transição, já mais chuvoso, e outra absolutamente úmida. Nesta última área, a maior das três, só 3,2% do solo é usado para a agricultura.

Paragominas foi o primeiro município da Amazônia onde o Imazon foi checar no detalhe a hipótese do ciclo de boom-colapso que desenvolveu. Moreira promete concluir em janeiro os seus quase 12 meses de investigação sobre o que aconteceu por lá nos últimos 20 anos. Mas até agora, pelo que viu e estudou, o Imazon acertou na mosca.

Paragominas nasceu sob a égide do planejamento urbano. Seus fundadores não vinham apenas de Brasília. Construíram a cidade com base num dos planos de urbanização que concorreu, e perdeu, na licitação para construir a nova capital federal. Sua economia era baseada na pecuária e o município dividido em agrovilas e pequenas e médias propriedades. A população dedicava-se principalmente à produção de mandioca. Não era uma situação próspera, mas pelo menos era organizada. A chegada da exploração da madeira colocou tudo isso de pernas para o ar. A cidade se voltou quase que inteiramente para o corte da floresta à sua volta. Isso puxou para cima tanto a renda quanto o número de empregos gerados por outras atividades econômicas, como a agricultura e a pecuária, mas em nível insuficiente para sustentar o crescimento uma vez passado o ciclo de prosperidade que chegou com os madeireiros.

Houve, em 1997, uma tentativa de trazer a indústria de grãos para as terras de Paragominas, mas não foi coisa que deu muito certo. A soja praticamente não decolou. Sobraram o arroz e o milho. Mas as duas culturas só recentemente ultrapassaram a tradicionalíssima mandioca como maiores geradoras de renda e empregos no setor. A pecuária virou o motor da economia local. É onde está hoje concentrada a massa dos empregos no município. Mas nem assim conseguiu ficar mais importante do que a madeira para a vida de Paragominas, com colapso e tudo. “Metade dos empregos formais de lá ainda se encontra no setor madeireiro”, diz Moreira. “E ele ainda permanece como o principal gerador de renda na região”.

A aplicação da tese do boom-colapso para averiguar e entender o que aconteceu em Paragominas guarda uma lição que pode muito bem ser aplicada para toda a Amazônia. Ela ensina que a extração de madeira foi, e muito provavelmente seguirá sendo, o motor do desenvolvimento econômico da região. Mas há um sério problema com o modelo que ela seguiu, calcado em operações irregulares e exploração predatória, cuja conseqüência habitual é a devastação ambiental e econômica. Os pesquisadores do Imazon advogam maior intervenção governamental para regular as forças do mercado e obrigá-las a praticar o manejo florestal. Seus estudos indicam que o manejo reduz os ganhos nos primeiros anos de exploração da madeira, mas garante a sua existência e sustentabilidade ao longo dos outros anos. É a única saída que resta a Novo Progresso para escapar da sina de virar Paragominas.

Leia também

Notícias
16 de novembro de 2024

COP29 caminha para ser a 2ª maior na história das Conferências

Cerca de 66 mil pessoas estão credenciadas para Cúpula do Clima de Baku, sendo 1.773 lobistas do petróleo. Especialistas pedem mudança nas regras

Podcast
15 de novembro de 2024

Entrando no Clima#35 – Não há glamour nas Conferências do Clima, só (muito) trabalho

Podcast de ((o))eco conversa com especialistas em clima sobre balanço da primeira semana da COP 29

Notícias
14 de novembro de 2024

Sombra de conflitos armados se avizinha da COP29 e ameaça negociações

Manifestantes ucranianos são impedidos de usar bandeira de organização ambientalista por não estar em inglês

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.