Novo Progresso, município à beira da BR-163, no Oeste do Pará, há 6 anos voltou a fazer juz ao nome. Até então, era cidade quase fantasma, vítima de uma aposta errada no garimpo como motor do desenvolvimento. A virada foi dada pela chegada em suas fronteiras do anabolizante econômico mais em voga no estado: a indústria da madeira. De 1998 para cá, o número de serrarias saltou de 19 para 120. A produção de toras, triplicou. Este ano, encosta em 1 milhão de metros cúbicos. Em números, o resultado é excelente. Pena que ele não vai durar muito tempo. Mais 15 anos, talvez menos, Novo Progresso vai pagar caro por ter aderido ao padrão amazônico – predatório e irregular – de exploração madeireira. Na conta virão devastação ambiental, queda de renda e desemprego.
Se seus habitantes quiserem ter uma boa idéia do que lhes aguarda no futuro, não precisam nem sair do lugar. Basta que olhem para o Leste, mais específicamente para o município de Paragominas, fundado em 1965 por imigrantes vindos dos canteiros de obra da construção de Brasília. A prosperidade da madeira bateu às suas portas na década de 80. A primeira serraria da cidade foi aberta em 1979. Doze anos mais tarde, eram 250. Juntas, empregavam 6.988 pessoas e geravam receita anual de 221 milhões de dólares. Em 2001, depois de desmatar quase metade da área do município, as serrarias não passavam de 60 e mal empregavam mil pessoas. A renda da indústria também desabou. Ficou em torno de 60 milhões de dólares.
“Novo Progresso é hoje a Paragominas de 20 anos atrás”, diz o geólogo Luciano Moreira, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Moreira sabe muito bem do que está falando. Fez parte do grupo de cientistas do Imazon que em 2001 desenvolveu, em conjunto com o Banco Mundial, um estudo do modelo de desenvolvimento na Amazônia baseado na extração predatória e na pecuária extensiva. A conclusão é que a região prendeu-se a um ciclo econômico de curto prazo, ruim para sua população e péssimo para o meio ambiente. Ele se caracteriza pelo crescimento acelerado na partida, seguido de um período de decadência lenta e gradual, que acaba em queda veloz rumo ao fundo do poço. Os pesquisadores batizaram esse ciclo com o nome de “boom-colapso”.
Sua duração é de menos de duas décadas. “São quatro mandatos de prefeito”, explica, tentando ser mais exato, Carlos Souza, diretor do Imazon. O primeiro e o segundo prefeitos deitam e rolam na súbita prosperidade local. A coisa começa a ficar ruim no final do segundo mandato. “Coincide com o fim das espécies nobres de madeira”, diz. A decadência é lenta porque os madeireiros, nessa segunda fase, voltam às zonas exploradas para a recata – como é chamada a colheita das madeiras menos nobres. Mas o prefeito que pega o terceiro mandato já sente na carne a mudança. A arrecadação cai e os empregos começam a escassear. Mal mesmo quem se dá é o quarto prefeito. É ele que vai junto com o município para o buraco. “Quando o custo de buscar tora a 200 quilômetros fica alto, o madeireiro põe a serraria em cima do caminhão e vai embora”, conta Moura.
Para trás, não fica muita coisa. Algumas pequenas operações madeireiras e sobretudo a pecuária, que não é grande geradora de empregos. Também não sobram alternativas ao fim do ciclo de exploração da madeira. A experiência ensinou que a idéia de ocupar as áreas desmatadas da Amazônia com a agro-indústria é fantasiosa. O problema não é tanto a falta de infra-estrutura na região, mas suas condições climáticas. Quanto maior o índice pluviométrico, menor a produtividade agrícola. O Imazon dividiu a Amazônia de acordo com o regime de chuvas e concluiu que ela tem três áreas de climas distintos. A primeira, nas bordas, é seca e mais favorável à agricultura. Mas ela cobre apenas 17% da extensão total do solo amazônico. Os 83% restantes são divididos entre uma área de clima de transição, já mais chuvoso, e outra absolutamente úmida. Nesta última área, a maior das três, só 3,2% do solo é usado para a agricultura.
Paragominas foi o primeiro município da Amazônia onde o Imazon foi checar no detalhe a hipótese do ciclo de boom-colapso que desenvolveu. Moreira promete concluir em janeiro os seus quase 12 meses de investigação sobre o que aconteceu por lá nos últimos 20 anos. Mas até agora, pelo que viu e estudou, o Imazon acertou na mosca.
Paragominas nasceu sob a égide do planejamento urbano. Seus fundadores não vinham apenas de Brasília. Construíram a cidade com base num dos planos de urbanização que concorreu, e perdeu, na licitação para construir a nova capital federal. Sua economia era baseada na pecuária e o município dividido em agrovilas e pequenas e médias propriedades. A população dedicava-se principalmente à produção de mandioca. Não era uma situação próspera, mas pelo menos era organizada. A chegada da exploração da madeira colocou tudo isso de pernas para o ar. A cidade se voltou quase que inteiramente para o corte da floresta à sua volta. Isso puxou para cima tanto a renda quanto o número de empregos gerados por outras atividades econômicas, como a agricultura e a pecuária, mas em nível insuficiente para sustentar o crescimento uma vez passado o ciclo de prosperidade que chegou com os madeireiros.
Houve, em 1997, uma tentativa de trazer a indústria de grãos para as terras de Paragominas, mas não foi coisa que deu muito certo. A soja praticamente não decolou. Sobraram o arroz e o milho. Mas as duas culturas só recentemente ultrapassaram a tradicionalíssima mandioca como maiores geradoras de renda e empregos no setor. A pecuária virou o motor da economia local. É onde está hoje concentrada a massa dos empregos no município. Mas nem assim conseguiu ficar mais importante do que a madeira para a vida de Paragominas, com colapso e tudo. “Metade dos empregos formais de lá ainda se encontra no setor madeireiro”, diz Moreira. “E ele ainda permanece como o principal gerador de renda na região”.
A aplicação da tese do boom-colapso para averiguar e entender o que aconteceu em Paragominas guarda uma lição que pode muito bem ser aplicada para toda a Amazônia. Ela ensina que a extração de madeira foi, e muito provavelmente seguirá sendo, o motor do desenvolvimento econômico da região. Mas há um sério problema com o modelo que ela seguiu, calcado em operações irregulares e exploração predatória, cuja conseqüência habitual é a devastação ambiental e econômica. Os pesquisadores do Imazon advogam maior intervenção governamental para regular as forças do mercado e obrigá-las a praticar o manejo florestal. Seus estudos indicam que o manejo reduz os ganhos nos primeiros anos de exploração da madeira, mas garante a sua existência e sustentabilidade ao longo dos outros anos. É a única saída que resta a Novo Progresso para escapar da sina de virar Paragominas.
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