Desta vez não houve liminar impedindo a votação. Na segunda-feira, 17 de janeiro, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) aprovou um parecer da Agência Nacional de Águas (ANA) que garante que a vazão do rio São Francisco é suficiente para o projeto de transposição de suas águas para a região semi-árida. O sim do Conselho abre caminho para o Ibama liberar as licenças ambientais, único obstáculo para o começo das obras.
O parecer que trata da disponibilidade hídrica do rio foi aprovado com 36 votos a favor, 10 abstenções e 2 votos contra. O resultado já era esperado, uma vez que o CNRH é composto, em sua maioria, por representantes do governo federal. O projeto de transposição do São Francisco é o carro-chefe do Ministério da Integração Nacional, com custo total previsto em 4,5 bilhões de reais. Este ano, o orçamento federal destina R$ 635 milhões para o projeto.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, que reúne pesquisadores e representantes da sociedade civil dos sete estados banhados pelo rio, é o principal opositor do projeto de transposição apresentado pelo Governo. Em 2004, o Comitê conseguiu adiar o processo com cinco liminares obtidas na Justiça. A última delas impediu que o CNRH votasse, no dia 30 de novembro, o parecer da ANA que foi aprovado desta vez. O Comitê argumenta que é dele, e não do CNRH, a competência para dar a palavra final sobre a viabilidade da transposição.
Luis Carlos Fontes, secretário-executivo do Comitê, classificou a decisão como “um cheque em branco”, já que não foi mencionado, na reunião, o limite para a utilização das águas do São Francisco. Enquanto o Comitê afirma que o rio tem disponíveis 25 metros cúbicos por segundo para os múltiplos usos pretendidos pelo projeto, o Governo fala em utilizar 63 metros cúbicos por segundo.
Mas este é apenas um detalhe técnico. Na verdade, as deliberações do Comitê já rejeitaram o projeto como um todo. “A sociedade, através do Comitê da Bacia, se coloca contra esse projeto”, afirma o professor Marcelo Cauas, do Instituto Tecnológico de Pernambuco. “O que se discute aqui também é a questão dos investimentos do dinheiro público. Seria essa uma obra prioritária?”, questiona o professor.
Em sua cruzada contra o projeto capitaneado pelo ministro Ciro Gomes, o Comitê vem obtendo cada vez mais adesões. No dia 6 de janeiro, em Salvador, foi criada a Frente Nacional de Defesa do Rio São Francisco e Contra a Transposição, com representantes de entidades da sociedade civil, do Ministério Público Estadual, governos municipais e estaduais e parlamentares. Em seu manifesto, a Frente diz que o projeto de transposição “está longe de cumprir os objetivos humanitários divulgados pelo Governo Federal”, associando-o a “compromissos eleitoreiros e interesses econômicos menores”.
Também incomoda os ambientalistas o atropelo com que o governo vem tentando emplacar a transposição. “O projeto ainda não foi devidamente discutido. O que se questiona é a forma fechada como ele é apresentado, sem muita abertura para a discussão”, criticou o professor Marcelo Cauas.
Apesar da dura oposição, Pedro Brito, ministro interino da Integração Nacional, garante que o processo está sendo bem conduzido. “Nossa equipe técnica trabalhou durante meses e apresentou um estudo em profundidade sobre o assunto. É por
isso que eu estou seguro que o projeto tecnicamente esta bastante sustentado. Após as audiências públicas, o Ibama terá tempo suficiente para analisar o estudo de impacto ambiental que já foi feito, e entregar no final a licença prévia para que o projeto possa ser licitado e iniciada a obra”, afirmou Brito.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e presidente do CNRH, também se mostrou satisfeita. “O processo tem sido feito em total observância da lei, com total independência naquilo que são as nossas atribuições legais e constitucionais. Temos toda tranqüilidade, dentro do cronograma do licenciamento ambiental”, declarou a ministra.
O cronograma é apertado. Como o governo quer ver os tratores em ação a partir de abril, conduz a toque de caixa as oito audiências públicas necessárias para a obtenção da licença ambiental. A primeira foi realizada no dia 15, em Fortaleza, e as outras sete devem estar concluídas até 2 de fevereiro. Marina Silva não concorda que seja preciso mais tempo. “Este programa já vem sendo debatido há muitos anos, em diferentes governos. É claro que o Ministério do Meio Ambiente tem o acúmulo de todas essas informações”, afirmou.
Leia também
Entrando no Clima#40 – Florestas como forças de estabilização climática
Podcast de ((o))eco fala sobre como as florestas têm ganhado espaço nas discussões da COP 29 →
ONU espera ter programa de trabalho conjunto entre clima e biodiversidade até COP30
Em entrevista a ((o))eco, secretária executiva da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU fala sobre intersecção entre agendas para manter o 1,5ºC →
Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia
Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas →