Reportagens

Paraísos perdidos

Unidades de Conservação na Amazônia nem sempre garantem a imunidade à devastação. Maranhão e Rondônia são onde elas mais sofrem com a pressão humana.

Manoel Francisco Brito ·
28 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Trinta e dois por cento da região Amazônica, cerca de 1 milhão e 500 mil quilômetros quadrados, estão dentro de Unidades de Conservação. Nessa categoria incluem-se as Terras Indígenas e áreas que têm jurisdição federal ou estadual, como as de uso restrito – Parques, Estações Ecológicas e Reservas Biológicas –, as que permitem manejo em regime de concessão – Florestas – e as Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável. Levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base nas imagens de satélite obtidas em 2003 pelo Prodes Digital, programa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que acompanha o desflorestamento na região, mostra que apenas 1,6% desse mundo de mato amazônico foi devastado.

Em extensão de terra este percentual dá pouco mais do que 22 mil quilômetros quadrados. Não é pouco, mas considerando-se o tamanho da área que ainda está preservada, o número pode ser tomado como indicação de que a criação de Unidades de Conservação é a melhor maneira de preservar a natureza da Amazônia. “No geral, sim”, diz Adalberto Veríssimo, do Imazon. “No detalhe, essa certeza sai arranhada”. De fato, ao olharem para a situação de cada uma das áreas de preservação na região pelas imagens de satélite, os pesquisadores do Imazon perceberam que nem todas  produziram o efeito desejado.

Florestas Estaduais estabelecidas em Rondônia, por exemplo, fizeram muito mal à saúde da mata amazônica. Rio São Domingos, uma Floresta com 3.070 quilômetros quadrados de extensão, tinha perdido até 2003 mais da metade de sua cobertura. Rio Mequéns, outra Floresta Estadual, está com mais de 1/3 de sua área de 4.172 quilômetros quadrados pelada. A situação em Rondônia é ruim, mas não tão ruim como a do Maranhão. Lá, na terra que já deu ao Brasil um ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, Unidades de Conservação inteirinhas foram varridas do mapa. É o caso das Reservas Extrativistas de Mata Grande e Quilombo do Flexal, que as imagens de satélite indicam terem sofrido 100% de desmatamento.

Todos esses dados constam de um ranking de pressão humana sobre Unidades de Conservação na Amazônia feito pelo Imazon. Nele, Maranhão e Rondônia, seguidos do Mato Grosso, disputam o troféu de campeões do desmatamento em áreas onde, na teoria e na letra da lei, a floresta deveria estar de alguma forma protegida. Rondônia tem a duvidosa honra de ocupar com suas Florestas Estaduais os dois primeiros lugares na lista das 20 áreas protegidas com maior extensão de desmatamento.
















As Reservas Extrativistas do Maranhão lideram a lista das 20 unidades com maior proporção de desmatamento em relação à sua área original.




















Nos dados consolidados pelo Imazon, de cada 100 quilômetros quadrados de áreas protegidas nos estados da Amazônia, no Maranhão já se desmatou 9,01. Em Rondônia, 6,31 quilômetros quadrados. Nenhuma das unidades da federação na região está imune ao problema. Até no Amapá e Roraima, estados onde a presença humana na floresta ainda é reduzida, as Unidades de Conservação estão sofrendo algum tipo de depredação, por menor que ele seja.

“Esses são fatos irrefutáveis que foram capturados pelas imagens do satélite”, diz Adalberto Veríssimo, do Imazon. “Agora precisamos investigar individualmente, por unidades de conservação e por estado, por que elas estão sendo desmatadas”. De fato, pelos dados coletados, não dá para estabelecer uma tendência e um contexto comum para este tipo de ocorrência. Tome-se o caso de Rondônia, onde é inegável que as Unidades de Conservação estaduais estão sendo detonadas e pelo menos uma unidade de proteção federal, a Floresta Nacional do Bom Futuro, segue pelo mesmo caminho. O Parque Nacional dos Pacaás Novos e boa parte das Terras Indígenas no estado, entretanto, permanecem relativamente intactos.

No Pará e no Mato Grosso, quem aparece com destaque no ranking de extensão de área desmatada são as Terras Indígenas. Alto Rio-Guamá, no Pará, perdeu 1/3 do mato que cobre seus quase 3 mil quilômetros quadrados de extensão. Em Maraiwatsede, no Mato Grosso, a floresta desapareceu da metade de sua área de 1.662 quilômetros quadrados. O estado, que foi o campeão do desmatamento no Brasil em 2002/2003, também tem sérios problemas com suas unidades de conservação estaduais. O Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco já perdeu quase 23% de sua cobertura florestal original.

Mas o problema grave com unidades de conservação parece estar graçando mesmo é no Maranhão. Nas suas fronteiras, nada – sejam áreas de proteção integral ou parcial, sejam unidades federais ou estaduais – escapa da praga do desmatamento. Nem as unidades que têm uso restritíssimo. A Reserva Biológica de Gurupi, que deveria preservar uma das mais importantes áreas de biodiversidade da Amazônia, lembra Rodney Salomão, outro pesquisador do Imazon, está com praticamente 20% de seus 2.769 quilômetros de extensão desmatados.

O grande mérito dos dados levantados pelo Imazon é que eles servem para mostrar que ainda há muito a investigar sobre o impacto efetivo dos mais variados tipos de Unidades de Conservação na preservação do meio ambiente. Veríssimo, sem querer generalizar, diz que pelo menos uma coisa parece ser fundamental para que uma área protegida cumpra a sua função de conservação: “a capacidade do poder público de impor a governança legal na região onde ela está localizada”. Ele promete que o Imazon continuará a monitorar a situação dessas áreas de preservação incorporando outras variáveis à análise, como a presença de estradas clandestinas e atividades madeireiras nas suas proximidades. Talvez isso revele que a pressão humana sobre elas é ainda maior.

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