Reportagens

Com os pés nas nuvens

Após seis horas e meia de caminhada chega-se ao Pico Paraná, ponto culminante da Região Sul. Montanhistas da região estão engajados na preservação ambiental.

Romeu de Bruns Neto ·
3 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

A poucos quilômetros de Curitiba, ainda é possível desfrutar o que a Floresta Atlântica e a Serra do Mar oferecem de melhor. Próximo à represa do Capivari (que ganhou notoriedade no noticiário nacional por conta do recente desabamento de uma ponte na BR-116) tem início a trilha que conduz ao ponto culminante da Região Sul, o Pico Paraná.

Para mim, já se tornou uma espécie de ritual caminhar, logo nos primeiros dias do ano, os oito quilômetros que separam a Fazenda do Dílson do Pico Paraná – ou PP, como é conhecido entre montanhistas. Mas não se iluda com essa pequena distância. A trilha tem um desnível de aproximadamente um quilômetro, até os quase 2 mil metros de altitude do PP, e a caminhada é uma oportunidade de testar nossa resistência em diferentes terrenos.

Logo de início uma subida íngreme de cerca de 30 minutos, o chamado “Morro da Desistência”. A seguir uma trilha mais suave, passando pelo Morro Getúlio e chegando à encosta do Pico Caratuva. Contornando essa montanha, a parte mais técnica, entre raízes, rochas e lama, no calor abafado da Mata Atlântica – por sorte, é possível se refrescar nos diversos riachos que descem a encosta. Depois de vencer o Caratuva, vem a subida do Paraná propriamente dita. É a parte mais desgastante, por ser a mais íngreme e por contar com alguns trechos de grampos sobre a rocha.

Num ritmo tranqüilo e com um intervalo generoso para o almoço, fiz a subida em cerca de seis horas e meia (entre as 8h30 e as 15 horas). Mas descansar ou contemplar a vista magnífica que pouco a pouco vai se descortinando não são os únicos pretextos para as paradas. Vez por outra surge algum exemplar da fauna da Floresta Atlântica, como gaviões, tucanos, lagartos e tatus. Um montanhista me contou que topou com um tamanduá na trilha, durante a noite. Quando se chega mais próximo do topo, avista-se andorinhas brincando sobre a crista da montanha. Elas aproveitam o encontro dos ventos sobre a serra e as correntes ascendentes que vêm do litoral.

Como a maioria dos refúgios ecológicos, a região do Pico Paraná – conquistado pela primeira vez em 1941, pelo geólogo e geógrafo Reinhardt Maack – está sob algumas ameaças. A principal é a freqüência crescente de montanhistas “de primeira viagem”. A idéia de alcançar o ponto culminante da região Sul apenas caminhando atrai aventureiros desavisados, que além de desconhecer as dificuldades físicas da empreitada muitas vezes ignoram os cuidados básicos de preservação da natureza. “A multiplicação dos praticantes de esportes radicais provoca uma pressão muito grande sobre essas áreas”, lembra o montanhista e fotógrafo do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Harvey F. Schelenker, que há 35 anos freqüenta os picos da região.

Entre 1996 e 1998, o IAP firmou uma parceria com o Clube Paranaense de Montanhismo (CPM) para orientar visitantes e conservar as trilhas. Também foi feito um cadastro, o que permitiu saber que 50% dos aventureiros estavam ali pela primeira vez e muitos destes não pretendiam voltar. Em um feriado de Carnaval, chegaram a ser contabilizadas 300 pessoas acampadas no Pico Paraná, no Itapiroca, no Caratuva e em outros picos vizinhos. “Apesar de não termos imposto uma limitação ao número de montanhistas, as ações de educação ambiental contribuíram para reduzir bastante a quantidade de lixo, mas isso é algo que precisa ser constante”, afirma o presidente do CPM, Adriano Constantino de Almeida.

Em minha estada de pouco mais de 24 horas no PP, pude testemunhar as conseqüências de um passeio mal programado. Era um grupo de cinco garotas liderado por uma montanhista que havia estado ali apenas uma vez. Elas não conseguiram chegar ao pico e acamparam no chamado Campo Dois (a uns 30 minutos de caminhada do cume). Ali, abandonaram roupas encharcadas, que não quiseram levar de volta provavelmente para fazer uma descida mais leve. E usaram a trilha que conduz à única fonte de água próxima ao pico como banheiro. Me pergunto até agora como uma delas conseguiu passar pelos grampos com a bagagem de mão (detalhe: ela não usava mochila, mas sim uma dessas bolsas esportivas, de alça!).

No final do ano passado, o CPM e o IAP voltaram a se aproximar para retomar as ações de preservação e educação ambiental. O Instituto, que é ligado ao governo estadual, doou madeira e ferramentas para a manutenção das trilhas. O trabalho principal tem a ver com a contenção da erosão e a colocação de degraus (vergalhões em forma de “u”) sobre a rocha, o que resulta em poluição visual mas é menos agressivo do que caminhos contornando as pedras, que favorecem o desgaste do solo pela água das chuvas. “Fazemos periodicamente mutirões de limpeza, conservação e sinalização, com a participação de voluntários”, explica o vice-presidente do Clube, Anderson Bulgacov. “É um trabalho de formiguinha”, resume.

Esse tipo de ação é indicativo de uma tendência entre os grupos de montanhistas que, há cerca de uma década, dedicavam-se quase que exclusivamente à prática esportiva, mas progressivamente foram adotando princípios ambientalistas. O projeto “Adote uma Montanha” é exemplo disso. Iniciada pela Federação de Montanhistas do Estado de São Paulo, a proposta vem ganhando a adesão de clubes em diversos estados. No Paraná, o CPM adotou o Pico Paraná e o Caratuva, assim como os Montanhistas de Cristo fizeram com o pico Anhangava (na Serra da Baitaca), o Águias e o Cosmo com o pico Marumbi (na Serra do Mar) e o Nas Nuvens com o pico Itapiroca. “Hoje, o compromisso maior dos clubes é com o meio ambiente, porque se não cuidarmos de um ambiente frágil como o de montanha o lado esportivo perde o sentido”, avalia George José Volpão, líder do Nas Nuvens. As florestas da região já estão protegidas no papel, mas não na prática. Criado em junho de 2002, o Parque Estadual do Pico Paraná ainda não foi implementado. “O ideal seria o governo adquirir uma área para instalar uma base com polícia florestal, pessoal de resgate e para o atendimento ao público, como já existe no Marumbi”, considera Harvey Schlenker.

O Parque Estadual, com uma área de 4.300 hectares, é uma das 61 unidades de conservação do Paraná. Segundo o chefe do Departamento de Unidades de Conservação do IAP, Marcos Antônio Pinto, a principal dificuldade do governo é a falta de pessoal. “A idéia é implantar um centro de visitantes para que haja maior controle, mas antes disso é necessário elaborar o plano de manejo do Parque e esse trabalho ainda não começou”, diz.

Enquanto o Parque não vem, as dificuldades de acesso e o trabalho de voluntários continuam sendo as principais defesas para a conservação do Pico Paraná.

* Romeu de Bruns Neto é jornalista formado pela UFPR. Foi repórter especial da Gazeta do Povo. Vencedor do Prêmio Esso Regional Sul 2000, atualmente trabalha como free-lancer.

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