Reportagens

Um passo atrás

A opinião geral é que o governo, confrontado por madeireiros e ruralistas em Brasília, afinou. As autoridades garantem que não cederam a nenhuma pressão.

Manoel Francisco Brito ·
4 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

Na reunião que fez com lideranças madeireiras em Brasília na quinta-feira, dia 3 de fevereiro, o governo andou para trás. Convocada no dia anterior para tentar resolver o impasse com madeireiros e ruralistas do Oeste do Pará, que desde meados de janeiro protestam contra duas medidas federais – uma do Incra, ordenando o recadastramento de lotes agrários entre 100 e 400 hectares na Amazônia, e outra do Ibama, suspendendo planos de manejo florestal em áreas com situação fundiária irregular – o encontro terminou com os representantes do governo concordando em rever boa parte do que pensava-se ser inegociável.

Os planos de manejo que obtiveram autorização para funcionar em áreas com título de posse até 30 de novembro de 2004 vão ter sua licença renovada para 2005. Para tanto, seus responsáveis terão apenas que assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), dizendo que não há pendência imediata legal ou conflito social em relação às terras onde se dará o corte da madeira e que elas não estão em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas. Basta a sua palavra. Sobre a data para o recadastramento, tanto a Ata como a nota á imprensa reiteram que ele não foi prorrogado. Mas não informam muito mais do que isso. Em hipótese alguma, diz a ata da reunião, os imóveis serão descadastrados.


Não era bem isso que os representantes do governo que foram à reunião, liderados por João Paulo Capobianco, diretor de Biodiversidade e Florestas do Ibama, e Rolf Hackbart, presidente do Incra, queriam. No caso do recadastramento de terras, topava-se até ceder na questão do prazo dos pedidos de regularização. Mas pretendia-se manter a proibição de pedir créditos bancários para financiar cultivos ou manejos nos lotes considerados em situação irregular. Não deu.

Com relação à revogação da supensão aplicada a 26 planos de manejo florestal em terras que não atenderam às exigências da portaria 010 do Incra, a vontade do Ibama era que ela ficasse restrita aos que pudessem comprovar ser de alta qualidade técnica. Em nota conjunta à imprensa distribuída na noite de sexta-feira, assinada também por funcionários dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente, os órgãos explicaram melhor qual é seu plano de vôo daqui para a frente. Nove desses planos, que estão dentro de reserva extrativista Verde Para Sempre, inaugurada por Lula no final de 2004, estão imediatamente cancelados.

Mas têm uma chance de voltar a operar. Entre uma das medidas emergênciais que o governo tomou para garantir a safra de madeira no Pará está a de regularizar o mais rapidamente possível a extração de madeira em assentamentos do Incra. É coisa sobre a qual nem há muita discórdia. Do ponto de vista legal e administrativo, pode ser facilmente implementada. Logo esses planos que o Ibama deixou trancados em sua gaveta poderão pleitear a sua regularização. Os outros 17 planos de manejo estão autorizados a ser imediatamente retomados. A licença de funcionamento é só para 2005.

Nas dependências do Ibama em Brasília, circulava a palavra flexibilização para explicar o que aconteceu na mesa de negociação. Em público, a postura foi outra. Na avaliação das autoridades, não houve retrocesso.”O Governo Federal não cedeu a qualquer pressão e não recuou…”, diz o texto da nota divulgada na noite de sexta. Sobre as questões fundiárias, lembra que as exigências de recadastramento de terras na Amazônia Legal continua em vigor e dá como exemplo de seus efeitos os mais de 10 mil e 200 registros de lotes acima de 400 hectares. Todos estão proibidos de tomar dinheiro na banca. O texto não explicou a situação do recadastramento de lotes entre 100 e 400 hectares, medida que atingiu muito mais gente e disparou a atual crise.

A ata escrita ao final da reunião de quinta-feira menciona também ações de curto prazo para ajudar a acalmar as coisas sobre as quais nunca houve muita discordância. O governo assumiu o compromisso de até julho deste ano apresentar plano para a implementação de operações de manejo florestais em quatro Florestas Nacionais localizadas em território paraense. Vai também acelerar a liberação dos manejos em áreas de assentamentos de sem-terra feitos pelo Incra e garantiu que fará chegar à pauta do Congresso, em fevereiro ainda, o Projeto de Lei que cria o Serviço Florestal Brasileiro e abre as Florestas Nacionais ao manejo florestal em regime de concessão.

Justiniano Queiróz Neto, da União das Indústrias Florestais do Estado do Pará (Uniflor), preferiu, ao contrário do seu colega Luis Carlos Tremonte, presidente do Sindicato dos Madeireiros do Pará, não cantar vitória. “Fica tudo como estava antes. Voltou-se ao status quo. Precisamos ainda discutir como ficará a indústria florestal a partir de 2006”, disse. “O resultado representa um recuo do governo”, afirma Valmir Santos, do Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon).

Capobianco, do Ibama, através da assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente, tentou amenizar: “Foram mantidas as condições de legalidade na busca do desenvolvimento regional”. O Greenpeace não gostou do que ouviu. Paulo Adário, presidente da Ong acusa o governo de ceder a uma minoria do que chamou de “infratores”. De fato, muita gente hoje na Amazônia acredita que o resultado da reunião fortalece o que há de pior entre as lideranças madeireiras e ruralistas do estado.

“O pessoal novo, que defende a negociação e o entendimento com o governo, que se preocupa com a sustentabilidade da indústria da madeira, saiu chamuscado do episódio”, diz um estudioso do tema baseado em Belém, que transita com razoável facilidade entre todos os lados envolvidos no problema. “Essa turma investiu no diálogo com o governo e perdeu. Ganhou quem defendia o confronto”. O recuo de Brasília deve-se em boa parte às dificuldades do Governo em impor a ordem no Oeste do Pará e Norte do Mato Grosso, onde há quase duas semanas madeireiros, apoiados por pecuaristas – quase todos pendurados em títutlos ilegais de terra – estão bloqueando a BR-163 e sitiando dois municípios na área, Novo Progresso (PA) e Peixoto de Azevedo (MT).

A tensão entre grileiros e governo na região é antiga. Agravou-se com a publicação da portaria do Incra em dezembro e explodiu quando a gerência executiva do Ibama em Santarém, seguindo uma sugestão da Diretoria de Florestas do Ibama em Brasília, revogou a autorização para o funcionamento dos 26 planos de manejo na área. O Incra, aparentemente, não se planejou para ter apoio policial e institucional para a sua portaria e acabou se dando mal. O Ibama, na visão de quem conhece bem a história, meteu-se nela porque deu uma de pato. Ou melhor, sua gerência em Santarém deu uma de pato.

Na prática não havia razão para ela cancelar qualquer plano de manejo. O memorando que saiu da Diretoria de Florestas, assinado por Antonio Carlos Hummel, apenas sugeria que fossem desautorizados os manejos florestais em imóveis com titulagem irregular no recadastramento do Incra. Hummel sabia o que estava fazendo. A linguagem branda de seu memorando destinava-se mais a dar um calço político à ação do Incra do que qualquer outra coisa. Nesse momento, ninguém está colhendo madeira em escala industrial na Amazônia. A quantidade de chuva obriga os homens a deixar a floresta descansar.

A região está na entressafra da colheita de 2004-2005. Só mesmo em abril, maio, é que os cortadores de madeira voltarão a se embrenhar no mato em busca das árvores para suprir as necessidades da indústria este ano. “Santarém precipitou-se”, conta uma pessoa muito próxima à direção do órgão. Até os madeireiros reconhecem que a atitude foi desastrada. O temor agora é que o recuo do governo, pelo menos no curto prazo, signifique dias muito ruins para quem defende a ordenação fundiária na Amazônia e a implantação de planos de desenvolvimento sustentável na região.

Adalberto Veríssimo, do Imazon, acha que as resistências às idéias do governo de implantar Unidades de Conservação e reservas de uso sustentável na região de influência da BR-163, em preparação à pressão humana que naturalmente crescerá por lá quando a estrada for asfaltada, aumentarão. “A reação saiu ganhando”, diz. De fato, em meio aos protestos desta semana em Novo Progresso (PA) e Peixoto de Azevedo (MT), várias lideranças ruralistas e madeireiras discursaram contra a intenção do governador do Pará, Simão Jatene, de criar uma Floresta Estadual no sul do estado, na margem direita da BR-163, com 20 milhões de hectares.

A estrada, aliás, continua bloqueada pelos manifestantes. O senador Fernando Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que assumiu o papel de porta-voz dos ruralistas e madeireiros da região, disse que o Incra se compromete a enviar uma força-tarefa para a região de Novo Progresso até o dia 15 de fevereiro para emitir a posse dos imóveis rurais a quem ele qualificou de “produtores de boa-fé”. Não explicou bem quem são eles. Escora a tal da boa-fé no fato de que todos são trabalhadores e geram empregos na região. Ele acha que uma vez informados dessa ação do Incra, os líderes do protesto recomendarão o desbloqueio da BR-163.

Se o horizonte imediato parece negro, o futuro está no mínimo ainda cinzento. A ata da reunião entre madeireiros e governo estabelece apenas que as regras do jogo ficam como já estavam até o fim deste ano. Para 2006, não há nada definido. O governo parece apostar que a bagunça fundiária e as ameaças ao meio ambiente na Amazônia vão desaparecer com a aprovação pelo Congresso do Projeto de Lei que cria o Serviço Florestal Brasileiro e abre as Florestas Nacionais à exploração em regime de concessão.

Escaldado, Neto, da Uniflor, que é favorável ao projeto, olha para isso com muita cautela. “Bem, primeiro vamos ver se o Congresso aprova. Eu preferia que a aprovação fosse feita por Medida Provisória. Acho difícil que o texto passe em apenas 12 meses”, diz. “Depois tem que ver como vai ficar sua redação final”. Finalmente, lembra ele, há ainda a dúvida sobre a capacidade do governo de fazer a lei valer. “Imagina, se eu sou um madeireiro pequenino, mas absolutamente legalizado, que ganha uma concessão de exploração, chega na área e encontra um grileiro. Ele não vai acreditar no papel, por mais legal que seja, se eu não tiver polícia e Estado atrás de mim. Vou levar bala”.

* Colaborou Andreia Fanzeres.

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