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Vilão de plástico

A restrição aos sacos plásticos é uma tendência mundial. No Rio de Janeiro, lei vetando seu uso foi aprovada em 2004. Mas até hoje não está regulamentada.

Ana Antunes ·
11 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

O saco plástico é um dos mais conhecidos e combatidos problemas ambientais no mundo. Vários países e cidades estão instituindo taxas para o uso ou banindo essas sacolas de seu território. A iniciativa mais recente partiu de São Francisco, nos Estados Unidos. No dia 26 de janeiro, o município aprovou um projeto de lei que institui a cobrança de 17 centavos de dólar por unidade nos grandes supermercados. No Rio de Janeiro, uma lei proibindo o uso de sacos plásticos pelo comércio foi promulgada no ano passado, mas ainda não saiu do papel.

Três grandes redes de supermercados carioca não informaram a quantidade de sacos plásticos distribuídos por suas lojas. Zona Sul, Pão de Açúcar e Sendas culparam o carnaval pela falta de pessoas autorizadas a responder essa simples pergunta.

Aprovado por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente, o projeto de lei de São Francisco ainda precisa ultrapassar mais uma instância para receber a sanção do prefeito. Se passar por essas etapas, a cidade será a primeira em território americano adotar a prática. O valor a ser cobrado pelas bolsas plásticas foi calculado levando em conta os custos que elas geram com limpeza urbana, com a alocação do lixo e com os danos que causam ao processo de reciclagem (quando estão sujas ou misturadas a outros materiais, por exemplo). Anualmente, os supermercados de São Francisco distribuem 50 milhões de saquinhos para seus clientes. Até abril, a cobrança será experimentada nas grandes redes. Se aprovada, a medida pode ser estendida a todo tipo de comércio.

Os defensores da taxa se espelham em outros bons exemplos pelo mundo. Na Irlanda, desde 2002 quem quiser usar saco plástico tem que desembolsar 15 centavos de euro para cada um. Já no primeiro ano de cobrança, a utilização de sacolas plásticas caiu 90%. Na África do Sul, comerciantes que distribuem embalagens plásticas finas (como as de supermercado) pagam multa e podem até pegar cadeia. As bolsas mais grossas são permitidas por serem reutilizáveis e mais fáceis de reciclar. Bangladesh foi mais longe e proibiu o uso de qualquer dessas bolsas. Lá, os consumidores usam bolsas de juta, tradicionais no país.

Depois que a União Européia começou, em 1998, a responsabilizar os produtores e distribuidores pelos resíduos que geram, as grandes redes de supermercados começaram a cobrar pelos sacos. Na Alemanha, os supermercados cobram de 15 a 50 centavos de euro por sacola, dependendo da espessura do plástico. Alguns simplesmente adotaram a bolsa de papel. Mas como a maior parte do comércio é feita de lojas pequenas, que ainda distribuem sacolas de graça, a quantidade de plástico filme não foi reduzida da maneira esperada.

A Austrália está analisando propostas para a redução desse tipo de lixo. Lá, a ONG Planet Ark é a principal defensora da proibição dos sacos plásticos, já adotada pela cidade de Coles Bay. Em seu website, a organização afirma que pelo menos 80 milhões de sacolas acabam nas praias, ruas e parques do país e que o governo gasta 200 milhões de dólares por ano para limpar essa sujeira. Ainda assim, 100 mil animais, entre pássaros, baleias, focas e tartarugas, morrem todos os anos pela ingestão de sacolas plásticas na Austrália. Para reduzir os danos, o governo juntou-se à associação nacional dos comerciantes e estabeleceu a meta de reduzir em 50% os sacos plásticos distribuídos no país até dezembro de 2005.

Na Austrália ou na Bahia, o prejuízo ambiental causado pelos saquinhos é semelhante. Segundo levantamento da ONG Global Garbage, 13 mil resíduos de filme plástico estão poluindo os 93 km entre a Praia do Forte e Sitio do Conde, na Costa dos Coqueiros. Na Costa do Dendê, dados preliminares mostram que a situação é ainda mais alarmante. A ONG diz que, além de causar poluição visual, as sacolas plásticas são ingeridas por animais marinhos, principalmente tartarugas, que as confundem com águas-vivas.

A legislação no Brasil ainda não reflete os avanços internacionais. Uma das poucas propostas nesse sentido veio da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que aprovou em 2004 uma lei abolindo as bolsas de plástico no comércio e determinando que sejam substituídas por outras de papel reciclado. Mas deve ter sido brincadeira de 1o. de abril, data em que foi promulgada. A rígida norma deveria entrar em vigor 90 dias após aprovada, mas sua aplicação ainda não foi regulamentada pela Prefeitura.

E a população, estaria pronta e disposta a mudar seus hábitos? Freguesa de um supermercado na Zona Sul carioca, a aposentada Maria Luisa Vanderlei diz que, “mesmo com todos os senões”, prefere o saco plástico. “Na minha época tinha saco de papel, eles rasgavam à toa”, recorda. Para a dona de casa Zênia Barros, também do Rio de Janeiro, não há diferença entre os materiais. “Dependendo do saco de papel eles são mais bonitos e até mais duráveis”, disse ela, referindo-se às sacolas normalmente distribuídas por lojas de roupa.

Outra alternativa para a diminuição de resíduos é a reciclagem. Mil quilos de plástico levam de 200 a 450 anos para serem decompostos. Apenas 17,5% da produção anual de plástico é reciclada no Brasil, ou cerca de 200 mil toneladas. Destas, em média 29% são de plástico filme, matéria-prima das sacolas. A produção nacional de plástico beira 1,5 milhão de toneladas, o que gera 9% do nosso lixo urbano.

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