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Publicado originalmente por Agência Fapesp
Apesar de guardar semelhanças com a Caatinga e o Cerrado brasileiros, o Gran Chaco, ou simplesmente Chaco, é uma região única no planeta, localizada entre Bolívia e Argentina, com porções no Brasil e no Paraguai. A vida nesse lugar, considerado a maior floresta seca do mundo, exige adaptações bastante evidentes das serpentes. Fugir do calor e subir nas árvores são algumas delas.
Um estudo publicado na revista Ecology and Evolution por pesquisadores do Brasil e do Paraguai mostra que a distribuição das espécies de serpentes no Chaco está fortemente correlacionada com as adaptações que elas adquiriram ao longo da evolução.
“No sul, mais seco, a maioria das espécies é fossorial [vive debaixo da terra], enquanto no norte, influenciado pela Amazônia e outras florestas úmidas, as serpentes são majoritariamente arborícolas. Isso é bastante evidente na morfologia [formato do corpo] desses animais”, conta Hugo Cabral, pesquisador paraguaio que desenvolveu o estudo durante doutorado no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Ibilce-Unesp), em São José do Rio Preto.
O trabalho mostra que a maioria das espécies do norte dessa ecorregião tende a apresentar caudas longas, por vezes chegando à metade do comprimento total da serpente. Isso indica uma característica arborícola ou semiarborícola, pois a cauda é usada para se prender aos galhos das árvores.
Mais próximo da Amazônia, da Floresta Andina e da Chiquitania, outra ecorregião semelhante, a parte mais setentrional do Chaco também é mais úmida, com grande diversidade de árvores que abrigam as espécies adaptadas para viver acima do nível do solo.
No sul, o estudo mostrou que as espécies têm menor comprimento total e cauda curta, além de olhos pequenos. Esses são indicadores de hábitos fossoriais ou semifossoriais. A vida subterrânea é uma adaptação que possibilita a sobrevivência sob as altas temperaturas dessa parte do Chaco, que podem chegar a 48o C. O solo mais arenoso do sul também ajuda na abertura de túneis pelas serpentes.
“Uma das perguntas que tínhamos em mente era se as espécies de serpentes eram distribuídas de modo homogêneo ao longo de todo o Chaco. A análise mostrou que não. A distribuição das serpentes chaquenhas está intimamente ligada ao hábitat, muitas vezes com grupos evolutivos inteiros numa mesma região. Isso mostra a pressão seletiva exercida pelo ambiente”, explica Thaís Guedes, pesquisadora do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) apoiada pela FAPESP e coautora do estudo.
Guedes coordena o projeto “Evolução e biogeografia da herpetofauna: padrões, processos e implicações para a conservação em cenário de mudanças ambientais e climáticas”, financiado pela Fundação.
Os resultados foram obtidos por meio da análise computacional de um banco de dados com medidas de 140 espécies de serpentes do Chaco. Para cada espécie foram levantadas informações sobre o hábitat (aquático, terrestre, arborícola, semiarborícola, fossorial ou semifossorial); comprimentos do focinho até a cloaca, da cauda e total; massa corpórea e tamanho do olho (grande ou pequeno).
Os dados foram sobrepostos a um mapa de distribuição das espécies pelo Chaco, além de informações climáticas, da vegetação e da proporção de partículas de areia no solo.
Região pouco conhecida
“As florestas tropicais ocupam uma parte muito grande da América do Sul e, em parte por isso, não se conhece tão bem outros ecossistemas do continente, como o Chaco, que é riquíssimo em biodiversidade”, diz outro coautor do artigo, Diego José Santana, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Ibilce-Unesp, que orientou o doutorado de Cabral.
Assim como a Caatinga brasileira, o Chaco é negligenciado em estudos sobre biodiversidade. Para piorar, em décadas recentes a região tem sofrido com altos índices de desmatamento. Por isso, entender os processos ecológicos e evolutivos torna-se cada vez mais relevante.
Cabral ressalta que os poucos trabalhos existentes normalmente dão conta separadamente das áreas norte e sul, mas nunca de uma forma integrada, como feito agora. “As espécies não respeitam fronteiras políticas. É preciso uma abordagem mais ampla”, afirma.
Para Guedes, trabalhos como esse são importantes para traçar estratégias de conservação mais eficientes. Segundo a pesquisadora, ao pensar na criação de uma ou mais áreas protegidas, por exemplo, é possível agora definir locais que contenham não apenas o maior número de espécies ou espécies exclusivas (endêmicas), mas também uma maior diversidade de histórias evolutivas.
“Sabendo que provavelmente não se conseguirá proteger todo o bioma, temos informações que podem ajudar a definir áreas com maior potencial para resguardar um maior número de grupos de espécies”, assegura.
O artigo Functional traits and phylogeny explain snake distribution in the world’s largest dry forest ecoregion, the Gran Chaco pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ece3.9503.
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