Reportagens

Chapada dos Guimarães (MT): área frágil sob forte pressão

Governo estadual quer estadualizar o parque federal, cujas características naturais exigem cuidados muito especiais de uso

Aldem Bourscheit ·
9 de outubro de 2023 · 1 anos atrás

Nas últimas semanas, o governo Mauro Mendes (União Brasil) redobrou esforços para assumir a gestão completa do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT). Um projeto aguarda votação na Comissão de Meio Ambiente do Senado. A polêmica ganhou força desde que a administração estadual perdeu uma licitação pública e recursos judiciais para assumir a concessão de serviços na reserva federal. 

Para entender um pouco mais sobre o que está em jogo na inédita proposta, conversamos com Prudêncio Rodrigues de Castro Júnior, pós-doutor em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos (SP) e autor de livros e artigos científicos.

Professor associado da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) na área de geomorfologia, a ciência que estuda o relevo do planeta, o especialista alerta que a Chapada dos Guimarães é uma área naturalmente sensível que sofre uma enorme pressão por loteamentos e outras economias que podem ampliar riscos a moradores e turistas.

Ao longo da carreira, Castro Júnior atuou com Educação Ambiental de comunidades na região entre os municípios de Cuiabá e de Chapada dos Guimarães, onde reside, e para o Serviço Geológico Brasileiro (CPRM). Contribuiu, igualmente, ao projeto “Água para o Futuro”, que identifica, monitora, recupera e preserva nascentes que abastecem a capital mato-grossense, com apoio de equipes locais. 

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

((o))eco – Raramente os solos são citados em discursos ou políticas públicas. Por que isso acontece?

Prudêncio Rodrigues de Castro Júnior. Foto: Arquivo Pessoal

Prudêncio Rodrigues de Castro Júnior – Eu também gostaria de ter essa resposta. Quando se fala em meio ambiente é geralmente sobre proteção da flora e da fauna. Mas como fica o solo, a base onde as plantas crescem e os animais vivem? O solo não é lembrado como um elemento ambiental. Só é recordado como um ator importante quando ocorrem problemas que trazem riscos às pessoas em áreas urbanas ou rurais ou prejuízos ao agronegócio, como erosões e deslizamentos de encostas, de margens de cursos d’água e outras regiões. Ainda pior, quando esses fenômenos ocorrem na maioria das vezes atingem pessoas pobres, que usualmente são obrigadas a viver em áreas de risco. Sob perspectivas como essas, nosso manejo dos solos precisa mudar, pois neles se assentam todas as atividades humanas.

Quais são as características geomorfológicas da Chapada dos Guimarães?

A Chapada é a parte mais alta e mais conservada do Planalto dos Guimarães e está conectada à Depressão Cuiabana por meio de baixadas e escarpas, essas com típicos paredões verticais que, na região, podem passar de cem metros. Essas formações são Áreas de Preservação Permanente (APPs) devido às suas inclinação e fragilidade. Posicionadas nas bordas de paredões de arenito, são naturalmente suscetíveis a erosões e trazem risco às pessoas se forem ocupadas ou alvo de infraestrutura ou turismo inadequados. Intensificar o uso e a ocupação do solo regional faz blocos e paredões caírem com mais frequência. Essa é a principal característica dos solos na Chapada dos Guimarães. Eles são naturalmente frágeis e exigem que projetos a serem implantados sejam desenhados de forma muito cuidadosa para não ampliar riscos aos ambientes e às pessoas. 

Os solos e rochas regionais, de arenito e argilito, foram formados por deposição, correto?

Sim. O argilito é geralmente mais resistente que o arenito, mas ambos são basicamente sedimentares, formados pela deposição de sedimentos, tanto marinhos quanto de um antigo deserto. Isso começou a ser estruturado há milhões de anos, quando Brasil, África e outras regiões globais estavam unidas [no supercontinente chamado Pangeia]. 

Em 2008, seis pessoas ficaram gravemente feridas num desmoronamento no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. Deslizamentos já afetaram o trânsito pesado nas rodovias que ligam a região à capital Cuiabá e Campo Verde. Isso deixa essa fragilidade ainda mais clara?

Sem dúvida. Esses acidentes acontecem todo ano e sobretudo em janeiro, o mês mais chuvoso na região. Grandes blocos chegam a interromper o trânsito nas rodovias e estradas. É um problema corriqueiro, mas não só a queda de blocos, mas os escorregamentos e erosões também. Esses fenômenos estão se intensificando junto com o maior uso do solo regional. 

O que isso representa para o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães?

O parque está na Região Metropolitana de Cuiabá, que é a região do estado que mais cresce em termos demográficos e de urbanização. Ela é formada por cinco municípios que tendem, assim como em outras regiões do país – como Brasília, São Paulo e Belo Horizonte –, a se tornar uma única malha urbana. Além disso, as pressões sobre o parque crescem por suas beleza cênicas e naturais, por sua proximidade com a capital, menos de 70 km por rodovia asfaltada, por questões religiosas – o município tem a igreja mais antiga do estado, onde muitos casamentos ocorrem –, por festivais culturais e musicais, e pelo clima mais agradável. Cuiabá está a 150 m de altitude, enquanto a Chapada está a 800 m de altitude. Como a temperatura reduz 1ºC a cada 100 m de altitude, essa diferença de 650 m entre as cidades garante temperaturas em média 6ºC menores na Chapada dos Guimarães. Por tudo isso, é cada vez maior o número de pessoas comprando ou construindo casas para fim de semana ou que moram aqui e se deslocam diariamente para trabalhar em Cuiabá. Também há mineração de ouro no entorno da área protegida [na Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada dos Guimarães] . Com isso tudo, vão crescendo os estabelecimentos comerciais, restaurantes, pousadas e afins. A Chapada dos Guimarães vem sofrendo uma pressão muito grande.

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Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, um dos alvos dos projetos de projetos de lei no Congresso. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quais os impactos da mineração quando comparados com outras atividades?

A mineração parece não degradar uma área muito grande, como é o caso da agricultura, mesmo que essa procure atuar com conservação do solo. Ao mesmo tempo, a mineração destrói tudo que tem no lugar e, depois, deveria ter planos para recuperação das áreas degradadas, aprovados pelos órgãos ambientais. Ao mesmo tempo, sabemos que, mesmo que se recupere um local impactado, ele nunca será exatamente igual ao original, nem cumprirá as mesmas funções e serviços ecológicos.

A crise climática global pode acelerar ou fortalecer as quedas de blocos e deslizamentos de terras na região?

As alterações do clima poderão sim ter efeitos colaterais na região. Caso traga mais chuvas, esses problemas aumentarão de carona. Sem dúvida. E se o calor aumentar ainda mais em Cuiabá, uma das cidades mais quentes do Brasil, a Chapada dos Guimarães se tornará um refúgio climático ainda mais procurado.

E quanto às tentativas de estadualização do parque pelo governo estadual? Parlamentares de oposição ao governo Mauro Mendes dizem que a área justamente não é um “parque de diversões”.

Um parque nacional é uma categoria de unidade de conservação que permite determinados usos. E o principal uso de um parque nacional é a preservação. E mesmo quando há turismo, como no caso da Chapada dos Guimarães, ele deve servir para a educação ambiental dos visitantes. A área protegida é uma escola, um livro aberto sobre a natureza, sobre geologia, geomorfologia, biociências e outras áreas. Por isso que tantas escolas, professores e universitários usam o local para aulas práticas ao ar livre. Na prática, não sei o que pretendem com a estadualização do parque, mas isso poderá alterar suas funções atuais. Ou seja, será que suas atribuições e restrições atuais de uso serão mantidas caso sua gestão seja repassada ao governo estadual?

Qual o caminho político para assegurar a manutenção do parque nacional e reduzir riscos a turistas, moradores e outros públicos?

Avalio que é necessária uma ação mais forte do governo federal, sobretudo do ICMBio, responsável pela administração do parque. São necessários mais funcionários, pois os atuais e eventuais voluntários não dão conta da gestão da área, prevenção e controle de incêndios. Vejo que, com maior apoio federal, perderia força essa ideia de estadualização, de que o estado ofereceria melhores serviços e assim por diante. Não sei se o estado do Mato Grosso tem a mesma capacidade que o ICMBio para administrar um parque nacional com essas características. Nossas unidades de conservação têm que ser fortalecidas.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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Comentários 1

  1. Joe diz:

    O que não vemos nas reportagens são as informações do garimpo da família Mendes, que está na região