Documentos vazados pelo Greenpeace nesta quinta-feira (21) mostram que Brasil, Argentina, Austrália, Arábia Saudita e outros países com grandes emissões de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis e pecuária fizeram pressão para mudar o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU.
O relatório serve de base para que governos subsidiem suas ações em relação ao tema e terá papel chave nas negociações que vão ocorrer no âmbito da 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em Glasgow, a partir de 31 de outubro.
Emissões produzidas pela pecuária
Segundo os documentos revelados pela organização, Brasil e Argentina, dois dos maiores produtores de carne bovina e ração animal do mundo, argumentaram contra as evidências no relatório preliminar de que a redução do consumo de carne é essencial para cortar as emissões de gases de efeito estufa.
O relatório preliminar do IPCC afirma que “as dietas à base de plantas podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 50% em comparação com a dieta ocidental com emissão intensiva média”. Segundo sugestões feitas pelo Brasil ao relatório, isso é incorreto.
De acordo com os documentos obtidos pelo Greenpeace, o Brasil defende que “as dietas vegetais não garantem por si mesmas a redução ou o controle das emissões relacionadas” e afirma que o foco do debate deve ser sobre os níveis de emissões dos diferentes sistemas de produção, e não sobre os tipos de alimentos.
Ambos os países pedem aos autores que excluam ou alterem passagens do texto que se referem a “dietas à base de vegetais” como tendo papel importante no combate às mudanças climáticas, ou que descrevam a carne bovina como um alimento de “alto teor de carbono”.
A Argentina também pediu que as referências a maiores taxações sobre a carne vermelha e à campanha internacional “Meatless Monday” (Segunda sem Carne), sejam removidas do relatório.
O país vizinho do Brasil recomenda “evitar generalizações sobre os impactos das dietas à base de plantas nas opções de baixo carbono”, argumentando que haveria evidências de que dietas à base de carne também podem reduzir as emissões.
O Brasil, que tem registrado aumentos significativos nas taxas de desmatamento na Amazônia, também contesta a referência que o relatório faz a isso ser resultado de mudanças nas regulamentações governamentais, atestando que a afirmação é incorreta.
As informações foram confirmadas ao UOL por diplomatas envolvidos no processo negociador.
Combustíveis fósseis
Grandes produtores de combustíveis fósseis, incluindo Austrália, Arábia Saudita e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) pressionaram o IPCC para excluir ou enfraquecer uma conclusão-chave de que o mundo precisa eliminar os combustíveis fósseis “urgentemente”.
Um assessor do ministério do petróleo saudita exige que “frases como ‘a necessidade de ações urgentes e aceleradas de mitigação em todas as escalas …’ sejam eliminadas do relatório”.
Funcionários do governo australiano rejeitaram a conclusão incontestável de que uma das etapas mais importante para reduzir as emissões é a eliminação progressiva das usinas de carvão. Em vez disso, esse grupo defende que a tecnologia de captura de carbono, altamente criticada, desempenhe um papel maior na redução de emissões.
O governo australiano também pediu para ser excluído da lista dos maiores produtores e consumidores de carvão do mundo, apesar de este país ser o quinto maior produtor de carvão do mundo entre 2018 e 2021.
Os documentos vazados também mostram que o governo Suíço se posicionou contra o financiamento de ações de redução de emissões em países pobres, por parte de países desenvolvidos, e que diferentes nações do leste europeu argumentaram a favor das usinas nucleares como alternativa à produção de energia.
Documentos vazados
As informações publicadas pelo Greenpeace vêm um vazamento de mais de 30 mil documentos de governos, empresas, academia e outros setores que contribuem com sugestões para o relatório preliminar do “Grupo de Trabalho III” do IPCC – uma equipe internacional de especialistas que está avaliando as opções restantes da humanidade para reduzir a quantidade de gases de efeito estufa da atmosfera.
Segundo porta-vozes do IPCC, o Painel tem autonomia para decidir, com base em comprovações científicas, quais sugestões serão aceitas.
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