A Administração Oceânica e Atmosférica americana (NOAA) atualizou nesta quinta-feira (11) suas previsões, indicando ser de 90% a chance de o fenômeno El Niño ocorrer com intensidade no segundo semestre de 2023. Para a Amazônia, isso pode significar uma temporada intensa de incêndios, com cenários devastadores, alertam cientistas.
Na última semana, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) já havia indicado que as chances de as águas do Pacífico saírem de um estado neutro para El Niño era de 60% entre maio e junho, aumentando para cerca de 70% em junho-agosto, e 80% entre julho e setembro.
“Acabamos de ter os oito anos mais quentes já registrados, embora tenhamos tido um resfriamento de La Niña nos últimos três anos e isso funcionou como um freio temporário no aumento da temperatura global. O desenvolvimento de um El Niño provavelmente levará a um novo pico no aquecimento global e aumentará a chance de quebrar recordes de temperatura”, disse o Secretário-Geral da OMM, Prof. Petteri Taalas, no comunicado intitulado “Prepare-se para o El Niño”.
Entenda o que é o El Niño
O El Niño é um fenômeno oceano e atmosférico que ocorre simultaneamente e de forma interdependente. Ele se manifesta principalmente no aquecimento das temperaturas da superfície do Oceano Pacífico na região equatorial e na redução dos ventos nesta mesma região.
“A temperatura aumenta porque os ventos são fracos e os ventos são fracos porque a temperatura aumenta, por isso dizemos que é um fenômeno acoplado e de longa duração”, explica Marcelo Seluchi, coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Com a modificação do padrão de circulação atmosférica sobre o Pacífico, o El Niño também muda a distribuição de chuvas e altera a temperatura em várias partes do planeta.
Os eventos do El Niño são normalmente associados ao aumento das chuvas em partes do sul da América do Sul, sul dos Estados Unidos, Chifre da África e Ásia central. Em contraste, o El Niño também pode causar secas severas na Austrália, Indonésia, partes do sul da Ásia e norte da América do Sul.
O El Niño ocorre, em média, a cada dois a sete anos, com episódios que duram geralmente de nove a 12 meses. Essa periodicidade, no entanto, precisa ser vista com cautela, explica Seluchi.
“Nós já tivemos anos seguidos com o fenômeno do El Niño. Nós tivemos agora nos últimos anos uma La Ninã prolongada, então varia muito”, diz.
O último fenômeno da La Niña – o oposto do El Niño, quando há resfriamento das águas Pacífico Equatorial e aumento da intensidade dos ventos – durou inesperados três anos e acabou oficialmente em março passado.
No Brasil, o El Niño é responsável pela alta precipitação no sul e aumento da severidade da estiagem no norte. No Sudeste e Centro Sul, o fenômeno se manifesta com menor intensidade, mas já é esperado que, em 2023, o inverno seja mais quente nessas regiões.
Amazônia sob risco
O desmatamento na Amazônia atingiu números recordes nos últimos meses do governo de Jair Bolsonaro e, mesmo com a mudança da política ambiental com a chegada de Lula à presidência, a taxa de destruição do bioma continua alta.
Entre agosto de 2022 – quando começa o chamado calendário do desmatamento – até abril deste ano, foram derrubados cerca de 6 mil km² de floresta e degradados outros 15 mil km², segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
À primeira vista pode não parecer, mas os dados do desmatamento estão diretamente ligados – e recebem influência – do fenômeno El Niño.
“No El Niño, a Amazônia se torna ainda mais quente e mais seca do que ela já está por causa das mudanças climáticas, ou seja, o El Niño tem um efeito mais forte, porque está agindo em cima de uma floresta que já está modificada em termos de clima. Além disso, é um ano que a gente sabe que está com muito desmatamento, muita derrubada que não foi queimada, o que significa que vai ter muita fonte de ignição, muito fogo de desmatamento que pode escapar para dentro das florestas”, explica Erika Berenguer, pesquisadora das Universidades de Oxford e Lancaster (Reino Unido) que estuda degradação florestal, fogo e desmatamento.
Segundo ela, devido às mudanças climáticas, a Amazônia já está 1,5ºC mais quente e com períodos de seca uma semana maiores, quando comparado com os padrões na década de 1970.
A soma entre mudanças climáticas, El Niño e grande quantidade de matéria orgânica no chão da floresta tem como resultado uma Amazônia altamente inflamável.
“Como a Amazônia é muito úmida, em anos sem El Niño, quando o fogo entra no chão da floresta, na liteira, como é chamada essa camada de folhas e galhos caídos no chão, mesmo na estação seca, o fogo morre. Durante um El Niño isso não acontece, o fogo entra e se propaga e é muito difícil combater o fogo dentro da floresta amazônica”, diz.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, entre 2015 e 2016, quando secas severas atingiram a Amazônia devido o El Niño, cerca de 2,5 bilhões de árvores e cipós morreram devido à falta de umidade e incêndios, em uma área que representa apenas 1,2% de toda florestal tropical brasileira.
Historicamente, o fogo tem sido usado como etapa final do processo de desmatamento. Primeiro entra o trator de esteira, colocando as árvores no chão. Depois de retirada as toras com valor comercial, o restante da matéria orgânica é queimada, para limpar a área. Além disso, as chamas também são usadas para limpar pastos e roçados.
“Tivemos um final de ano com muito desmatamento. Só que não dá para queimar esse desmatamento no final do ano, quando ainda é muito úmido. Os desmatadores estão esperando o verão amazônico, a estação seca. Acredito que a gente vai ter muito, mas muito fogo escapando pra dentro da floresta, por isso eu que estou muito apreensiva. Para evitar uma verdadeira catástrofe, logo no primeiro ano do governo Lula a gente precisa de medidas imediatas de combate à degradação”, diz.
De forma geral, cerca de 50% das árvores morrem após a passagem do fogo. Mas esse cenário pode ser ainda pior. Um estudo publicado no final de abril na revista Nature mostrou que as árvores da região Sul da floresta estão mais propensas a morrer com as mudanças no clima e nos padrões de chuva.
Assinado por 80 pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras – como Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e Universidade de Leeds, no Reino Unido – o estudo indica que as árvores nesta região já podem estar em seu limite fisiológico.
Segundo seus autores, a identificação da vulnerabilidade das árvores nas diferentes regiões da Amazônia pode contribuir para políticas de conservação nas áreas mais suscetíveis a eventos climáticos extremos – como os potencialmente trazidos pelo El Niño.
“Ações para diminuir o aquecimento global e parar o desmatamento são essenciais”, sublinham.
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