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Energia nuclear vale a pena para o Brasil?

Governo discute finalizar obras da usina Angra 3, ao custo de pelo menos 20 bilhões de reais. Mas qual é o papel da energia nuclear na transição energética do país?

Matheus Ferreira ·
29 de agosto de 2023 · 1 anos atrás

O Brasil estuda produzir mais energia nuclear como opção de transição energética. O assunto voltou à pauta em maio, durante uma audiência na Comissão de Minas e Energia, na Câmara Federal, que contou com a presença do ministro Alexandre Silveira. 

Para a expansão atômica, o governo depende do término das obras de Angra 3, usina que ainda precisa de 20 bilhões de reais em investimento para funcionar.

Angra 3 está em construção desde 1980. A obra foi parada, mais de uma vez, por motivos diversos, incluindo denúncias de corrupção e pelo custo que representava.

Localizada na cidade de Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro, a obra já custou R$7,8 bilhões – 62% do projeto está pronto. O ministro qualificou a usina como “incontestável”, defendendo o papel dela na segurança elétrica do país.

Angra 3 está em construção desde 1980. Foto: Divulgação PAC/Agência Brasil.

O setor nuclear demonstra otimismo com o governo do presidente Lula. Em 2009, no seu segundo mandato, Lula retomou as obras da usina Angra 3, que estavam paradas há 23 anos. As obras foram paralisadas, novamente, em 2015. 

O governo Lula demonstra que não pretende deixar as obras da usina paralisadas e incluiu o estudo de viabilidade técnica, econômica e socioambiental das obras de Angra 3 no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado recentemente.

Mas afinal, qual é a importância da energia nuclear no Brasil, em um cenário de transição energética? 

O peso da energia nuclear para o Brasil

Angra 2, em Rio de Janeiro. Foto: Divulgação/Eletronuclear.

Com uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, quando comparado a outras nações, o Brasil dispõe de fontes mais baratas para zerar as emissões de gases de efeito estufa.

Dados da Empresa de Pesquisa Energética mostram que mais de 70% da capacidade brasileira de produzir energia deriva de fontes sem emissão de dióxido de carbono. A maior parte é ocupada por hidrelétricas, responsáveis por 58% da potência instalada, seguidas por turbinas eólicas (12,6%), painéis solares (3,9%) e usinas nucleares (1,1%).

O Brasil conta com dois reatores de fissão de urânio: Angra 1, que entrou em operação em 1985, e Angra 2, que começou a operar em 2001. Juntas, as duas usinas podem produzir até 1.990 megawatts (MW). Se finalizada, Angra 3 poderia sozinha produzir 1.405 MW. 

Segundo a Eletronuclear, empresa estatal responsável pela operação, a potência da nova usina seria suficiente para atender 4,5 milhões de pessoas, o que equivale a 3% do consumo de energia do Brasil.

Clarice Ferraz, pesquisadora do Grupo de Economia de Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que usinas nucleares funcionam como energia de base  – um tipo de eletricidade gerada de forma ininterrupta para a demanda do país.

Nas usinas nucleares, reatores utilizam o urânio como combustível, e o material passa por um processo de fissão nuclear. Ao ser dividido em outras partículas, o mineral libera energia que serve para aquecer um reservatório de água. O vapor liberado movimenta turbinas que geram eletricidade, permitindo uma geração constante.

Mas, segundo Ferraz, o Brasil precisa de fontes que produzam energia de forma flexível para balancear as imprevisibilidades de uma matriz energética dependente de sol e vento. 

Lula no Parque Eólico Chafariz Santa Luzia. Foto: Ricardo Stuckert/PR.

“Opções que estocam eletricidade de diferentes modos, como reservatórios de hidrelétricas, baterias ou hidrogênio verde, têm sido valorizadas por essa razão”, continua Clarice.

“A nuclear não modula. Leva dias para ligar, dias para desligar. Não é uma fonte que entra e sai”, continua Clarice. “Não adianta criar capacidade instalada porque consumo e demanda são instantâneos. O sistema opera de forma desequilibrada quando se cria um excesso de potência com fontes caras na frente das baratas”.

O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) estima que cada megawatt produzido por hora em Angra 3 deve custar $726 reais brasileiros – o que seria modo de produção de energia mais cara no Brasil. 

Só depois de 16 anos o valor cairia para $244/MWh, preço ainda superior à eletricidade produzida por hidrelétricas ($220,80/MWh), de acordo com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

“O preço vai ser rateado por todos os usuários da rede elétrica porque precisam bancar os investimentos da planta e do combustível”, explica a pesquisadora. “Os tomadores de decisão precisam pensar no sistema elétrico completo para dizer se uma fonte é ou não pertinente”, diz. “No caso de Angra 3, não é”, assegura. 

América Latina e outras opções

Para Gilberto de Martino Jannuzzi, professor de sistemas energéticos no Centro Interdisciplinar para Planejamento de Energia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a energia nuclear já foi bastante discutida na América Latina, mas hoje ocupa pouco espaço no debate de transição energética.  

Dados da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) confirmam essa tendência. A Argentina, com três reatores nucleares em operação e um outro em construção, e o México, com dois, são os únicos países da região, além do Brasil, que têm usinas. No mundo, 30 países operam 442 reatores nucleares, segundo a IAEA.

“Mesmo que do ponto de vista climático a energia nuclear seja uma opção, na América Latina há opções mais competitivas e sem riscos ambientais, como eólicas onshore (localizadas no continente) ou offshore (localizadas em alto mar)”, argumenta Jannuzzi. 

A energia eólica é uma opção mais competitiva e com menos riscos ambientais. Foto: Ricardo Stuckert.

Um estudo do Instituto Escolhas, em parceria com a consultoria de energia PSR, calcula que se o investimento em Angra 3 fosse substituído por investimento em geração solar no sudeste, haveria uma economia de $12,5 bilhões ao longo de 35 anos.

A geração solar na região não só diminuiria o custo de redes transmissão, segundo o estudo, como também o custo por hora, no valor de $328/MWh. 

Jannuzzi explica ainda que soluções como sistemas de armazenagem de eletricidade, como baterias, aliados a uma política inteligente de gestão da demanda, teriam mais impacto do que uma usina nuclear. 

Outro foco de políticas de impacto seriam esforços de eficiência energética. “Para produzir mais, com menos eletricidade, precisamos de políticas que transformem de equipamentos a edificações. Não é uma resposta apenas da rede elétrica, mas de até mudança de estilo de vida.”

Riscos ambientais

Usina Nuclear de Angra, Rio de Janeiro. Foto: Divulgação do Governo Federal

O risco de ocorrer um acidente em uma das usinas nucleares brasileiras é muito menor do que o risco de rompimento de uma hidrelétrica, por exemplo. Mas um possível acidente nuclear teria consequências bem mais desastrosas.

O reator utilizado em Angra 1 e Angra 2 é o PWR, o tipo mais utilizado no mundo. Com ele, o processo de fissão é controlado com água pressurizada. É diferente do reator de Chernobyl, que usava grafite para controlar o processo – após uma explosão de vapor, o grafite pegou fogo.

O plano de emergência das duas usinas (Angra 1 e 2) estabelece um raio de 3 km que precisaria ser evacuado, no caso menos grave. O caso mais grave prevê problemas em um raio de 15 km.

Segundo análise da Faculdade de Engenharia Nuclear da Universidade do Rio de Janeiro, o risco radiológico de Angra 3 é de uma vez a cada 10 milhões de anos.

Em 2022 o Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, renovou a licença ambiental de Angra 3 por seis anos.

O argumento a favor da energia nuclear

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estima que o preço para desistir da obra chegue a R$13,6 bilhões de reais, já que envolve rescisão de diferentes contratos, desmobilização da parte construída, compensações ambientais e renúncias fiscais. 

Questionada sobre a viabilidade do projeto, a Eletronuclear afirma que Angra 3 trará segurança ao abastecimento elétrico do Brasil porque vai diversificar a matriz elétrica do país. 

A produção de energia constante, diz a empresa, resolve a variação da disponibilidade de sol e vento. A Eletronuclear também afirma que, por ser próxima aos centros urbanos, Angra 3 evita o congestionamento nas interligações e a necessidade de caras linhas de transmissão. 

Já sobre o alto preço da tarifa, a Eletronuclear afirma que o valor ainda está em análise pelo BNDES. Sobre a segurança, a estatal argumenta que os impactos ambientais serão mínimos.

Rafael Garcia, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e especialista na fabricação e caracterização de combustível atômico, concorda que o risco de impacto ambiental é baixíssimo quando comparado a outras formas de geração. “A energia nuclear é confiável, segura e emite menos gases de efeito estufa”, afirma. 

Garcia defende o uso de energia nuclear em substituição a combustíveis fósseis, como o carvão mineral, por exemplo. “O combustível fóssil causou mais mortes por doenças relacionadas à poluição atmosférica do que qualquer acidente nuclear”, argumenta. Hoje o carvão é responsável por 1,2% na produção de energia do Brasil. 

“O Brasil deveria expandir sua capacidade nuclear porque possui uma das maiores reservas de urânio do mundo, e é um dos poucos países que domina o ciclo completo do combustível, desde a extração do urânio na natureza até a fabricação e uso do combustível”, opina. 

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, para operar Angra 1 e 2, o país precisa de 450 toneladas ao ano do mineral. Se Angra 3 entrar em operação, a quantidade deve passar para 800 toneladas.

Para o pesquisador do IPEN, a tecnologia nuclear está em evolução, com a fabricação de reatores menores cuja fabricação deve ser mais rápida e fácil. “Podem representar uma grande vantagem para o país”. 

*O artigo original foi atualizado para ((o))eco.

Este texto foi produzido com o apoio de Climate Tracker América Latina

  • Matheus Ferreira

    Mestre em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista. Passou pelas redações da Amazônia Latitude e da Folha de S. Paulo, cobrindo serviço público, ciência e cultura. Trabalha atualmente na revista Consumidor Moderno.

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