Durante sete dias, conservacionistas de todo mundo se reuniram em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos (EAU), para trocar experiências, aprendizados e pautar ações necessárias no enfrentamento da crise da perda de biodiversidade e climática. Ao todo, quase dez mil pessoas passaram pelo Congresso Mundial de Conservação, realizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) entre os dias 9 e 15 de outubro. País-sede do evento, os Emirados Árabes Unidos apostam em inovação e tecnologia para enfrentar esses desafios na conservação da natureza e no enfrentamento da emergência climática.
As metas do país no Acordo de Paris, que incluem o desafio de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa (net zero) até 2050, ao mesmo tempo em que segue com a exploração de combustíveis fósseis; e os esforços na proteção de espécies ameaçadas como o órix-da-arábia e o dugongo são destaques na fala da ministra de Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do país, Amna bint Abdullah Al Dahak.
Em entrevista a ((o))eco, a ministra defendeu a necessidade de soluções inovadoras para resolver a lacuna de financiamento climático – um dos maiores nós que a COP30 espera desatar – e de “investir em soluções impulsionadas pelo Sul Global para o Sul Global, porque queremos que os investimentos e os fundos possam ir para aqueles que mais precisam”, afirma.

Na contagem regressiva para a Conferência do Clima (COP30), que será realizada em Belém, no Brasil, a ministra reforça ainda o papel da IUCN e das resoluções aprovadas durante o congresso para dar embasamento científico aos debates e negociações que acontecerão na COP. “É muito oportuno realizar o congresso neste momento, antes da COP30 em Belém, para garantir que tenhamos um caminho claro, bem informado pela ciência, proveniente da IUCN, que é a maior organização científica que trabalha com natureza e biodiversidade”, apontou durante a entrevista.
Confira a entrevista completa com a ministra Amna bint Abdullah Al Dahak:
((o))eco: Os Emirados Árabes Unidos sediaram a COP do Clima em 2023 (COP28) e acabam de sediar o Congresso Mundial de Conservação da IUCN, o maior encontro de conservacionistas do mundo. O que significa para o país receber esses líderes na agenda climática e ambiental?
Acho que, ao longo das últimas décadas, os Emirados Árabes Unidos provaram ser uma potência em convocar o mundo. Estamos enfrentando enormes desafios no mundo e esses desafios nunca podem ser vistos de um único ângulo, pois têm efeitos em cascata sobre os seres humanos e outras formas de vida em todo o planeta. Mesmo que ocorram em um lado do globo, afetarão o outro lado. E com desafios tão grandes, é necessário ter um centro para reunir a vontade global de discutir esses desafios, abordá-los de forma transparente e prática e, a partir dessas discussões, chegar a soluções, declarações e acordos que ajudem a organizar os esforços globais para alcançar ou implementar uma solução que tenha impacto na prática.

E os Emirados Árabes Unidos, por natureza, têm sido muito inovadores e ambiciosos. Viemos de um lugar onde há escassez de recursos naturais. Vivemos em um ambiente árido, com altas temperaturas e outros desafios. Mas isso nunca nos impediu de explorar soluções inovadoras para esses desafios. Portanto, encarar cada desafio de forma inovadora e tentar encontrar soluções criativas é algo que também está bem enraizado em nossa identidade. E com essas crenças, eu diria que na estratégia e nos valores dos Emirados Árabes Unidos, a colaboração e a inovação impulsionam o desenvolvimento sustentável. Isso é algo que permitiu aos Emirados Árabes Unidos se tornarem este lugar de encontro do mundo, seja na COP 28 ou no Congresso da IUCN, passando por outras plataformas globais que virão aos Emirados Árabes Unidos para abordar esses desafios globais e encontrar soluções eficazes.
O país foi um dos protagonistas dos esforços para salvar o órix-da-arábia (Oryx leucoryx) da beira da extinção. Como você vê o trabalho do país na agenda de proteção da biodiversidade?
Mais uma vez, isso vem da identidade dos Emirados Árabes Unidos e dos nossos valores. O programa de reprodução do órix-da-arábia foi iniciado pelo nosso pai fundador, Sua Alteza Zayed bin Sultan Al Nahyan, no final da década de 60, quando percebeu que o órix estava prestes a ser extinto na natureza e que tínhamos uma chance muito limitada de recuperá-lo na natureza. Então, ele iniciou esse programa pioneiro de reprodução em cativeiro para o órix-da-arábia. E agora temos a maior população da espécie nos Emirados Árabes Unidos, tanto em nossas áreas de conservação quanto fora delas.
E temos outra história, relacionada ao dugongo. Uma das nossas maiores áreas de conservação marinha, a Reserva da Biosfera Marinha Marawah da UNESCO, aqui em Abu Dhabi, tem a segunda maior população de dugongos do mundo, depois da Austrália. E é a primeira em termos de densidade populacional dentro desta área. Chega a ter até sete dugongos por 1 km². E isso não é surpresa, pois os Emirados Árabes Unidos também têm 6% da grama marinha do mundo, que é a principal fonte de nutrição dos dugongos. Os Emirados Árabes Unidos mantiveram o ecossistema natural que permitiu que essas criaturas prosperassem na natureza. E esta é uma das nove áreas-chave de biodiversidade identificadas nos Emirados Árabes Unidos, que abrigam espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Essas áreas-chave contribuem para a conservação dessas espécies e para garantir que seu ambiente seja mantido intacto, a fim de garantir que continuem a prosperar na natureza.

O Congresso Mundial da Conservação tem um foco muito grande em biodiversidade, mas cada vez mais a pauta do clima tem ganhado espaço. E o inverso acontece nas COPs do Clima. A poucas semanas da COP 30, que ocorre no Brasil, quais suas expectativas para a conferência?
Acho que isso também traz um enorme significado para este Congresso da IUCN, realizado logo antes da COP 30, que será no Brasil, em Belém, no coração de uma das áreas com maior biodiversidade do mundo. Considerando todas as resoluções e todas as moções discutidas no Congresso da IUCN, e as decisões que serão tomadas a partir dessas mais de 100 moções votadas pelos 1.400 membros, entre representantes de governo, ONGs, setor privado e outras entidades. Essas moções informarão a implementação da Estrutura Global de Biodiversidade [Global Biodiversity Framework] e também informarão muitas das discussões que ocorrerão na COP30. É muito oportuno realizar o congresso neste momento, antes da COP30 em Belém, para garantir que tenhamos um caminho claro, mesmo após Belém, bem informado pela ciência, proveniente da IUCN, que é a maior organização científica que trabalha com natureza e biodiversidade.
Os Emirados Árabes Unidos se comprometeram em sua NDC com a meta de emissões líquidas zero (net zero) de gases de efeito estufa até 2050. Qual será o caminho para conseguir isso nos próximos 25 anos?
Os Emirados Árabes Unidos foram o primeiro país a apresentar seu NDC e o primeiro país da região [Península Arábica] a ratificar o Acordo de Paris, além de termos sido o primeiro país da região a anunciar sua estratégia de zero emissões líquidas para 2050. E continuamos a ser consistentes e comprometidos com nossa agenda de ação climática. A agenda das mudanças climáticas precisa de mais consistência em termos de compromissos. Muitos países já apresentaram seus NDCs, e isso mostra que, mesmo que alguns países não estejam declarando a ambição certa, seja em seus planos ou, às vezes, na ambição final. Mas há progresso. Precisamos garantir que sempre haja progresso e que não fiquemos parados. E precisamos garantir que esse progresso continue em direção à meta final, o norte que foi definido, e garantir que mantenhamos o 1,5ºC ao nosso alcance. Muitas das ambições e NDCs são desafiadoras porque temos uma lacuna de financiamento climático no espaço climático. E é por isso que a COP do Azerbaijão (COP29) e a COP do Brasil (COP30) estão muito focadas em fechar essa lacuna financeira. E é por isso que, no primeiro dia da COP28, [realizada em Dubai] os Emirados Árabes Unidos se concentraram em mobilizar o fundo de Perdas e Danos, que é vital para muitos países vulneráveis e é a chave para começar a implementar mais ações de resiliência em países que são vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Sobre financiamento, qual a posição do país sobre como esse fundo deve funcionar?
Acho que uma coisa que mencionei em uma resposta anterior é como vemos a inovação. E a inovação está presente em tudo. Portanto, uma das coisas em que os Emirados Árabes Unidos também se concentraram durante a COP28 é como criar modelos de financiamento mais inovadores. Sempre houve um desafio quando se trata de fechar a lacuna financeira na ação climática. Portanto, os modelos de financiamento tradicionais podem não funcionar, mas precisamos encontrar modelos mais inovadores e mais práticos, aplicáveis no contexto de cada país. Uma das coisas que os Emirados Árabes Unidos iniciaram e que foi anunciada por Sua Alteza, o presidente dos Emirados Árabes Unidos, em seu discurso na COP28, foi o anúncio do Fundo Altérra, um fundo de US$ 30 bilhões criado pelos Emirados Árabes Unidos para impulsionar soluções climáticas.
E o fundo identificou sua primeira oportunidade de investimento, no qual está co-investindo US$ 100 milhões em uma startup da Índia, a Evren, para a transição energética. O principal objetivo do fundo é investir em soluções impulsionadas pelo Sul Global para o Sul Global, porque queremos que os investimentos e os fundos possam ir para aqueles que mais precisam. E aqueles que realmente mais precisam provavelmente serão os que impulsionarão as soluções mais práticas, soluções que serão acessíveis, escaláveis e sustentáveis dentro de seus contextos. E acho que este é o começo e o início de muitas outras oportunidades de investimentos que também serão identificadas. Então, voltando à pergunta, estamos dizendo que a inovação no financiamento climático deve ser a prioridade. Como podemos criar modelos de financiamento ou de investimento mais inovadores que permitam aos países atingir seus NDCs e avançar para alcançar suas emissões líquidas zero de maneiras mais práticas e pragmáticas?
Os Emirados são um país dependente economicamente dos combustíveis fósseis e que pretende continuar explorando essa fonte, apostando na captura e armazenamento de carbono para reduzir suas emissões. Como tem sido os investimentos do país para alcançar sua meta?
Então, precisamos analisar isso de forma estruturada. Quando falamos em alcançar um caminho para o net zero, há mais de uma camada de intervenções que precisam ser consideradas em nosso caminho para alcançá-lo. Nosso caminho para o zero líquido está distribuído em seis setores principais. E esses setores têm suas ações e projetos que foram identificados, porque estamos falando de uma estratégia de 25 anos. E junto com a estratégia, você precisa avaliar e ajustar seu curso de ação e alterar os projetos e iniciativas para atingir o objetivo final. Quando você fala sobre reduções de emissões, você tem essas intervenções com múltiplas estruturas e camadas. Começa-se por melhorar a eficiência das redes elétricas. E, se você lembra do consenso dos Emirados na COP28, identificamos dois objetivos principais para reduzir as emissões no que diz respeito ao consumo de energia. Um é duplicar a eficiência energética e outro é triplicar as energias renováveis. Portanto, a eficiência das redes elétricas é o fator número um para alcançar ou reduzir as emissões de GEE [Gases de Efeito Estufa].
E os Emirados Árabes Unidos iniciaram uma aliança global para a eficiência energética, na qual queremos trabalhar com outros países para melhorar sua energia, a eficiência energética das suas redes elétricas, para que possamos reduzir coletivamente as emissões de gases de efeito estufa a partir daí. Porque, como dizemos, este é um desafio global. A ação de um único país não vai alcançar o objetivo final. Portanto, tudo o que fazemos e alcançamos com alto nível de excelência nos Emirados Árabes Unidos, pensamos em como transferir esse conhecimento e essa implementação para outros países, para que possamos elevar a implementação e alcançar esse objetivo em todo o mundo. Então, esse é um nível. A seguir você tem as fontes de energia limpa. Os Emirados Árabes Unidos investiram US$ 150 bilhões até agora em energia limpa. O país tem algumas das maiores usinas solares. Temos, por exemplo, a usina solar Mohammed bin Rashid Al Maktoum, que é a maior do mundo em um único local. E essa experiência também foi transferida como oportunidades para outros países por meio da Masdar, uma de nossas empresas líderes em energia limpa.

Temos também outros projetos, como o das usinas nucleares de Barakah, que hoje cobre 24% das nossas necessidades energéticas nos Emirados Árabes Unidos. E temos visto crescimento na contribuição da energia solar para a energia limpa dos Emirados Árabes Unidos com esses mega projetos que estão sendo executados.
Agora, passando daí para o sequestro de carbono que você perguntou. A extração de carbono pode ser vista de dois lados. Você tem as soluções baseadas na natureza, e as soluções de captura, armazenamento e uso de carbono. E ainda há muitas oportunidades em aberto globalmente, porque a tecnologia certa ainda não foi totalmente desenvolvida para que possamos obter valor econômico do carbono capturado e, assim, colocá-lo de volta na economia. E isso o tornará mais escalável, mais impactante para muitos países. Então olhamos também para as soluções baseadas na natureza, nas quais os Emirados Árabes Unidos têm se concentrado muito em nível nacional e global.
Em nível global, os Emirados Árabes Unidos iniciaram com a Indonésia a Mangrove Alliance for Climate [Aliança dos Manguezais para o Clima, em tradução livre], que agora já conta com 45 países, que juntos representam 60% do ecossistema de manguezais do mundo. E isso mostra a força dessa aliança. Estamos elaborando iniciativas dentro da estratégia dessa aliança para canalizar fundos para diferentes países, a fim de restaurar e reabilitar esses ecossistemas. E se olharmos como estamos alcançando isso em nível nacional, nos comprometemos com o plantio de 100 milhões de árvores de mangue até 2030. E embora essa seja uma meta muito ambiciosa, se pensarmos em alcançá-la da maneira convencional, talvez não seja a coisa certa a se fazer. Mas também desenvolvemos tecnologias para alcançar isso. Temos uma startup chamada Nabat que domina tecnologias baseadas em drones para o plantio de manguezais e tem uma taxa de sucesso de 40%. Se comparar isso com outras tecnologias semelhantes em todo o mundo, você verá que essa é a maior taxa de sucesso para uma tecnologia projetada para o plantio de manguezais usando drones. Ela faz vigilância, identifica as áreas para plantio e faz o plantio propriamente dito. Portanto, há muito esforço sendo feito nessa frente.
A partir de tudo isso, você pode ver que existe uma metodologia muito estruturada quando se trata de alcançar nosso objetivo de emissões líquidas zero. Mas, como eu disse, precisamos avaliar e corrigir o caminho à medida que avançamos. É por isso que também estamos muito focados em projetar nosso sistema de monitoramento, relatório e verificação, para que possamos ter uma visão abrangente de todas as emissões no país e identificar nossas ações corretivas à medida que avançamos, não nos tornando reativos, mas sim proativos para alcançar nossos objetivos.
Qual sua visão, como ministra, pro futuro? Você acredita que o planeta está no caminho certo?
Uma coisa que sempre fomos é otimistas. E acho que devemos continuar a cultivar esse espírito de otimismo e esperança em todo o mundo. Vimos como o mundo se uniu neste Congresso [Mundial da Conservação da IUCN], o maior congresso que já testemunhamos, e vimos os compromissos de todas as partes interessadas e dos 1.400 membros que fizeram parte dele. Estamos no caminho certo? Acho que, como disse, desde que tenhamos progresso e não nos desviemos do nosso objetivo final, eventualmente chegaremos lá.
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