Espalhada por 17 estados, a Mata Atlântica é uma das regiões no planeta onde populações de anfíbios mais encolhem. As causas incluem um fungo asiático e as alterações do clima. Sapos, pererecas e demais espécies ajudam a manter o equilíbrio ecológico e controlar insetos transmissores de doenças.
A constatação do declínio veio após um time de pesquisadores mergulhar em décadas de estudos científicos e coleções históricas de museus. Alguns obstáculos no caminho da pesquisa foram dados precários e mudanças nos padrões científicos ao longo do tempo, como para coletas de amostras.
Mas o esforço foi recompensado pela comprovação de uma forte queda em 169 populações de 106 espécies, ou cerca de 15% das 700 espécies de anfíbios conhecidas na Mata Atlântica. As perdas se concentram em estados do Sul e Sudeste. Há cerca de 8 mil dessas espécies no mundo, sobretudo nos trópicos.
“Os resultados mais do que dobram o declínio relatado em estudos anteriores e posicionam a Mata Atlântica entre as eco-regiões com as maiores taxas de declínio e extinção de anfíbios do mundo”, destaca o zoólogo Luís Felipe Toledo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e líder da pesquisa.
O trabalho publicado na revista Biological Conservation é de cientistas inclusive das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Estadual Paulista (Unesp), universidades de Michigan e Estadual da Pensilvânia (Estados Unidos). A pesquisa foi apoiada com recursos públicos da Fapesp, CNPq e Capes.
O estudo aponta que a redução nas populações atingiu especialmente espécies das famílias Cycloramphidae, Hylodidae e Phyllomedusidae, que vivem somente em pequenos riachos abrigados sob as árvores. “Essa especialização as torna mais suscetíveis a uma série de impactos”, explica Toledo.
Outra “especialista” é a perereca Scinax peixotoi, que habita somente a ilha Queimada Grande, a 35 km do litoral de Itanhaém (SP). Ela é encontrada especialmente dentro de bromélias, plantas que acumulam água das chuvas.
No Brasil, há 2 espécies de anfíbios declaradas extintas e outras 15 marcadas como provavelmente eliminadas. Apenas 24 das 169 populações avaliadas na pesquisa se recuperaram nas últimas três décadas. Isso tudo reforça a tendência de queda populacional e de extinção desses animais.
Conforme o levantamento, o pico dos declínios ocorreu em 1979, mas seguem até hoje e não estão conectados diretamente ao desmate da Mata Atlântica. O bioma mais devastado do país tem apenas 12% de florestas bem preservadas. As maiores causas são o fungo Batrachochytrium dendrobatidis e alterações climáticas.
A conta caiu sobre essas causas porque o estudo excluiu fontes óbvias de eliminações de grupos de anfíbios, como a destruição de suas moradas pelo desmate. “O trabalho mostra que o declínio é grave e conectado a fatores agindo ao longo de grande espaço de tempo”, reforça Tamilie Carvalho, co-autora do artigo e pós-doutoranda na Universidade de Michigan.
Ameaças silenciosas
Surgido na Ásia há cerca de 100 anos, o fungo Batrachochytrium dendrobatidis (Bd) vem matando anfíbios no mundo todo. Ele contamina a pele dos animais, altera sua química e prejudica o funcionamento do organismo. Espécimes podem morrer de colapso cardíaco ou do fígado.
Os girinos até perdem seus microdentes de queratina pela doença. Os efeitos em adultos não são facilmente vistos, mas os animais comem menos, ficam letárgicos e inclusive trocam de pele tentando se livrar do patógeno. Mais lentos e fracos, os anfíbios também são vítimas mais fáceis de predadores.
Não há dúvida de que anfíbios na Mata Atlântica sucumbiram à doença, que pode ter ganho o planeta de carona em economias mundializadas.“O fungo seria uma ‘causa natural’ sem uma globalização que facilitou sua dispersão pelo mundo”, diz Tamilie Carvalho, da Universidade de Michigan.
Uma provável vítima do patógeno foi a Holoaden bradei, rãzinha restrita ao Parque Nacional do Itatiaia (RJ), o primeiro do Brasil, criado em 1937. A espécie é listada como provavelmente extinta, pois não é mais registrada desde o fim dos anos 1980.
O fungo pode ter sido levado à região por outros sapos, por insetos que se alimentam de sangue, pela água ou até pela neblina ou chuva. Ele se dispersa facilmente em ambientes úmidos. A criação comercial de espécies exóticas também pode ter culpa no cartório.
Trazida para o Brasil na década de 1930 para abastecer restaurantes com sua carne, a rã-touro é nativa dos Estados Unidos e imune aos efeitos do fungo Bd. É criada sobretudo no Sul e Sudeste, as regiões com maior declínio de anfíbios nativos.
“Trocas entre criadores, despejo de rejeitos em cursos d’água, criação como pet e outras ações ampliam as colônias de fungos”, destaca Tamilie Carvalho.
Em 2015, em Michigan, foi encontrada numa rã-touro uma cepa de fungo similar às do Brasil. Abrigo da maior diversidade global de salamandras, os Estados Unidos proibiram todas as importações do anfíbio para reduzir as chances de uma mortandade por variante da doença que afete os animais nativos.
O funcionamento do organismo de anfíbios depende muito da temperatura. Por isso, a crise climática global ameaça várias espécies, sobretudo as de regiões com climas muito específicos, como interiores de florestas e montanhas.
“O clima tem um efeito mais lento do que surtos epidêmicos sobre as espécies, mas o aumento gradual da temperatura vem eliminando e encolhendo populações de anfíbios”, destaca Toledo, da Unicamp. Um estudo veiculado em 2021 na Biological Conservation aponta declínios por essa causa no Vale do Ribeira (SP).
Naturalmente valiosos
A redução nas populações de anfíbios vem silenciando as cantorias em alagados e ameaça o equilíbrio de ambientes naturais. Sem esses animais, encolhem os números de cobras e serpentes, seus predadores, mas aumentam os de mosquitos e outros insetos podem carregar doenças contagiosas e são devorados por girinos e adultos.
Os anfíbios ajudam a manter lagos e outros corpos d’água saudáveis e ricos em peixes e outras espécies de interesse comercial e de subsistência. A produção de medicamentos e outras substâncias com seus venenos também será comprometida pela extinção de anfíbios.
“O mundo está ficando silencioso e chato sem os anfíbios. Esse desequilíbrio afeta toda a conservação dos ambientes e até as economias”, ressalta Toledo, da Unicamp.
Frente a um declínio de anfíbios que pode ter graves efeitos na sociedade moderna, é preciso monitorar de perto as populações para agir antes que o fungo e a crise do clima causem estragos ainda maiores. Diante do risco de extinção, casais poderiam se reproduzir em cativeiro para futuro repovoamento.
“Essa medida seria importante sobretudo para espécies endêmicas”, destaca Tamilie Carvalho, da Universidade de Michigan.
A cientista recomenda o controle sanitário do comércio legal e ilegal de pets, no acesso a parques nacionais e outras unidades de conservação e até uma melhor sinalização e vigilância de trilhas para que turistas não carreguem patógenos a áreas ecologicamente sensíveis.
“Temos que agir preventivamente e com um olhar cuidadoso sobre o conjunto de causas interagindo para o declínio dos anfíbios”, completa a pesquisadora.
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