Reportagens

Nova geração de gestores de RPPNs é menos romântica e mais empreendedora

No Dia Nacional das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), o debate é sobre a sustentabilidade econômica destas unidades de conservação (UCs)

Fernanda Wenzel ·
31 de janeiro de 2019 · 6 anos atrás
Flávio Ojidos, diretor-executivo da Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo. Foto: Arquivo pessoal.

Criadas em 1990 e reconhecidas no ano 2000 como unidades de conservação (UCs), as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) são a categoria de UC mais numerosa e a que mais cresce no Brasil. Atualmente existem 1.534 RPPNs que abrangem 780 mil hectares, distribuídos por todos os estados e biomas brasileiros. 74% delas pertencem a pessoas físicas, mas empresas e organizações não-governamentais (ONGs) também gerenciam este tipo de área protegida.

Em um país onde os recursos financeiros e a vontade política para a preservação ambiental são cada vez mais escassos, cada vez mais a sociedade civil e as corporações procuram assumir este papel. O Dia Nacional das RPPNs, celebrado em 31 de janeiro, procura justamente reconhecer este esforço de quem voluntariamente (na grande maioria dos casos) decide transformar para sempre parte ou toda a sua propriedade em uma área protegida.

“Quando você cria uma RPPN você toma uma decisão que transcende a sua existência. […] Seu neto vai morrer, seu bisneto vai morrer, e a RPPN vai continuar lá […] Isso é um verdadeiro legado”, explica Flávio Ojidos, gestor de RPPN, formado em Direito, mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável e diretor-executivo da Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo.

Foto: Instituto Ipê.

Ojidos é o autor principal do livro Conservação em Ciclo Contínuo – como gerar recursos com a natureza e garantir a sustentabilidade financeira de RPPNs, lançado no ano passado com os coautores Claudio Valladares Padua e Angela Pellin. A obra apresenta um modelo de gestão que promete garantir a sustentabilidade econômica da reserva e orientar a nova geração de gestores de RPPN. “Os primeiros a criar as RPPNs tinham uma motivação muito mais ideológica e romântica. Mas a gente começa a entrar em uma segunda geração de RPPNistas que está com um olhar mais parecido com este que eu abordei no livro. Mais empreendedor, de olhar a natureza como um ativo”, afirma Ojidos.

O modelo proposto pelos autores começa com a identificação de atividades que possam ser desenvolvidas dentro da propriedade visando a geração de recursos, como cobrança de ingressos para turistas ou grupos escolares, serviços de hospedagem e alimentação e promoção de cursos e eventos. O livro também propõe outras fontes de renda como ingressar no mercado de carbono, fechar acordos com empresas interessadas em associar sua imagem à temática ambiental ou negociar o excedente de reserva legal da RPPN com um proprietário cuja área de vegetação nativa seja insuficiente.

A ideia é destinar parte dos lucros auferidos com estas atividades a um Fundo de Ciclo Contínuo. Em determinado momento (cerca de 11 anos depois), o fundo terá dinheiro suficiente para que o gestor possa cobrir os gastos essenciais da RPPN (fiscalização e proteção) apenas com o rendimento (incidência de juros) desse fundo. Ou seja, a reserva se tornaria financeiramente autossustentável. A partir daí, ficaria a critério do gestor manter as atividades e serviços da propriedade para geração de lucro ou encerrar as atividades para fazer apenas a manutenção da área.

RPPN Gigante do Itaguaré. Foto: Arquivo pessoal.

A estratégia está sendo colocada em prática na RPPN Gigante do Itaguaré, que Ojidos e outros cinco amigos mantêm na Serra da Mantiqueira, em São Paulo. O trabalho para a criação do fundo começou há pouco mais de um ano, e as primeiras atividades de geração de renda estão começando a ser implementadas. Ojidos, que falou com o ((o))eco desde Nova Iorque, tem a expectativa de acelerar este processo com o apoio de investidores internacionais. O objetivo é formar o fundo o quanto antes: “[…] para a gente já começar a operar em um modelo de ciclo contínuo de conservação. Isso possibilita ter um case pronto, funcionando, rodando, para mostrar no resto do mundo”, explica.

A jabuticaba das unidades de conservação

Além de ser a única unidade de conservação privada do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a RPPN tem a particularidade de ocupar uma espécie de limbo jurídico. A lei que rege o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (nº. 9.985 de 18 de julho de 2000) colocou a RPPN dentro da categoria de uso sustentável, onde atividades que envolvem coleta e uso dos recursos naturais são permitidas, dentro de certos regramentos.

Pressionado por ambientalistas, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o artigo que permitia a extração de recursos naturais da RPPN, transformando-a, na prática, em uma área de proteção integral. No SNUC, no entanto, a classificação continua sendo de uso sustentável, o que segundo Ojidos causa muitas dores de cabeça: “Quando o proprietário de RPPN quer fazer, por exemplo, a coleta de sementes, que seria atividade inerente ao grupo de unidade de uso sustentável, não pode porque tem as características de proteção integral. E quando vai pleitear recursos da Câmara de Compensação Ambiental, não pode porque só podem as unidades de proteção integral, e a RPPN está na categoria de uso sustentável. [..] Via de regra a gente acabou ficando com a pior parte dos dois grupos”.

Ojidos em palestra sobre o livro. Foto: Arquivo pessoal.

Ojidos defende uma revisão do SNUC para remendar o problema. Enquanto isso não acontece, lembra que dispositivos nas legislações estaduais podem minimizar os problemas.

RPPNs de papel

A criação da maioria das RPPNs parte da vontade pessoal do proprietário de terra, seja pelo interesse em manter a área preservada, pelo desejo de usufruir de benefícios fiscais e financeiros (RPPNs não pagam Imposto Territorial Rural, têm prioridade na análise de projetos pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente e nos pedidos de concessão de crédito agrícola) ou pela combinação destes fatores. No caso das empresas, o maior interesse costuma ser o de associar a marca a um projeto de sustentabilidade ambiental (marketing verde).

Em alguns casos, no entanto, a criação RPPNs é exigida pelo Ministério Público ou pelo Judiciário como contrapartida para empresas que cometeram crimes ambientais ou que pretendem fazer um empreendimento de alto impacto ao ecossistema. Para Ojidos, muitas destas RPPNs acabam virando “reservas de papel”, já que não existe o real comprometimento por parte do gestor.

Ele também acusa os órgãos públicos de falharem em suas obrigações previstas em lei, de auxiliarem o gestor de RPPN na elaboração do Plano de Manejo, na proteção e na gestão da unidade de conservação.

 

 

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  • Fernanda Wenzel

    Fernanda Wenzel é jornalista freelancer especializada em Amazônia e meio ambiente.

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