Apresentado como solução para o enfrentamento de alagamentos recorrentes na Baixada Fluminense e de reassentamento de milhares de famílias moradoras de áreas de risco, o Projeto Iguaçu ficou inacabado. Iniciada em 2007 e abandonada há mais de uma década, essa iniciativa governamental não cumpriu totalmente o prometido, enquanto a região segue à mercê dos impactos da falta de gestão eficaz para o enfrentamento do impacto de chuvas torrenciais, cada vez mais frequentes e potencialmente devastadoras, em cenários de agravamento da crise climática.
Em reportagem publicada pelo ((o))eco, em 2020, já era sinalizado que as obras paradas há 8 anos, até então, não tinham conseguido alcançar o objetivo de conter os impactos das enchentes, mesmo tendo sido aplicados recursos da ordem de R$ 500 milhões, metade do montante previsto para essa iniciativa financiada pelo governo federal e coordenada pela Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão ambiental estadual vinculado à pasta. Registros “de invasões e construções irregulares em locais que haviam sido recuperados, nos rios Sarapuí, Botas e Iguaçu” já eram evidentes àquela época, segundo informado.
Em busca de atualizações sobre os rumos do Projeto Iguaçu e suas realizações, a reportagem foi informada pelo Inea que, “as principais realizações à época foram a dragagem de 56 km de rios, a remoção de 5 milhões de metros cúbicos de sedimentos dos corpos hídricos, e a construção de 344 apartamentos para o reassentamento de famílias”. Entretanto, o órgão ambiental não explicou o porquê do abandono dessa iniciativa. Mas foi assegurada a sua continuidade este ano.
“O Projeto Iguaçu está em fase licitatória, cumprindo os trâmites e prazos legais, após aprovação, em 4 de dezembro, do financiamento para o projeto pelo Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam)”, afirma o órgão ambiental. “O Governo do Estado também trabalha para que a ação receba reforço no financiamento por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, uma vez que se trata de uma obra de grande porte, que vai beneficiar a população com o controle de inundações e a recuperação ambiental nas bacias dos rios Iguaçu-Botas e Sarapuí”, acrescenta o Instituto em seu comunicado.
Como parte das ações futuras foi ressaltado que está prevista a “continuidade das obras de canalização do Rio Botas para garantir a funcionalidade e capacidade de escoamento do rio”, além de intervenções como “barragem para amortecimento de cheias no Rio Capivari-Amapá; reestruturação de Comportas ao longo do Rio Iguaçu; instalação de novos sistemas de elevatórias e bombeamento para auxílio da macrodrenagem e implantação de pôlderes (áreas para armazenamento de água em períodos de cheias dos rios)”.
Ao ser questionado sobre as principais ações que a Seas e o Inea vinham desenvolvendo para o enfrentamento das enchentes que têm afetado continuamente a Baixada Fluminense, o órgão ambiental informou que a pasta “atua na região, assim como em todo o estado, com o programa Limpa Rio, que promove a limpeza e desassoreamento dos corpos hídricos, além de executar obras de infraestrutura ambiental em todo o território fluminense”.
Desde 2021, ainda segundo o comunicado do Inea, o Limpa Rio “executa intervenções em todo o estado no valor de 415 milhões, beneficiando rios, canais, córregos e lagos”. Em relação à Baixada Fluminense, especificamente, foi afirmado “que recentemente o programa contemplou o canal Farias e o canal Gaspar Libero (afluente do Rio das Velhas) em Caxias, e afluentes do rio das Botas, em Belford Roxo”. Para 2024, o orçamento para essa iniciativa será de R$264 milhões, “o maior já feito”.
Quanto às obras de infraestrutura recentes, foram destacadas pelo Inea, “a macrodrenagem e urbanização em trecho do canal dos Colonizadores, em Belford Roxo”, no valor de R$ 16 milhões. “Já em Duque de Caxias, o governo atua com obras para canalização do rio Roncador”, com investimentos de R$55,1 milhões.
Sem plano de adaptação climática poder público “enxuga gelo”, afirma ambientalista
Conhecedor da iniciativa e de suas falhas, o ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, co-fundador do Movimento Baía Viva, conta que trabalhou no segundo governo do ex-prefeito Lindberg Farias, na Prefeitura de Nova Iguaçu, como subsecretário municipal de Meio Ambiente e Agricultura, fazendo o acompanhamento do Projeto Iguaçu. “Antes disso, pelo Baía Viva e como membro do Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara, já estávamos fazendo o acompanhamento dessas obras, mas o que aconteceu é que esse projeto não foi concluído, foi abandonado nos últimos anos”, relata.
Segundo Lima, “o projeto previa várias ações e a mais divulgada pelo governo do estado é a dragagem de rios”. Para o ambientalista, profundo conhecedor da problemática socioambiental que envolve a Baía de Guanabara e os municípios no seu entorno, a iniciativa funciona como “enxugar gelo”. “Draga os rios Iguaçu, Botas e outros e no ano que vem tem que dragar de novo”, destaca. Ainda que essa ação seja necessária, conforme avalia, “devido à precariedade da coleta de lixo e também por falta de educação ambiental de parte da população nos municípios, não se resolve o problema estrutural”, opina. Pela perspectiva do ecologista, falta investir em habitação social e planejamento para enfrentamento e adaptação ao atual cenário de emergência climática, opinião que encontra ressonância em cobranças da sociedade civil destacadas nesta reportagem.
Sobre o componente de habitação do Projeto Iguaçu, este praticamente não saiu do papel, segundo Lima. “Eram cadastradas as famílias pelas prefeituras da Baixada Fluminense que cediam os terrenos para o estado construir as habitações sociais. Isso não saiu do papel como esperado. Então, muitas famílias que foram retiradas de áreas de risco entravam em aluguel social e, pelo que eu sei, tem gente que está até hoje nesta situação, dez anos depois, porque as casas não foram construídas para toda a demanda que havia”, afirma o ambientalista.
Lima destaca que o governo estadual tem feito altos investimentos na compra de maquinário pesado para dragagem de rios fluminenses. “Essas dragas viraram moeda de troca eleitoral. A população que todo ano perde tudo com as enchentes dá graças a Deus quando fazem dragagem, mas a complexidade é muito maior do que isso”, afirma o ecologista, reiterando que não se avança sem resolver o problema habitacional e de saneamento.
“Desde o começo do Projeto Iguaçu o mundo mudou muito. O que precisamos agora é de um programa que combata os efeitos e os impactos das mudanças climáticas. A Política Nacional de Clima prevê os planos de adaptação e mitigação das cidades, então não podemos cometer o erro de repetir a concepção do programa de 20 anos atrás que se limitava à limpeza de rios com essas dragas”, analisa o ambientalista.
Lima também ressalta que o Projeto Iguaçu previa comitês de acompanhamento que não tiveram muita força, com exceção de Nova Iguaçu, onde havia um movimento social mais organizado e ainda gerava alguma participação mais ativa. “E hoje em dia não há participação social nesse esquema de limpeza de rios com as dragas”, opina. “Qualquer intervenção em uma região como a Baixada Fluminense, que é uma área úmida e foi aterrada no passado com processos de urbanização e industrialização, precisa ser adaptada aos tempos de mudanças climáticas Aí não tem jeito, somente dragagem e limpeza de rios não resolve. O grande problema da Região Metropolitana é o déficit habitacional das populações mais pobres. Sem enfrentar isso não tem despoluição da Baía de Guanabara, da Baía de Sepetiba e não tem controle de inundações que dê jeito”, conclui.
Mobilização social cobra do governo estadual Plano de Adaptação Climática
Os efeitos de temporais dos últimos dias 12, 13 e 14 e da falta de estrutura urbana para a contenção de alagamentos na zona norte e Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com forte impacto na Baixada Fluminense, resultaram em 12 mortes, mais de dez mil desabrigados e cerca de 50 mil pessoas afetadas de alguma forma, naquele fim de semana. Diante desse panorama, organizações da sociedade civil como os movimentos Meu Rio, Jovens Negociadores pelo Clima, Movimenta Caxias e organizações como a Casa Fluminense, dentre outras, lançaram a articulação online RJ não é Disney, Plano Climático Já. Em crítica aberta às férias do governador Cláudio Castro à Flórida, nos Estados Unidos, naquele período dramático enfrentado por grande parte da população, sobretudo em áreas periféricas, essa articulação social exige do governo do estado a construção participativa e a implementação de um Plano de Adaptação Climática do Rio de Janeiro.
“Chega de enxugar gelo! Racismo ambiental é o nome desse descaso com a emergência climática e em como ela afeta desproporcionalmente territórios vulnerabilizados”, afirma o manifesto das organizações. “Queremos que Cláudio Castro construa um Plano de Adaptação Climática com consulta técnica que envolva a sociedade civil, movimentos sociais e especialistas para a elaboração de medidas de enfrentamento e prevenção aos impactos das mudanças climáticas no Rio de Janeiro”, defende a articulação online. Ainda segundo a mobilização, “precisamos de monitoramento de chuvas e inventário de deslizamentos, expansão do sistema de alerta de cheias e a manutenção das redes de esgoto e condições de fluxo de água”.
Como noticiado pelo canal G1, o estado do Rio de Janeiro já tem mais de 100 mil pessoas afetadas pelos impactos das chuvas caídas ao longo deste mês. Com um contingente de 27 mil pessoas desalojadas, além de 927 desabrigadas, a região mais impactada é a Baixada Fluminense.
Segundo o Observatório do Clima, com base no Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense, publicado em 2023, “mais de 2 milhões e 200 mil pessoas foram atingidas pelas chuvas no estado do Rio de Janeiro entre 2021 e 2022, das quais, 81% eram moradoras da região metropolitana (capital e mais 21 municípios). “O levantamento mostrou também que, no mesmo período, 47.985 casas foram danificadas ou destruídas pelas chuvas, 16.213 delas na região metropolitana. Os danos na infraestrutura pública decorrentes de temporais somaram mais de R$280 milhões em todo o estado, sendo quase R$100 milhões na região metropolitana”, informou o OC. Ainda de acordo como o Observatório do Clima, um levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) revelou, em 2022, que um total de 925 mil pessoas eram moradoras de áreas de risco para enchentes e deslizamentos no estado do Rio de Janeiro, das quais 796 mil na região metropolitana. “A despeito dessa realidade, apenas a capital, entre os 22 municípios da metrópole, possui um plano de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. O dado é do Painel Climático, iniciativa da Casa Fluminense para monitoramento de políticas públicas no setor”. Em entrevista ao OC, Larissa Amorim, coordenadora-executiva da Casa Fluminense, afirmou na notícia mencionada: “O cenário de negligência se traduz nos números revelados pelo Mapa da Desigualdade e nas cenas que assistimos e vivenciamos nas periferias e na região metropolitana do Rio”.
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É alarmante perceber como o abandono do Projeto Iguaçu revela lacunas significativas na gestão de riscos urbanos no Rio de Janeiro. Além disso, a crise hídrica que assola o estado permanece sem solução, gerando preocupações crescentes. É nesse contexto que a empresa Pethrus tem testemunhado um aumento exponencial na procura por seus serviços de caminhões-pipa. A qualidade da água no Rio de Janeiro é lamentavelmente baixa, e isso tem impulsionado a demanda por alternativas seguras e confiáveis de abastecimento. A Pethrus tem sido ativa na conscientização sobre essa questão, destacando-a em seu site https://www.pethrusagua.com.br/