Reportagens

Parna dos Veadeiros terá zona de amortecimento só em 2025

Entidades civis temem que o atraso amplie os prejuízos ambientais à reserva de Cerrado, ampliada há 5 anos

Aldem Bourscheit ·
7 de outubro de 2022 · 2 anos atrás

A zona de amortecimento do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no nordeste de Goiás, será criada apenas em 2025. A medida foi chancelada pela Justiça Federal após acordo entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério Público Federal (MPF). Fontes avaliaram que o prazo é excessivo e ampliará impactos no entorno da reserva.

Conforme a decisão assinada pelo juiz Eduardo Rocha Cubas, o órgão ambiental deve formalizar o aperto de mãos com o MPF até o fim deste ano. Depois, terá mais 26 meses para definir a zona de amortecimento, ou até fevereiro de 2025. 

Conforme o ICMBio, o prazo se estende pelo grande número de reuniões entre interessados na questão, por chuvas e incêndios dificultarem visitas técnicas, por muitos municípios regionais não terem plano diretor – que orienta o uso do território – e pelo desafio de manter a gestão frente ao “envolvimento da equipe da UC em todo o processo” da faixa tampão. 

O pacto judicial decorre de uma ação civil da procuradora Nádia Simas Souza, de junho do ano passado. Ela pediu 18 meses para a criação da zona de amortecimento. O decreto de 2017 que ampliou o parque, de 65 mil hectares para 240 mil hectares, previu que a zona tampão seria definida por “ato do Presidente do Instituto Chico Mendes”. O que não aconteceu.

“[…] a autarquia ambiental […] tem postergado ad infinitum o lapso temporal para delimitação da Zona de Amortecimento do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o que claramente vai de encontro ao ordenamento jurídico”, destaca o processo do MPF.

Arte: Gabriela Güllich.

Na prática, o parque está pela primeira vez desde 1990 sem uma zona tampão. Desde então, resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) previam faixas de amortecimento de 10 km a 2 km ao redor de unidades de conservação, dependendo do grau dos impactos de ações humanas naquelas áreas. 

Conforme fontes ambientalistas, sem a zona tampão o parque e sua vizinhança ficam mais expostos a agrotóxicos, caça, loteamento descontrolado, atropelamentos de fauna silvestre, desmatamento, incêndios e lixões. Afinal, nessas faixas as ações humanas são mais restritas para reduzir os danos às unidades de conservação.

“Esses impactos não se limitam à origem. O glifosato usado na soja transgênica, por exemplo, se espalha muito e afeta o parque nacional. O ICMBio está ‘dormindo no ponto’ ao atrasar demasiadamente a criação da zona de amortecimento”, disse a advogada Flávia Cantal, da ONG Associação dos Amigos das Florestas. 

Na avaliação do ICMBio, “a região no entorno do Parque possui proteção ambiental”. “O [parque nacional] da Chapada dos Veadeiros é circundado pela APA [Área de Proteção Ambiental] Pouso Alto, uma unidade de conservação do Estado do Goiás”, arremata o órgão federal.

Todavia, de 2017 a 2021, como mostramos, foram registrados R$ 2,7 milhões em autos de infração por desmatamento, manter equipamentos para caça e impedir a ação de fiscais dentro do parque nacional. Do total, R$ 561 mil (21%) foram de infrações na área ampliada de Veadeiros.

Além disso, trabalhos como da bióloga e pesquisadora do Instituto Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, Patrícia Médici, revelam que pesticidas, fungicidas e herbicidas lançados pelo agronegócio já contaminam antas e outras espécies no Cerrado. 

Toma lá, dá cá

Veadeiros é uma das poucas reservas de proteção integral no Cerrado. É um patrimônio mundial natural reconhecido pelas Nações Unidas e compõe a Reserva da Biosfera do Cerrado. Ano passado, foi eleito por turistas como o melhor do Brasil e o 25º do mundo. Tamanha pompa não afasta ameaças da área protegida.

O mesmo decreto que ampliou o parque abre alas à “geração, transmissão e distribuição de energia […] e a […] mineração” na sua zona de amortecimento. Na Chapada dos Veadeiros há planos para pequenas centrais hidrelétricas e centenas de pedidos de lavras para mineração, inclusive no território preservado dos Kalungas, descendentes de ex-escravos.

“Poderão usar isso para implantar empreendimentos na região desconectados das necessidades do parque nacional e das populações tradicionais”, destaca Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação (Rede Pró UCs).

Um pedido de ONGs para fixar uma zona de amortecimento de 3 km ao redor de Veadeiros até a definição de uma faixa definitiva não pesou na decisão da Justiça Federal. “Não há previsão legal para o estabelecimento de zona de amortecimento provisória”, comenta o ICMBio.

Mas, a batida de martelo que obriga o governo a cumprir a lei e criar a faixa protetora pode beneficiar outras áreas protegidas no país. As reservas terrestres somam pouco mais de 1,5 milhão de km2 no Brasil – área similar à do Amazonas. 

O rio Preto, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Foto: Mauricio Mercadante

“A grande maioria não tem zona de amortecimento”, lamenta a bióloga Angela Kuczach, da Rede Pró UCs. Apenas Áreas de Proteção Ambiental e Reservas Particulares do Patrimônio Natural não precisam de zonas tampão.

“Por volta de 90 unidades de conservação já apresentaram propostas de ZA [zona de amortecimento] quando da elaboração do plano de manejo. Mas essas propostas foram elaboradas ao longo dos últimos 15 anos e estão em níveis diferentes de qualificação”, informa o ICMBio.   

Enquanto isso, parques nacionais como do Iguaçu, no Paraná, das Emas, no Goiás, e do Pantanal, no Mato Grosso, foram sitiados por lavouras, pecuária e outras fontes de prejuízos por não terem faixas protetoras ligadas a corredores ecológicos e outras áreas preservadas. Seu isolamento prejudica a conservação de animais e plantas nativos.

“Nossos parques estão virando ilhas de vegetação natural em meio a cidades e agropecuária. Isso é uma grande fragilidade que afeta a manutenção da biodiversidade no longo prazo”, destacou Kuczach. Outros riscos tramitam no Congresso Nacional. 

Aguardando votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, uma proposta do deputado federal Pinheirinho (PP/MG) obriga consultas públicas e estudos para definir zonas de amortecimento e corredores entre reservas. O parlamentar foi reeleito este ano. Hoje arquivado, um projeto do pai de Pinheirinho, o ex-deputado Toninho Pinheiro, eliminava as faixas de amortecimento das unidades de conservação no país. 

Procurado pela reportagem, o Ministério Público Federal disse que se manifestará “apenas nos autos sobre o caso”.

Nota da Editoria – Este texto é distinto do veiculado em 6 de outubro, pois acomoda informações enviadas por email pela Assessoria de Imprensa do ICMBio após o fechamento da reportagem. Editado às 14h53, do dia 08/10/2022.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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