Baku, Azerbaijão – Representantes das grandes empresas do agronegócio mundial compareceram mais uma vez em peso na Conferência do Clima da ONU, que este ano está em sua 29ª edição e é realizada no Azerbaijão. No segmento da carne e laticínios, a maior representação é novamente do Brasil, que ocupou a mesma posição na edição passada da Cúpula Climática.
Levantamento realizado pela organização britânica DesMog mostrou que 204 representantes das indústrias da carne, laticínios e pesticidas foram credenciados para a COP de Baku. A cifra total é menor do que o número do ano passado, quando o agro enviou 340 lobistas a Dubai, na 28ª Conferência do Clima. A porcentagem credenciada como parte oficial das delegações – o que confere acesso privilegiado às salas de negociações –, no entanto, aumentou.
Este ano, quase 40% dos 204 credenciados viajaram para a cúpula como membros da delegação de seus países, o que lhes deu acesso privilegiado às negociações diplomáticas. No ano passado, essa porcentagem foi 30%.
“Os números mostram que as COPs climáticas continuam a ser uma prioridade para as empresas que trabalham no agronegócio, um setor que responde por até um terço das emissões globais de gases de efeito estufa”, diz a organização.
No número geral de lobistas, estão representantes de algumas das maiores empresas de agronegócio do mundo, como as gigantes JBS, PepsiCo, Nestlé e Bayer.
Juntos, os lobistas do setor da carne e laticínios presentes na COP29 superam em número a delegação da ilha caribenha de Barbados, que em julho passado foi devastada pelo furacão Beryl, cuja formação e intensidade estão ligados às mudanças climáticas.
Dos 204 lobistas do agro presentes na COP29, 35 são do Brasil, o que representa 17,5% do total. Outros 17 vieram com grupos industriais brasileiros que fazem lobby em nome de grandes empresas agrícolas e vêm como grupos de observadores da COP.
No recorte apenas do setor da carne e laticínios, 52 lobistas foram credenciados como parte da delegação oficial de seus países, sendo que 20 deles vieram com o governo brasileiro, o equivalente a 38,4%.
Segundo dados exclusivos do levantamento da DesMog aos quais ((o))eco teve acesso, além da JBS, outras empresas brasileiras da carne, como BRF e Marfrig, estão presentes na COP29, bem como a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne Bovina (ABIEC), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás).
A ((o))eco, a DesMog esclarece que o número total de lobistas brasileiros da carne e laticínios é bem maior do que o apresentado no levantamento, já que ele considera apenas aqueles que foram credenciados como membros da delegação oficial do Brasil.
Vários outros, diz a organização, vieram nas delegações de grupos de comércio, como a Confederação Nacional da Agricultura, que realizou vários eventos nos espaços da COP29.
Influência em políticas públicas?
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, somente a produção de carne é responsável por cerca de 12% das emissões globais de gases estufa.
Para o Brasil, essa porcentagem é muito maior. Em 2023, a agropecuária foi responsável por 28% do total emitido no país. Quando o desmatamento é associado a ela, o total sobe para 74% do total de emissões, segundo dados do Sistema Brasileiro de Emissões de Gases Estufa (SEEG), divulgados no início de novembro.
A preocupação de organizações que trabalham no enfrentamento à crise climática é que os representantes do agro usem sua influência para “distrair” os formuladores de políticas públicas, no sentido de adiar normas mais rígidas de mercado e propor soluções que não sejam aquelas realmente necessárias.
Para An Lambrechts, estrategista sênior de campanhas da Greenpeace Internacional, há um claro “conflito de interesse” entre a presença da grande agricultura nas negociações da ONU e a necessidade de ação climática.
“Vemos o mesmo problema com a indústria de combustíveis fósseis, e como ela age para afastar o mundo do escopo de ações e soluções necessárias para combater as mudanças climáticas e lidar com seus impactos”, disse.
Agro brasileiro
No Brasil, o movimento pela adoção de práticas mais sustentáveis na agropecuária tem crescido vertiginosamente, muito em função das novas normas internacionais que têm sido implementadas no sentido de garantir que a carne consumida por países importadores não esteja associada ao desmatamento.
A Lei Europeia Anti-desmatamento (EUDR), o Forest Act americano e as discussões, que têm sido travadas pela China Meat Association no sentido de criar diretrizes socioambientais aos seus fornecedores, têm aumentado as pressões sobre o setor, que busca se adequar às novas exigências.
A Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável (MBPS), por exemplo, tem realizado uma série de iniciativas com o objetivo de discutir o cumprimento da nova lei europeia. O foco de atenção é a necessidade de implementação da rastreabilidade total da cadeia, de forma a assegurar que o gado não esteja ligado ao desmatamento em nenhuma etapa do processo, incluindo fornecedores diretos e indiretos.
A ((o))eco, um representante do setor que preferiu não se identificar disse que a indústria da carne brasileira está ciente dos impactos que a atividade tem nas emissões nacionais e que tem buscado se adequar às novas necessidades globais.
Ele esclarece que a presença de representantes do agro não é novidade nas conferências do clima e outros fóruns de discussão climática, como a Climate Week de Nova York. O objetivo, diz, é mostrar que o setor está ciente e comprometido com a adequação, mas que assistência técnica para pequenos e médios produtores e financiamento para a transição são igualmente importantes.
“Para nosso setor é impensável que a gente não acompanhe as discussões dessa agenda do clima”, diz.
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