O programa de Áreas Protegidas da Amazônia, mais conhecido como ARPA, que hoje apoia financeiramente a implementação de 117 unidades de conservação amazônicas, está suspenso. O projeto é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente via ICMBio e gerenciado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), através de uma parceria firmada por um Acordo de Cooperação. O contrato que sustenta essa relação – e consequentemente a execução financeira das atividades do ARPA – venceu no dia 31 de março de 2021 e ainda não há uma previsão formal da retomada do contrato. Enquanto isso, as atividades programadas pelas unidades de conservação também estão suspensas, entre elas ações de fiscalização, a dois meses do início do período crítico de desmatamento e queimadas na Amazônia.
Conforme apurou ((o))eco, o contrato aditivo de cooperação estava pronto uma semana antes do vencimento na mesa do presidente do ICMBio, o coronel da Polícia Militar Fernando Lorencini. O ICMBio é o braço do ministério responsável pela gestão de unidades de conservação e quem coordena o acordo junto ao Funbio, posteriormente ratificado pela Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Segundo rumores internos, Lorencini teria perdido o prazo para consultar e ter “o aval” do ministro, Ricardo Salles, antes de assinar.
Como não foi assinado o aditivo, que garante a prorrogação do instrumento sem interrupção, vai precisar ser feito um novo acordo, enquanto o programa fica paralisado. A suspensão do ARPA foi avisada aos gestores e gerentes regionais do ICMBio através de um e-mail, ao qual ((o))eco teve acesso. Segundo o texto, “em função do vencimento do Acordo de Cooperação entre ICMBio e Funbio para execução do Programa ARPA, informamos que as atividades planejadas com recursos do projeto devem ser temporariamente suspensas”. Ainda de acordo com o e-mail, um novo acordo está em andamento e que a execução do ARPA será retomada tão logo ocorra a publicação do instrumento no Diário Oficial – o que ainda não ocorreu.
“Contudo, durante esse período solicitamos a suspensão e reprogramação das atividades, incluindo aquelas que possam ser executadas apenas por meio da Despesa Local”, continua o e-mail.
((o))eco entrou em contato com o ICMBio e com o Ministério do Meio Ambiente para obter um posicionamento sobre a suspensão e esclarecer os motivos pelos quais o contrato aditivo não foi assinado a tempo ou como ficariam as unidades de conservação durante a lacuna do programa. Em resposta, a equipe de comunicação do ICMBio negou a interrupção das atividades. “Não há nenhuma paralisação. A renovação já foi efetuada e deve ser validada pelo jurídico ainda nesta semana. Os recursos e ações continuam fluindo normalmente”, respondeu por e-mail.
Uma fonte ouvida por ((o))eco, entretanto, diz que a afirmação é falsa e ressalta que não é possível que a renovação esteja efetivada antes da manifestação do jurídico – que segundo o próprio ICMBio ainda não ocorreu. A fonte acrescenta ainda que enquanto não houver um contrato, não existe respaldo formal para demandar a execução de recursos ao Funbio, portanto não há como o fluxo de recursos e ações continuarem normalmente, como afirma a declaração do ICMBio.
“Só o fato de saber dessa notícia já colocou o pé no freio de todo mundo aqui. Atividades que estavam sendo programadas serão suspensas ou até canceladas e essas demandas que eram para serem atendidas agora, no preâmbulo do período de alta do desmatamento, vão estar espremidas nesse período, então o prejuízo já é certo”, conta uma fonte que atua em unidades de conservação da Amazônia ao ((o))eco e que prefere não se identificar.
((o))eco também entrou em contato com a assessoria do Funbio, outra parte interessada e envolvida na execução do ARPA, que esclareceu que o contrato venceu no dia 31 de março de 2021. “O fim da vigência do Acordo de Cooperação (AC) levou a uma suspensão temporária, e todos os esforços estão sendo feitos para a renovação do documento no menor prazo possível, evitando assim que ocorra qualquer paralisação do Programa ARPA”, respondeu por e-mail a Funbio.
O extrato do Acordo de Cooperação previamente vigente foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em abril do ano passado, onde consta a duração de um ano a contar da assinatura – feita no dia 2 de abril de 2020.
A Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente do Plano Especial de Cargos do MMA no Amazonas (Ascema Amazonas) manifestou preocupação com a suspensão temporária do ARPA. Das 117 unidades de conservação apoiadas atualmente pelo programa, 72 são federais, que juntas somam quase 40 milhões de hectares, destaca a Ascema, e têm a gestão “fortemente atrelada e dependente dos recursos do programa”.
A associação alerta ainda que a suspensão significa a “paralisação da gestão dessas unidades, já tão sofridas por escassez de pessoal e infraestrutura e dificuldades operacionais e logísticas”, com impactos diretos nas ações de fiscalização, monitoramento, operacionalização, manutenção e gestão socioambiental.
De acordo com o Relatório Bienal de Necessidades Financeiras do ARPA 2020/2021, a previsão do valor total de desembolso no ano de 2021 é de R$35.519.297 (uma média de R$2.959.941 por mês), distribuídos de forma distinta entre as unidades de conservação apoiadas pelo programa. Estes 35 milhões são destinados para ações de proteção, operacionalização, equipamentos, monitoramento, instalações, plano de manejo, formação e funcionamento do conselho, pesquisa e sinalização.
O ARPA está atualmente na sua Fase III, chamada de Fundo de Transição de Longo Prazo ou “Arpa para Vida”, com duração de 25 anos (de 2014 a 2039). Esta terceira, e última fase, prevê um investimento total de 215 milhões de dólares para garantir a implementação das unidades de conservação amazônicas, que posteriormente seriam assumidos por completo pelo poder público.
A cooperação entre ICMBio e FUNBIO não se restringe apenas ao ARPA. O projeto GEF-Mar também conta com a dobradinha entre as instituições, mas diferentemente do programa amazônico a iniciativa que apoia as unidades de conservação marinhas e costeiras foi renovada dentro do prazo, no final de março deste ano.
Parcerias serão vistoriadas por Salles
A Portaria nº 145, recém-publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, no início de abril, disciplina justamente a gestão de programas, projetos de cooperação e acordos no âmbito do ministério e suas entidades vinculadas. Na portaria fica instituído o Sistema de Acompanhamento de Projetos e o Diretório de Projetos de Recursos Externos coordenado pelo Departamento de Recursos Externos da Secretaria Executiva (DRE/SECEX); e com ele, fica definido que as unidades responsáveis – como o ICMBio e o Ibama, por exemplo – deverão “encaminhar justificativa circunstanciada” para o sistema com antecedência mínima de 15 dias da data necessária para a deliberação do Ministro do Meio Ambiente”.
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