As crianças de hoje estão passando mais tempo em contato com dispositivos eletrônicos do que nunca. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para limites de tempo de tela, já que mais estudos tem reforçado como o uso excessivo de celular impacta no cérebro da criança. Uma boa alternativa de lazer são as trilhas em meio a natureza. E quem é da região de Florianópolis, em Santa Catarina, ou visita a ilha, tem a possibilidade de conhecer o projeto Trilhas de Criança, que surgiu em 2016 com o objetivo de proporcionar experiências afetivas na natureza.
Com mais de cinquenta trilhas realizadas até o momento, a maioria dentro da ilha, e com a participação de mais de mil pessoas, a proposta foi idealizada pela educadora Lesly Monrat. “Oficialmente surgiu em 2016 e se espalhou no Facebook. Em 2018, realizamos um evento para o “Criança e Natureza” do Instituto Alana. A pandemia diminuiu o ritmo, mas no final de 2021 voltamos com os encontros”, conta.
Em 2022 o projeto foi patrocinado de janeiro a abril pelo Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), com recursos do Governo Federal e da Lei Aldir Blanc. Atualmente, os organizadores oferecem um curso online para ajudar nos custos de produção e procuram patrocinadores para que possam disponibilizar ainda mais eventos gratuitos para todos, inclusive para crianças com necessidades especiais.
“O Trilhas de Criança foi criado para proporcionar uma experiência sensorial entre pais e filhos, para que fique na memória de ambos esses momentos especiais vivenciados na natureza”, explica a educadora. Todas as trilhas são lúdicas e costumam durar cerca de 4 horas, mas são as crianças que ditam o ritmo da caminhada. Algumas contam com dunas, outras têm cachoeiras e até praia. Isso porque as trilhas são divididas em diferentes partes da ilha: norte, sul, oeste e leste. Cada uma desbrava um canto de Florianópolis.
O foco é o protagonismo natural das crianças com os diferentes ecossistemas da natureza, mas as trilhas que possuem o elemento água são sempre muito bem aproveitadas pelas crianças, conta a educadora. A vivência pode ser transformadora e algumas pessoas depois que fazem a trilha, criam o hábito de seguir sozinhas e há relatos de famílias que passeavam apenas no shopping aos finais de semana e agora exploram ambientes naturais, reconectando-se com o meio ambiente.
Aventura compartilhada em família
Quem participou de uma das trilhas realizadas em abril desse ano foi a mãe Inara Moraes e a sua filha Pilar, de 8 anos. A menina conta que foi muito bacana fazer a trilha, além da oportunidade de ganhar novos amigos: “Foi bem legal porque cada trilha dava num lugar diferente. Eu vi bichos como o sagui e fiz várias amizades. Toda trilha tinha uma lenda e muitos animais”, conta a pequena Pilar.
A mãe, Inara, que atua como educadora, reforça como é importante o contato da criança com a terra: “Nessa experiência, aprendemos mais sobre a cultura local, apreciamos as paisagens belíssimas, além de fazer novos amigos e trocas importantes. Tudo isso no meio da natureza mágica deste lugar”, pontua.
Toda essa vivência compartilhada em família e junto à natureza é reforçada pela professora Rita Jaqueline Moraes, que vê muitos benefícios na participação de crianças na trilha. “Conhecer da vida, ver as plantas amadurecerem, ver as flores com suas cores. É saber mais da vida e ampliar o repertório. É o repertório vivo das crianças quando a gente vai pra natureza”, resume Rita.
Segundo uma pesquisa publicada em novembro de 2019 pela Universidade de Londres, crianças devem passar pelo menos uma hora por dia em contato com a natureza. Já um estudo divulgado pelo periódico científico Plos One revela que crianças pré-escolares que têm mais contato com a natureza são menos hiperativas, apresentam menos dificuldades comportamentais e emocionais e, assim, têm um comportamento social mais fluído.
A professora Rita concorda. “Traz benefícios tanto para a questão da saúde, porque ajuda na imunidade, quanto para a parte psicológica porque aumenta a corporeidade. A natureza convoca a criança ao desafio, ao subir e ao correr ao ar livre”, diz.
Tudo isso é percebido na prática pela idealizadora do projeto Trilhas de Criança. Conforme explica Lesly, uma criança nunca termina a trilha como começou. Ela pode iniciar chateada, mas no fim está feliz. Com a prática das trilhas, a educadora também se questiona o quanto pais e mães são dependentes de diferentes especialistas, seja da saúde ou da educação, e que nem sempre olham para as necessidades específicas de cada criança: “O brinquedo “xyz” para estimular tais habilidades, é o curso caro para preparar para o futuro, é o exercício da moda para potencializar a saúde, mas nem sempre estas escolhas estão pautadas nas necessidades daquela crianças”, reflete Lesly.
Os relatos reforçam como a natureza pode ser uma verdadeira sala de aula de aprendizagem direta, “sem custo”, além de uma fonte de estimulação sensorial e, portanto, emocional. O ambiente natural pode ser uma mina educacional, um lugar de exploração e pesquisa, um ecossistema para observar diretamente processos, que, muitas vezes, são apenas folheados em livros na escola.
Além disso, o contato com as trilhas oferece experiências artísticas e aprendizado científico e matemático (coletar folhas, sementes e depois desenhar, colorir, classificar, catalogar).
Enfim, caminhar no verde, escalar, correr, tornar-se pequenos observadores e exploradores da vida que palpita na casca de uma árvore são experiências diferentes, mas que têm um denominador comum: o de se reconectar com a Mãe Terra para cultivar identidades ecológicas, e ampliar a capacidade de se maravilhar com o encantamento que a natureza pode nos proporcionar todos os dias.
Como participar da trilha?
As trilhas ocorrem uma vez por mês e são gratuitas. No total, são sorteadas vagas para 25 famílias em cada passeio e participam, em média, 75 pessoas por vez. Os interessados podem entrar no site, fazer sua inscrição e esperar o sorteio. Atualmente, o projeto conta com aproximadamente 500 famílias cadastradas que disputam as 25 vagas.
Para participar da trilha, não há idade. Lesly ressalta que já participaram bebês de três meses, mães grávidas no nono mês, anciãos e adolescentes. “Nosso ritmo vai de acordo com os pezinhos que estão trilhando”, diz.
Leia também
A urgência do verde na vida das crianças no pós-pandemia
Crianças passam cada vez mais tempo em frente a telas e menos brincando ao ar livre. Déficit de natureza pode causar problemas de saúde →
Florianópolis cria a maior área protegida do município
O recém-criado Refúgio de Vida Silvestre Municipal Meiembipe ocupa cerca de 12% do município. Junto a ele foi criado também o refúgio Morro do Lampião →
Além das praias, as trilhas como vetores de turismo no litoral norte de Santa Catarina
A implementação de uma trilha de longo curso no litoral norte do estado catarinense ajudará a conectar unidades de conservação e criar alternativas para o turismo na região →