O vazamento de dois mapas nas redes sociais causou indignação nos cientistas e ambientalistas que encabeçam a campanha em favor da criação das Unidades de Conservação marinhas de São Pedro e São Paulo, na costa pernambucana, e Trindade e Martim Vaz, na costa capixaba. Isso porque os mapas mostram uma proposta, supostamente defendida pela Marinha brasileira, dos limites que seriam as novas áreas protegidas e a parte mais sensível e de maior biodiversidade – as ilhas e as águas mais rasas – estão excluídas de qualquer proteção.
O Ministério do Meio Ambiente havia apresentado até agora uma proposta que englobava a proteção de área total de 887.040 km² do arquipélago de São Pedro e São Paulo (PE), e da cadeia de Montes Submarinos Vitória-Trindade e Arquipélagos de Trindade/Martim Vaz (ES). Nela, em ambas regiões seriam criadas uma Área de Proteção Ambiental (APA), que permite uso sustentável dos recursos, de 40 milhões de hectares cada. As ilhas dos arquipélagos estariam dentro da categoria Monumento Natural (MONA), que é de proteção integral, ou seja, que não permite o uso direto dos recursos. O Monumento Natural de Trindade e Martim Vaz somaria 6 milhões de hectares e o de São Pedro e São Paulo, 4 milhões. Em nenhum momento foi considerado que a parte mais sensível poderia ficar do lado de fora.
Água no chopp
Os cientistas e ambientalistas que encabeçam a campanha “É Hora do Mar” foram pegos de surpresa com a possibilidade da parte mais sensível dos dois arquipélagos ficar de fora de qualquer proteção.
“Tecnicamente, esse mapa não faz o menor sentido porque ele não protegeria a porção de maior biodiversidade, tanto terrestre, nas Ilhas de São Pedro e São Paulo, quanto no entorno de Trindade. Para os objetivos da biodiversidade, esse mapa não funcionaria e seria um desrespeito a toda mobilização feita até o momento”, explica Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Nacional Pro Unidades de Conservação e uma das lideranças do movimento “É Hora do Mar”.
Há meses os ambientalistas se mobilizam para impulsionar a proposta. Conseguiram a adesão de artistas e cientistas para dar apoio político para a criação de novas Unidades de Conservação marinhas, uma área normalmente negligenciada pelo governo. O ponto principal de mobilização foi trazer para o Brasil a bióloga Sylvia Earle, que esteve em reunião com o presidente Temer na última segunda-feira (05). Foi quando o Palácio do Planalto anunciou que as unidades seriam criadas.
No começo da tarde desta sexta-feira (09), foi apresentado no World Ocean Summit, evento que ocorre no México, um vídeo gravado pelo presidente da República anunciando a proteção “de vastas áreas marinhas”.
“Com essas novas Unidades de Conservação, protegeremos cerca de 25% das águas brasileiras, superando e muito as metas que definimos nas Nações Unidas. O passo que agora estamos dando resguarda nossa rica biodiversidade e renova nosso compromisso com um mundo mais sustentável”, falou Temer.
Negociação continua
Oficialmente, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) alega que os mapas divulgados não são os mapas finais, já que os limites ainda estão sendo negociados com a Marinha do Brasil e a Presidência da República. Ainda de acordo com o MMA, o desenho final deverá ser definido após o término da consulta pública, que acontece neste sábado (10).
A Marinha foi contactada, mas até o término desta matéria não havia retornado.
Não se tem a confirmação de que os mapas representam a proposta defendida pela Marinha brasileira. Até o vazamento, a Marinha se posicionou como defensora da proposta de proteção dos dois arquipélagos, mas não entrou em detalhes sobre a categoria de proteção ou qual seria o desenho. Pelo menos não publicamente.
A Marinha mantém uma base na ilha de Trindade desde 1957. Em São Pedro e São Paulo, há uma Estação Científica, sob os cuidados da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, desde 1998.
Não seria a primeira vez que uma Unidade de Conservação seria criada em uma área da Marinha. Há 18 meses, o governo criou o Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes, numa área que era usada como teste de tiro de canhão da Armada. A negociação foi feita mantendo uma parte pequena do arquipélago sob domínio da Força Armada. A parceria entre o Ministério da Defesa e do Meio Ambiente foi bem replicada em Alcatrazes, resta saber se ela se repetirá nos arquipélagos. Por enquanto, e ao contrário do que se achava, esta negociação ainda está aberta.
Atualização
Na manhã deste sábado (10), a Marinha brasileira, por meio da Centro de Comunicação Social da Marinha, informou que “os traçados dos referidos mapas apresentados resultam de um acordo entre o Ministério do Meio Ambiente e a Marinha do Brasil, com o propósito de conciliação da preservação de Soberania e Defesa Nacional e da biodiversidade”.
*Editado às 09h08, do dia 10/03/2018, para acrescentar a resposta da Marinha e mudar a manchete.
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Áreas que ficam a mais de 1.000 km do litoral estão longe de ser locais que necessitem de algum tipo de proteção especial. Ainda mais que já estão protegidas por serem área militar e de acesso restrito.
A criação dessas APAs carecem de fundamentação científica e têm cunho puramente político.
Cheque-mate!!!
Uma campanha liderada pela comunidade científica carece de fundamentação científica (sic)… Faz muito sentido!
'Comunidade científica'…zzzzzzzz
Importante mencionar que o mapa que consta no processo de criação da UC de Trindade como proposta ideal, considerando as espécies ameaçadas do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves Marinhas Ameaçadas, deixa a área onde ocorre 90% das atividades da Marinha pra eles.
A discussão na verdade tem sido um embate ferrenho entre ICMBio/MMA com a Marinha do Brasil, que se mostra irredutível. O MMA apresenta e procura impor as nossas propostas técnicas (PAN Aves Marinhas, CEMAVE, FURG) que constam no processo administrativo de Criação da UC como limite ideal para as Aves e tartarugas, só que a Marinha coloca uma posição de que ou é do jeito deles ou não sai.
Estamos pedindo o apoio da sociedade para que mandem manifestações ao Temer, MMA, Marinha (SECIRM), políticos e mídia.
Vamos fazer a nossa parte senão
vai se repetir o modelo de Abrolhos, onde a Ilha Santa Bárbara está fora da UC (área militar), da REBIO Arvoredo, em que boa parte da Ilha é da Marinha (farol) e tantas outras…